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3. Desequilíbrios na Área do Euro: uma análise macroeconómica

3.3. Crise na zona euro

A 1 de janeiro de 1999 deu-se o funcionamento da AE. O BCE foi instituído para ser o grande responsável pela política monetária, cujo objetivo principal era a estabilidade do nível de preços. A política orçamental

-4 -2 0 2 4 6 8 10 12 14

Alemanha Áustria Holanda Luxemburgo

-20 -15 -10 -5 0 5 10 15

Espanha Grécia Irlanda Portugal

Fontes: AMECO no caso da Áustria e Banco Mundial para os restantes.

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trouxe restrições aos países membros, com a implementação do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), no qual o limite máximo do défice orçamental foi fixado nos 3% do PIB e a dívida pública nos 60% do PIB. Embora prevalecessem inicialmente diferenças estruturais entre os países, era esperado que a UE com a sua livre mobilidade de bens, capital e trabalho, reunisse condições para a convergência económica e crescimento económico (Holinski et al., 2012).

Com a criação da União Económica e Monetária (UEM), processo de ampliação da integração do mer- cado europeu, era esperado que os níveis de rendimento dos países periféricos convergissem para os níveis de rendimento dos países centrais da UE. Desta forma, os países periféricos começaram a registar influxos de capital sob a forma de défices das contas correntes. Blanchard e Giavazzi (2002) afirmavam que os défices das contas correntes dos países periféricos como, por exemplo, Grécia e Portugal, faziam parte do processo natural de convergência económica. Dado que estes países apresentavam taxas de retorno superiores e melhores perspetivas de crescimento, o investimento deveria aumentar e as pou- panças diminuir. Frieden e Walter (2017) indicam que, o crescimento lento dos países do centro da Europa, levou as instituições financeiras desses países a procurarem maiores oportunidades de rendi- mento na periferia europeia. Como resultado, verificou-se a transferência de capitais dos países centrais para os países periféricos, sendo a maioria desses empréstimos destinados ao mercado imobiliário e à indústria.

No período consequente à criação da UEM, verificou-se a convergência dos spreads das taxas de juro das obrigações na periferia, o que originou excessivos empréstimos e crescentes défices das contas correntes. Em primeiro lugar, ocorreu o investimento das instituições financeiras, uma vez que os custos de transação diminuíram e o risco cambial desapareceu. Em segundo lugar, o BCE encorajou o aumento da procura por dívida soberana dos países periféricos. Em terceiro lugar, a regulação financeira na UE foi harmonizada. De igual modo, a maioria do capital que fluiu para a periferia foi intermediada pelos países do centro, sob a forma de instrumentos, muitas vezes emitidos e mantidos pelos bancos. Desta forma, a UEM não só contribuiu para os desequilíbrios externos dos países periféricos, mas também para o aumento da dívida externa bruta dos países centrais como a Alemanha, Bélgica, França e Holanda (Hale e Obstfeld, 2016).

A convergência das taxas de juro de dívida pública dos países periféricos em relação à taxa de juro alemã (representativa dos países centrais da zona euro), é vista como parte do processo de integração europeia – ver figura 5.

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FIGURA 5-TAXAS DE JURO DE DÍVIDA PÚBLICA DE LONGO PRAZO NA UEM

Na figura 5, entre 2000 e 2007, ocorreu a convergência das taxas de juro de dívida pública dos países periféricos em relação à taxa de juro alemã. Deste modo, o risco de financiamento da despesa nos países periféricos era praticamente igual ao risco de financiamento da despesa nos países centrais. Com a crise financeira internacional, as taxas de juro da Espanha, Grécia e de Portugal começaram a divergir relati- vamente à taxa de juro da Alemanha, tendo este diferencial se acentuado com o surgimento da crise da zona euro em 2009.

