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CAPÍTULO II: A Homeopatia no “Século do Micróbio”

2.2. Cruzada contra Galeno

A disputa entre alopatia e homeopatia não contava apenas com ataques da primeira:

a medicina hahnemanniana se esforçava por desacreditar as práticas de sua rival. Numa das manifestações de apoio que Nilo Cairo recebe em sua polêmica com os Drs. Muniz de Aragão e Antonio de Mello, um homeopata assim descreve o tratamento alopático:

Decididamente, meu caro redactor, o Dr. ANTONIO DE MELLO perdeu uma excellente occasião de ficar calado. Atirar-nos á cara com diversos casos tratados por curandeiros, que, podendo se responsabilizar pelos doentes graves, recorreram ao diploma de S. Ex., é ser em excesso ingenuo, muito ingenuo mesmo o Sr. Dr. ANTONIO DE MELLO; porque qualquer um de nós, medicos homœopathas, já perdeu a conta dos casos recebidos em consultorio ou domicilio, vindos das mãos, não de curiosos, mas de doutores em medicina, de borda e capello, os quaes, descrendo da allopathia, recorrem á homœopathia que os cura, quando o tratamento allopathico foi iniciado inefficazmente. E ás vezes, cousa engraçada ! acompanha o doente um amavel cartãosinho do collega allopatha, ou então vem elle proprio nol-o trazer ou pessoalmente nol-o recommenda ! isto quando o doente não é filho delle, porque quando o é, habitualmente elle nos promette fazer-se homœopatha, caso lhe salvemos o filho. O filhinho salva-se, mas elle continua a ser allopatha: elle tem lá as suas responsabilidades, e para ter certas coragens, é preciso ser um Bherinhg ou um Huchard.(...)

Ora, meu caro Nilo...fiquemos aqui.281

A crítica ao sistema médico oficial tinha como fim último provar sua ineficácia, e nada melhor do que isto do que demonstrar que esta, impossibilitada de curar seus pacientes, envia à medicina homeopática os doentes desenganados. Esta, como verdadeira medicina que pretende ser, cumpre com a missão de devolver a saúde aos “incuráveis”, num ato quase que milagroso, uma imagem muito explorada pela homeopatia quando de sua introdução no Brasil. Completando o quadro, o correspondente de Nilo Cairo afirma ser este doente desenganado conduzido ao consultório homeopático pelo próprio alopata, quando não é o próprio filho dele que é carregado para lá. A indicação do sistema hahnemanniano como opção de cura por um agente da própria medicina oficial, assim como a utilização de medicamentos segundo os princípios homeopáticos, são afirmativas que visam legitimar a medicina homeopática pelas próprias mãos de sua rival.

A inocuidade da medicina alopática, aos olhos dos homeopatas, era também uma questão filosófica. Por não ter um corpo teórico homogêneo, a medicina oficial não pode ser considerada uma ciência: a falta de noções de leis naturais, de espírito de demonstração e a ausência do conhecimento do conjunto do homem a tornam, para os homeopatas, uma prática anticientífica segundo a concepção positiva. O materialismo em si é considerado um dos grandes males da medicina, destituindo o médico de qualquer interesse pela filosofia, o que lhe empobrece teoricamente. Um homeopata, citando Nilo Cairo, considerava o

281 NOTICIARIO. Revista Homœopathica do Paraná, Curytiba, a. 3, n. 2, p.34. fev. 1908. Bering e Huchard foram médicos alopatas que, segundo a visão dos homeopatas, se converteram à medicina hahnemanniana.

materialismo ou o cartesianophysico-chimico como uma dos motivos que levava o médico alopata a ser visto como um simples veterinario.282

A medicina oficial é criticada por ver o doente apenas em seu aspecto material, biológico, sem considerar, por exemplo, a esfera sociológica que o cerca. Assim como Comte afirmava que a crise da humanidade era uma crise de pensamento, Nilo Cairo, espelhando-se em seu mestre, aponta a multiplicidade de teorias como causa da crise da medicina oficial:

