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CAPÍTULO IV – TRATAMENTO DADO PELO JUDICIÁRIO À QUESTÃO DA

4.1 Coleta do material para a pesquisa

4.1.1 Critérios utilizados para coleta de material para pesquisa qualitativa

O material selecionado para análise foi composto de 154 (cento e cinquenta e quatro) sentenças criminais proferidas no ano de 2009 por juízes da comarca de João Pessoa/PB, com competência para julgar os feitos relacionados à lei 11.340/2006, em crimes de violência doméstica com resultado lesão corporal leve praticado por homem em desfavor de (ex)esposa, (ex)companheira ou (ex)namorada.

O primeiro critério utilizado para escolha do material foi o tipo de crime mais comum de violência doméstica praticado, qual seja: o de lesão corporal leve dolosa, previsto no art. 129, § 9º do código penal brasileiro. A pesquisa quantitativa demonstrou que do total de processos julgados envolvendo esse tipo de violência, 75,5% (setenta e cinco vírgula cinco por cento) foram de lesão corporal leve. Isso permitiu uma ampliação do tamanho da amostra das decisões a serem analisadas. Nesse contexto, importante ressaltar que o crime de violência doméstica pode ter diversos resultados - morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial - de acordo com a exegese do art. 5º, caput da lei Maria da Penha. Daí a necessidade de se fazer esse recorte no material coletado.

O segundo critério limitativo da escolha do material foi o sujeito ativo da violência, tendo sido considerada apenas a agressão praticada por homem em desfavor de mulher. É válido relembrar que também a mulher pode figurar no pólo ativo do crime de violência doméstica, desde que reproduza o comportamento masculino em relação a outra mulher, como se extrai do parágrafo único do art. 5º da lei Maria da Penha que enuncia que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade e que haja motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que justifique a aplicação da Lei nº 11.340/06249.

O terceiro critério usado foi a manutenção de vínculo afetivo entre o agressor e agredida, o que torna sem importância o local onde o crime ocorreu. Retiraram-se, pois, do universo dos processos julgados aqueles onde as agressões tiveram como vítima (ex)esposa, (ex)companheira ou (ex)namorada do agressor, independente do lugar onde o crime

249 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Seção. CC nº 88.027/MG. Rel. Min. OG FERNANDES. Data da publicação: 18 dez. 2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 02 fev. 2011.

aconteceu. Esse recorte é necessário porque a violência doméstica pode se manifestar sob três condições diferentes, enunciadas no art. 5º, incs. I a III, da lei 11.340/2006, que dispõe:

[...]

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida independentemente de coabitação.

Quando o legislador fala no inc. I em violência contra a mulher praticada no âmbito doméstico, está limitando o crime ao espaço físico onde agressor e vítima convivem, independentemente de vínculo familiar e de vínculo afetivo, bastando que estejam esporadicamente agregados como, por exemplo, no caso dos empregados domésticos que podem ser vítimas desse tipo de violência tendo os patrões como agressores. O legislador se preocupou com as pessoas que, a despeito de não serem parentes, nem terem relação afetiva com o agressor, tenham participado de alguma maneira do espaço físico considerado unidade doméstica. Aqui estão incluídos todos os empregados domésticos, porteiros, recepcionistas, motoristas e diaristas, que comunguem, ainda que por uma única vez, do espaço de convívio permanente e que, venham a ser agredidas no lar do agressor250.

No inc. II mencionado, por outra vertente, o legislador reporta-se à violência no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Veja-se que o legislador mencionou parentesco legal ou parentesco volitivo. O parentesco legal é aquele que decorre da lei. Segundo o código civil brasileiro, o parentesco pode ser: a) consanguíneo, quando o vínculo é estabelecido entre pessoas de um mesmo tronco ancestral, ligadas umas às outras pelo mesmo sangue; b) civil, quando o vínculo decorre da adoção, estabelecendo um vínculo entre adotante e adotado, que não se estende aos parentes de um e de outro, salvo para efeito de impedimento matrimonial; e, c) afinidade, que se estabelece por determinação legal, sendo o liame jurídico estabelecido entre um consorte e os parentes consanguíneos do outro nos limites estabelecidos na lei, desde que decorra de matrimônio válido ou união estável. O parentesco volitivo é aquele que decorre de vontade expressa dos

250 SOUZA, Luiz Antônio de; KUMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/2006. 2. ed. São Paulo: Método, 2008, p. 81

indivíduos de formarem uma família251.

ALVES252 afirma que um casal de mulheres homossexuais é considerado pela lei Maria da Penha como uma entidade familiar. São elas cônjuges “autoconsiderados”, porque a despeito de não terem uma união reconhecida pela lei brasileira, têm um vínculo sólido, com envolvimento sexual e afetivo tal qual um casal heterossexual. Frise-se que a lei 11.340/06 amplia os limites do conceito de família para além do que propugna o Código Civil, já que reconhece família como todos os indivíduos ligados por vínculo de sangue ou afinidade, mas também aqueles que expressam a vontade de se constituírem sob tal denominação. A partir da conceituação alargada de família, estão abarcadas pela lei Maria da Penha o casamento, união estável, concubinato, família monoparental (aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes), família pluriparental, família homoafetiva feminina, família eudemonista (decorrente da convivência entre pessoas por laços afetivos e solidariedade mútua, como é o caso de amigos que vivem juntos no mesmo lar, rateando despesas, compartilhando alegrias e tristezas, como se irmãos fossem, razão por que os juristas entendem por bem considerá-los como formadores de mais um núcleo familiar), o namoro, bem como outros relacionamentos mais fugazes, desde que presente a relação íntima.

No que tange ao inciso III, escolhido como um dos critérios selecionadores do material da pesquisa, a inexigência de coabitação já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo, inclusive, esta Corte considerado o namoro como uma relação íntima de afeto, estando, pois, a relação entre um casal de namorados sob o crivo da lei 11.340/2006253.

Os critérios utilizados para seleção do material se justificam na medida em que foi possível a partir deles coletar amostra que permitiu avaliar o acesso à justiça da mulher vítima de violência doméstica em João Pessoa a partir da interpretação e aplicação da lei Maria da Penha pelos magistrados.

251 SOUZA, Luiz Antônio de; KUMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/2006. 2. ed. São Paulo: Método, 2008, p. 81

252 ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. In: Protegendo as Mulheres da violência doméstica. Disponível em: <http://www.opas.org.br/cedoc/hpp/ml03/0329.pdf>. Acesso em: 01 mai. 2010.

253 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Seção. CC nº 96.532/MG. Rel. Min. Jane Silva (Desa. convocada do TJ/MG). Data da publicação: 19 dez. 2008. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 02 fev. 2011.