A crise financeira internacional e a crise da zona euro, veio pôr fim à visão benigna dos défices externos e da circulação internacional de capitais, que havia prevalecido desde os anos 80. A crise financeira se sucedeu, com as dificuldades de financiamento do setor imobiliário e do setor financeiro, tendo se agra- vado com as diversas falências das instituições financeiras. Além disso, a crise financeira se transformou num fenómeno global, em setembro de 2008, com a falência do banco de investimento Lehman Brothers. A Europa sentiu efeitos imediatos, dado que os bancos europeus (sobretudo os franceses e os alemães) detinham uma grande quantidade de ativos financeiros. De modo a colmatar estes efeitos adversos sobre a economia mundial, a CE e os EUA adotaram um conjunto de medidas contracíclicas (estimulando o investimento e o consumo). No entanto, estas medidas tornaram-se ineficazes, pois não evitaram uma recessão económica global. Simultaneamente, as dificuldades do setor financeiro, a dimi- nuição das receitas e o aumento das despesas dos Estados, originaram elevados défices orçamentais na Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal, o que agravou ainda mais o seu endividamento (Alexandre et al., 2016). 0 5 10 15 20 25

Alemanha Espanha Grécia Portugal

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Na figura 6, é retratada a evolução do saldo orçamental nos países periféricos, para o período 2000- 2017.

FIGURA 6-SALDO ORÇAMENTAL DOS PAÍSES PERIFÉRICOS (% DO PIB)

No período que se seguiu à crise financeira internacional, os défices orçamentais das economias perifé- ricas aumentaram significativamente, atingindo valores máximos em 2009, na Espanha (11% do PIB) e na Grécia (15% do PIB) e, em 2010, na Irlanda (32% do PIB) e em Portugal (11% do PIB). Entre 2013 e 2017, verifica-se a correção dos desequilíbrios orçamentais.

A crise financeira internacional, iniciada nos EUA, que rapidamente se propagou para a Europa, com a crise do euro, demonstra bem os efeitos da globalização financeira, sobretudo com a amplificação e propagação dos choques e das crises. Os bancos alemães e franceses foram afetados severamente, dada a elevada exposição desses bancos ao mercado subprime americano. Simultaneamente, a descon- fiança em relação à liquidez e solvência dos bancos afetou negativamente o mercado interbancário. Assim, muitos bancos não conseguiram aceder ao mercado interbancário e, os Estados que já haviam deteriorado o seu saldo orçamental com a crise financeira internacional, tiveram de socorrer os bancos com falta de liquidez. A incerteza sobre se os Estados teriam de resgatar os bancos teve efeitos no mercado das obrigações, no qual os custos de endividamento aumentaram. Igualmente, a desvalorização dos títulos de dívida pública afetou negativamente os bancos, pois apresentavam elevados montantes de títulos de dívida pública nos seus balanços. A relação estabelecida entre os bancos e os Estados, através

-35 -30 -25 -20 -15 -10 -5 0 5 10

Espanha Grécia Irlanda Portugal

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da dívida pública, foi apelidada de “ciclo diabólico”, em inglês “diabolic loop”11. Os efeitos recessivos na economia se avolumaram, com os bancos obrigados a reduzir o crédito à economia e os Estados obri- gados a reduzir os défices. Todos estes acontecimentos se fizeram sentir na zona euro, dada a incapaci- dade de as instituições reverterem as situações de incumprimento dos Estados-membros. Consequente- mente, a perda de confiança dos mercados, dado pelo aumento do prémio de risco de dívida pública e a paralisação dos movimentos internacionais de capitais, obrigou a países como a Grécia, Irlanda, Por- tugal, Espanha e Chipre a pedirem ajuda externa à troika (Alexandre et al., 2017).

A crise da zona euro se iniciou quando, no final de 2009, eram desvendados os verdadeiros valores do défice e da dívida grega.12 Os spreads dos títulos gregos aumentaram drasticamente e o governo grego se viu impossibilitado de pagar a sua dívida. Embora a crise grega tenha surgido do endividamento do governo, na maioria dos Estados-membros, a crise resultou do endividamento privado e, posteriormente, se transformou numa crise de dívida pública. Dois fatores contribuíram para este acontecimento. Em primeiro lugar, havia a visão de que, os problemas no setor privado pudessem colocar em causa o país como um todo, como a perda de confiança no sistema financeiro pudesse levar à perda de confiança na economia. Em segundo lugar, dado o elevado montante de dívida privada e o risco de liquidez e insol- vência dos bancos, os governos tiveram de assumir essas dívidas de modo a evitar o colapso financeiro. O agravamento da dívida pública aumentou o risco de crédito soberano que, por sua vez, agravou ainda mais o sistema financeiro (Frieden e Walter, 2017).