D’ahi toda essa anarchia mental, que reina actualmente nas doutrinas medicas (...), essas tradicções hippocraticas dos velhos tempos, em que se pensava mais e se falava menos. D’ahi, e sem falar já d’esses innumeraveis productos diarios de uma deploravel fecundidade, constituindo uma immensa bibliotheca de cousas inuteis, digna de uma fogueira purificadora, em que questiunculas estereis de pathologia são pisadas e repisadas em jornaes e revistas, esses pesados volumes, tão respeitaveis pela sua grossura, em que collaboram dez, vinte, trinta, quarenta, que digo? cem, duzentos especialistas, cada um com as suas idéas , com as theorias mais ou menos chimericas e mal concebidas, dispostas n’uma desordem desoladora, e nos quaes a sciencia, abarrotada de factos, factos e mais factos sem a menor ligação entre si (...), n’uma interminavel instrucção de particularidades superfluas, de concepções ociosas e antipositivas, que desnaturam cada vez mais todas as noções essenciaes sobre a arte de curar (...)283

Em sua crítica à medicina oficial, Nilo Cairo condena os especialistas, as teorias antagônicas destituídas de método e de objetividade. Em relação às especialidades, aqui, o médico homeopata muda seu discurso: quando buscava uma equiparação em relação ao sistema médico rival, preocupava-se em demonstrar a existência delas no meio hahnemanniano; no momento em que busca demonstrar a falta de cientificidade desta, com base na filosofia positiva, passa a condená-las. As especializações médicas representariam,

282 VON EBELING, F. Verdades irritantes e irritadas; abancarrota do Materialismo Medico. Revista Homœopathica Paranaense, Curityba, a. 4, n. 12, p.262, dez. 1909.

283 CAIRO, N. Similia (...), p. 7.

para a medicina homeopática influenciada pelo positivismo, uma preocupação excessiva com as particularidades antes de ter uma idéia do geral.

Dentre estas especializações, a cirurgia merecia especial atenção. Enquanto que para a medicina oficial a cirurgia representava a vitória da tecnologia na supressão definitiva da moléstia, para a homeopatia representava o máximo da desconsideração do doente enquanto ser integral. Além disso, para uma medicina onde a causa última da doença não poderia ser conhecida, pretender localizá-la e removê-la fisicamente era agir de maneira antagônica aos princípios da “verdadeira ciência médica”: significava contrariar os princípios homeopáticos e positivos. Retirar parte do organismo danificado não traria a cura, pois a lesão não é a doença; é impossível localizá-la, tanto segundo os princípios homeopáticos quanto positivos.

A cirurgia foi abordada num artigo de Nilo Cairo, que comentava sobre a realização de uma intervenção cirúrgica num caso de xifopagia, pelo Dr. Chapot Presvot. Nele, o médico homeopata condena a prática do cirurgião, rotulando-a de leviana, pois para ele, o ato se consistia apenas de mera promoção pessoal, um espetáculo onde a habilidade e a técnica da medicina oficial seriam demonstradas. Para Nilo Cairo, o Dr. Presvot não levou em consideração as circunstâncias para que uma cirurgia fosse realizada:

Ora, toda indicação de intervenção cirurgica, maxime a daquela que nos occupa, deve sempre ser encarada de dous pontos de vista distinctos, mas connexos: do ponto de vista social e moral e do ponto de vista biologico, porquanto o homem não é um simples animal, cuja vida se ponha em risco imminente simplesmente pelo prazer de apprender alguma cousa de novo. E só assim, combinando esses tres aspectos, é que o problema de uma intervenção cirurgica se torna realmente um problema scientificamente soluvel.284

284 CIRURGIA dilettante. Revista Homœopathica do Paraná, Curityba, a. 2, n. 6, p. 102. jun. 1907.

A homeopatia, seguindo os princípios de seu fundador, não rejeitava por completo os métodos nem os medicamentos próprios da alopatia. O sistema médico hahnemanniano não considerava a medicina oficial como medicina verdadeira, isto é, enquanto arte de curar, mas admitia o poder paliativo de sua terapêutica. Em casos de extrema urgência, quando a intervenção médica se fazia necessária o mais rápido possível, a ponto de não se poder esperar por um diagnóstico homeopático, aceitava-se o pronto-socorro alopático.

