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CAPÍTULO 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2 Aspectos legais da outorga de direito de uso de recursos hídricos

2.2.5 Critérios de outorga de direito de uso de recursos hídricos

A outorga de direito de uso de recursos hídricos é um instrumento básico na gestão de recursos hídricos. Seja qual for a forma utilizada para a outorga de direito de uso (permissões, licenças ou outra forma legal de fornecer capacidades de utilização da água), ela se fundamenta em bases técnicas, legais, econômicas e socais (CEPAL, 1994 apud CRUZ, 2001).

De acordo com RIBEIRO (2000 apud CRUZ, 2001, p.47) “a vazão de referência é o estabelecimento de um valor de vazão que passa a representar o limite superior de utilização da água em um curso da água”.

Para Arnéz (2002) a definição da vazão outorgável é um ponto fundamental para a formulação de um sistema de outorga. Souza Filho e Campos (1996 apud Arnéz 2002) sugeriram que:

[...] a disponibilidade hídrica deveria ter uma vazão de referência (em outras palavras uma disponibilidade de referência) para o processo de outorga. E que a este número deveria ser associado o conhecimento de suas incertezas para não se criar um cenário de aparente controle determinista ao tomador de decisão. Tem sido geralmente adotada a vazão cuja probabilidade de superação é de 90% (Q90). Há ainda a média das vazões de sete dias consecutivos de estiagem com dez anos de tempo de retorno (Q7,10). Definida esta vazão de referência, um percentual desta é objeto de outorga e se supõe que o restante seja a vazão ecológica, a ser mantida no leito do rio para proteção do ecossistema.

Cruz (2001) acrescenta que a vazão de referência é:

[...] o estabelecimento de um valor de vazão que passa a representar o limite superior de utilização da água em um curso d’água (Ribeiro, 2000). A aplicação do critério de vazão de referência, segundo Harris et al. (2000) argumentam, constitui- se em procedimento adequado para a proteção dos rios, pois as alocações para derivações são geralmente feitas a partir de uma vazão de base de pequeno risco.

Cruz (2001) afirma que as outorgas são vinculadas aos sistemas vigentes de direito e econômicos de cada região e que devem considerar os aspectos ambientais. A definição de critérios de outorga é função do sistema de propriedade das águas adotado no país. Também interfere na definição dos critérios as definições adotadas para a conservação ambiental. A quantidade de água a outorgar pode ser definida por meio de diferentes filosofias, tais como: vazão de outorga escalonada (racionada), vazão de outorga qualitativa; vazão referencial; e vazão excedente aos usos prioritários.

A vazão de outorga escalonada (racionada) os direitos de água se definem em função de uma fração da vazão disponível no curso da água para os direitos permanentes, são alocados até a vazão média do rio. Lanna (1998 apud CRUZ, 2001), argumenta que, caso a vazão de referência seja, por exemplo, a vazão de permanência de 95%, nesse caso, se somente o esse valor tenha sido outorgado, a água excedente não poderá ser utilizada e, portanto nota-se que existe um excedente de água potencialmente utilizável. O mesmo autor coloca que “essa argumentação conduz à idéia de que o conjunto das outorgas pode não ser limitado a um valor de estiagem, pois essa referência restringe o uso da água excedente (além da vazão outorgada) em épocas úmidas. Por outro lado, o aumento da outorga pode aumentar o período das condições ambientais desfavoráveis”.

Portanto, a vazão de outorga escalonada permite a retirada de vazões variáveis ao longo do tempo, e a vazão de outorga sazonal é estabelecida com base na variabilidade intra- anual do regime hidrológico, quantificando valores de disponibilidade hídrica para cada mês do ano (CRUZ, 2001).

Cruz (2001) assevera que “quando a sazonalidade do regime hidrológico é significativa, ela pode tornar-se um fator importante a ser considerado para a definição da vazão outorgável, independente da adoção ou não do conceito de escalonamento. A vantagem evidente da sazonalidade é a possibilidade de outorga de maiores valores em épocas mais úmidas.”

A vazão de outorga qualitativa, baseia-se no princípio de “permitir o lançamento no corpo hídrico de uma carga máxima de poluentes de modo que, após diluição na vazão mínima estabelecida como referência, a qualidade da água no rio permaneça satisfatória, baseada em objetivos de qualidade, estabelecidos para cada parâmetro.” Essa outorga constitui um uso não-consuntivo, que preserva um volume de água que ficará no rio, mas indisponível para outros usos consuntivos (CRUZ, 2001).

No Brasil, é adotado o sistema de direito de uso das águas, considerando que a legislação especifica que o objetivo da outorga é, segundo artigo 11 da Lei nº 9.433 (BRASIL, 1997a) “[...] assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água”. Ou seja, o objetivo da outorga visa à compatibilização entre a totalidade das demandas em uma bacia hidrográfica (gestão da demanda) e os volumes de oferta de água finitos e aleatórios, de forma a garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos. A base legal, constituída do conjunto de dispositivos e normas legais, dá suporte ao controle do uso dos recursos hídricos por meio de estabelecimento de critérios e condições de emissão da outorga, incluindo sanções e penalidades (CONEJO, 1993). Dois tipos de controle são usualmente adotados e previstos na legislação brasileira (BRASIL, 1997a):

a) no uso: estabelece restrições e padrões na captação ou no lançamento do efluente, de caráter pontual, pré-estabelecidos: volumes e vazões, concentrações e vazões, usos especiais; e

b) por objetivos: estabelece restrições de caráter global, como metas de quantidade ou qualidade ambiental nos trechos de rios, zoneamentos de uso do solo, industrial, e metas de desenvolvimento tecnológico como a melhor tecnologia aplicável ou a melhor tecnologia disponível.

Os estudos de planejamento, de conhecimento das ofertas de águas em cada seção distribuídas no tempo, das condições de autodepuração, das demandas atuais e futuras, necessidades ecológicas, são condições básicas para o estabelecimento de critérios de

repartição da água e de elaboração das outorgas, dentro da ótica de sustentabilidade. Obviamente, esses estudos requerem um cadastro atualizado de usuários e de direitos de uso já autorizados e ainda não em uso. Com essas informações, a entidade administradora da água pode fixar metas e limites claros com relação ao uso (CEPAL, 1994 apud CRUZ, 2001).

A outorga constitui-se de um instrumento jurídico através do qual o órgão que possui a devida competência legal concede ao administrado a possibilidade de usar privativamente a água (GRANZIERA, 1993), mas não concede o direito de propriedade sobre as mesmas (RIBEIRO, 2000). Dada sua atribuição exclusiva ao Poder Público, a outorga constitui ato administrativo (HEIN, 2001).

O controle é possível porque (CRUZ, 2001): a) estabelece o registro do uso efetivo; e

b) está implícito no procedimento, tendo como base as análises de balanço hídrico, o estabelecimento de prioridade entre os usos, de vazões máximas outorgáveis e do seu respectivo regime temporal, de vigência da outorga. Permitiu-se, assim, evitar as consequências negativas advindas da inexistência de controle sobre o uso da água. Por fim Silva (1997, p.13) considera que:

“Qualquer sistema de outorga, a princípio, deve pressupor o conhecimento das ofertas naturais de água e sua dinâmica no tempo, sua capacidade de assimilação de poluentes, usos conflitantes (consultivos ou não), níveis de demanda, vazão ecológica, além de uma política que defina a hierarquização dos usos.”