Baldwin et al. (2015) referem que, a transferência de capitais dos países centrais para os países perifé- ricos da UE, foram responsáveis pela crise da zona euro. Com o eclodir da crise do euro, ocorreu uma “paragem súbita” (em inglês, “sudden stop”) nos empréstimos transfronteiriços, o que se refletiu no aumento dos prémios de risco13. A queda abruta dos fluxos de capitais gerou preocupações na sustenta- bilidade dos bancos e dos Estados dependentes de empréstimos estrangeiros. O crescimento pouco expressivo implicou elevados défices e índices de endividamento nacional, sobretudo quando diversos

11O “ciclo diabólico” ou o nexo entre o risco soberano e o risco de crédito bancário foi a caraterística da crise do euro, principalmente na Espanha, Grécia,

Irlanda, Itália e Portugal. A deterioração da qualidade do crédito soberano reduziu o valor de mercado de participação dos bancos na dívida pública o que, por sua vez, reduziu a perceção de solvência dos bancos e reduziu os empréstimos. A resultante crise bancária obrigou os governos nacionais a resgatarem os bancos, aumentando ainda mais as dificuldades desses governos. Também a crise do crédito gerou uma redução da receita fiscal, contribuindo assim para o enfraquecimento da solvência dos governos (Brunnermeier et al., 2016).

12O novo governo grego, em outubro de 2009, noticiava que os governos anteriores tinham escondido o verdadeiro valor do défice, sendo o verdadeiro valor

de 12.5% do PIB, duas vezes superior ao enunciado anteriormente (ver, por exemplo, Baldwin et al., 2015).

13Com o desenrolar da crise da zona euro, os spreads das obrigações começaram a aumentar, sobretudo nos países deficitários. Arghyrou e Kontonikas

(2012) indicam que os investidores se tornaram relutantes em investir nesses países, pois preferiram ativos com menor risco, como é o caso das obrigações alemãs.

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governos resgataram os seus bancos14. Portanto, a crise da zona euro não apenas resultou numa crise da balança de pagamentos, mas também numa crise de dívida pública.

A trajetória da dívida pública dos países resgatados pela troika é visível na figura 7. A dívida pública dos países resgatados foi inferior nos anos antecedentes à crise financeira internacional. Entre 2000 e 2007, a Irlanda e a Espanha apresentaram níveis inferiores de dívida pública, com valores mínimos de 23.6% do PIB em 2006 e de 35.6% do PIB em 2007, respetivamente. A Grécia, já era o país em pior posição, com uma dívida pública acima dos 100% do PIB. O Chipre apresentou uma dívida pública constante (a rondar os 60% do PIB), enquanto Portugal viu a sua dívida pública a se deteriorar continuadamente. A partir da crise financeira internacional, todos os países aumentaram significativamente a sua dívida pública. A Irlanda aumentou a sua dívida pública em 96 pp, entre 2007 e 2012, tendo atingido o valor máximo de 119.9% do PIB nesse último ano. A Grécia continuou a apresentar a maior dívida pública, com o valor máximo de 178.9% do PIB em 2014. Portugal, atrás da Grécia, apresentou um valor máximo de dívida pública de 130.6% do PIB em 2014. O Chipre e a Espanha apresentaram trajetórias semelhan- tes no endividamento público, com valores máximos de 108% do PIB e 100.4% do PIB em 2014, respe- tivamente. Contudo, os últimos anos são marcados pelas taxas de dívidas públicas constantes dos países resgatados, com exceção do endividamento público irlandês, em que se reduziu substancialmente.

FIGURA 7-DÍVIDA PÚBLICA (% DO PIB)

14Todos os países com défices externos foram atingidos pela crise da zona euro. 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200

Chipre Espanha Grécia Irlanda Portugal

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4. Dados e Metodologia

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