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A “crise” da transparência das regras da concorrência e o efeito de conluio na contratação

No documento Ana Carolina Miranda Mota (páginas 75-78)

CAPÍTULO III – A livre concorrência na formação de contratos públicos

3. A “crise” da transparência das regras da concorrência e o efeito de conluio na contratação

Para além de poder haver um favoritismo entre a entidade adjudicante e certo concorrente (corrupção ativa e passiva), pode haver também entre os participantes. O chamado conluio entre participantes consiste na concentração de propostas com o objetivo de eliminar ou limitar a concorrência nos procedimentos de contratação.

O mercado fica particularmente mais vulnerável na contratação pública consequentemente.

“(…) uma diminuição das vantagens que uma concorrência efetiva poderia trazer. O Direito da contratação pública impõe regras sobre a tramitação do procedimento com o objetivo de evitar possíveis conluio entre participantes (por exemplo, mantendo as propostas secretas até ao final do prazo de apresentação). Para além de certas estratégias para evitar conluio entre empresas o Direito da Concorrência stricto sensu é constituído por normas imperativas que penalizam condutas ilícitas de conluio.”161

Este tipo de comportamentos leva a uma situação de ineficiência da contratação pública162 que, por sua vez, constitui uma grave violação da lei da concorrência (nacional163 e europeia164). O conluio resulta de quebras de fundos públicos que vem muitas das vezes dos contribuintes, através de impostos, que deveriam ter como finalidade promover a concorrência para maximizar o bem-estar dos cidadãos.

O conluio é a principal ameaça à concorrência por ser mais difícil de detetar pelo seu caráter secreto.165 E por isso, há uma necessidade de a AdC, das entidades adjudicantes, do

Tribunal, e de outras entidades reguladoras estarem unidas no combate ao conluio ou a outras práticas que possam influenciar, restringir ou limitar a concorrência.166 Através de uma atuação ex-ante (e.g. com a recolha sistemática através de uma análise de bases de dados de contratação pública com dados históricos; com a deteção de anomalias nos padrões de licitação; etc.) e ex-post para prevenir e detetar comportamentos (com multas e coimas).

O conluio pode assumir duas maneiras de se manifestar num procedimento concursal, ou pela, manipulação dos resultados do procedimento, ou pela forma de compensação para que

161 RAIMUNDO, Miguel Assis – ob. Cit., p. 378.

162 Um estudo realizado pela AdC mostra que a adoção de procedimentos de concursos públicos permite uma poupança até 3,8% do valor do contrato.

Disponível em:

http://www.concorrencia.pt/combateaoconluionacontratacaopublica/files/Mais%20e%20melhor%20por%20menos.pdf

163 Cfr. o artigo 9.º nº 1 da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio. 164 Cfr. o artigo 101.º do TFUE.

165 Cfr. SILVA, Miguel Moura e Silva – Os cartéis e a sua proibição no Tratado de Roma: aspetos substantivos e prova. In revista Sub Judice. Justiça e Sociedade. Direito da Concorrência. N.º 40. 2007. Julho-Setembro. Almedina, p. 39 a 57. 166 Cfr. Cartel: Acordo entre empresas que tem por objetivo restringir ou falsear a concorrência. Sentença do 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa de 2 de Maio de 2007, Proc. 965/06.9TYLSB. In revista Sub Judice. Justiça e Sociedade. Direito da Concorrência. N.º 40. 2007. Julho-Setembro. Almedina, p. 213 a 273.

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as empresas que se envolvem nesse esquema ganhem mais do que aquilo que receberiam em concorrência167 (Fig. 6).

Figura 6 – Causas negativas de conluio

Num concurso público os concorrentes são obrigados a seguir as regras da contratação e as regras de mercado para a promoção de uma concorrência efetiva. Assim, as entidades adjudicantes tem como objetivo principal respeitar o princípio da concorrência, evitando que, através das compras públicas, se gerem distorções no funcionamento dos mercados, mais ainda no momento em que a crescente centralização das compras públicas reforça a ideia de “buyerpower” das entidades públicas (Estado), permitindo moldar ou limitar a estrutura de alguns mercados.168

Contudo, o mercado não pode ser totalmente transparente. O princípio da transparência contribui para o escrutínio das decisões de contratação pública facilitando a monitorização e auditoria dos procedimentos, com a probabilidade de detetar mais facilmente comportamentos abusivos de concorrência que de alguma forma anulam a concorrência (e.g corrupção ou práticas restritivas da concorrência).169

167 Vários são os indícios de estaremos perante uma situação de conluio: pelos padrão de rotatividade da proposta vencedora entre os concorrentes; ou pelo padrão de distribuição geográfica das propostas vencedoras; ou pela situação de um concorrente habitual não apresentar proposta num procedimento no qual seria de esperar que o fizessem, continuando a concorrer noutros procedimentos; ou nas condições de mercado haver um alinhamento súbito dos preços entre concorrentes; ou pela descida de preços quando participa um novo concorrente; ou pela diferença abismal de preço entre propostas concorrentes. São alguns exemplos de comportamentos anti concorrências.

168 Cfr. RODRIGUES, Nuno Cunha – Contratação Pública e concorrência: de mãos dadas ou de costas voltadas? – Revista

de Concorrência e Regulação, n.º 32, 2017, Outubro-Dezembro, Almedina. p. 135.

Disponível em:

http://www.concorrencia.pt/vPT/Estudos_e_Publicacoes/Revista_CR/Documents/Revista%20C_R%2032.pdf

169 Cfr. RODRIGUES, Nuno Cunha – ob. Cit., p. 143

preço mais elevado Conluio qualidade inferior menor inovação

Apesar do princípio da transparência ser considerado um princípio fundamental na contratação pública, em termos jurídico-económico a transparência pode ser monitorizada pelos participantes envolvidos no conluio de forma a desviar os termos acordados no procedimento, pondo em causa a estabilidade do concurso.

Poderá concluir-se que o princípio da transparência não deveria ter tanto relevo para efeito de procedimento na contratação pública face ao direito da concorrência. Nomeadamente, não deveria ter tanto ênfase em certas fases do procedimento (como na fase de preparação do procedimento e na fase de avaliação das propostas).170

Ora, isto era facilmente resolvido se a entidade adjudicante manifestasse dois comportamentos: mantivesse o anonimato dos concorrentes até à apresentação de candidaturas e propostas e dos suprimentos de irregularidades, ponderando cuidadosamente o tipo de informação a divulgar; e a oportunidade de realizar reuniões/entrevistas com os concorrentes para mitigar problemas relacionados com o procedimento.

170 Cfr. MERNIZ, Fatima - Social Responsibility is an Ethical Necessity for Business Organizations. In Program of 38th International Scientific Conference on Economic and Social Development. 21-22 March, 2019. Venue: The Faculty of Law Economics and Social Sciences Salé, Rabat, Morocco. Book of procedings. Pp. 64 a 68.

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CAPÍTULO IV – Como garantir o princípio da concorrência no âmbito da contratação

No documento Ana Carolina Miranda Mota (páginas 75-78)