A intervenção cirúrgica aceita pela homeopatia se enquadrava nos casos de urgência mas, para os homeopatas também adeptos do positivismo, como era o caso de Nilo Cairo, a questão não era meramente biológica. Ela se justificava não só quando a vida do doente estava em risco, mas quando esta poderia ser mais útil à sociedade após a intervenção. Ao criticar o procedimento do Dr. Chapot Presvot, Cairo afirma que a xifopagia não inviabiliza a vida social dos indivíduos assim unidos: mesmo jungidas assim uma a outra, duas pessoas, numa sociedade bem organisada, pódem prestar excellentes serviços, e mesmo serem mais uteis do que um grande numero de aleijados que por ahi existem e que ninguem pensa em operar285.

Para o médico homeopata, nem mesmo a vontade da família ou do paciente pode superar a vontade da sociedade, ou seja, sua utilidade social. A cirurgia realizada, onde o desfecho fora funesto, não teria motivo de ter sido praticada, pois não ameaçava a vida das crianças xifópagas nem as inutilizava socialmente. Além do mais, o cirurgião, segundo Nilo Cairo, desconhecia quais orgãos ligavam as duas crianças e como isto se dava provocando, aos olhos deste, um verdadeiro infanticidio que cometteu sob a capa da sciencia286.

285 Idem, p. 104.

286 Ibidem, p. 105.

Além das restrições biológicas e sociais que deveria sofrer, a cirurgia e seu praticante eram mal vistos pelo homeopata paranaense, e por todos aqueles hahnemannianos que compartilhavam de seus preceitos positivistas, por ser algo técnico, dispensando qualquer outro saber que não fosse o anatômico. O cirurgião era aquele que não precisava de conhecimentos gerais sobre medicina e nem sobre a sociedade, pois ele reduzia o homem a um animal, desprovido de qualquer contexto mais amplo, fosse social, fosse individual. Era alguém alheio aos preceitos positivos, onde o saber enciclopédico, abrangente, era necessário em qualquer área do conhecimento humano. Este pensamento fica claramente expressado por Cairo em sua tese inaugural, quando comenta sobre a cadeira de Clínica Cirúrgica:

I

Regenerada a sociedade por uma religião universal, as funcções cirurgicas, tornando-se subalternas, serão transferidas a um pequeno numero de individuos, alheios ao officio medico, mas cuja educação encyclopedica os tornará então bastante aptos para cultivarem essa especialidade, unica admissivel na arte de curar.

II

Exclusivamente indicada pelo medico, uma operação qualquer uma vez terminada com seus acessorios pelo cirurgião, todo tratamento local e geral consecutivo deve ser entregue directamente ao primeiro não ao segundo.287

Cairo aceita a cirurgia como única especialidade admissível na medicina, porém, não pode ser vista como um privilégio. É, na verdade, uma distinção desqualificadora, já que a reduz à mera técnica que, qualquer pessoa fora do âmbito médico mas com conhecimentos suficientes, pode realizar. Isto se confirma na segunda proposição sobre a cadeira, onde afirma que, após a intervenção, o doente deverá ficar a cargo do médico e não do cirurgião, que não teria habilidades suficientes para proceder a cura.

287 CAIRO, N. Similia (...) p. 156.

Ambas as proposições revelam, ainda , outra postura dos homeopatas, principalmente os positivistas, a respeito da medicina: a liberdade profissional, ainda que limitada, ao admitir leigos realizando intervenções cirúrgicas. Este tema, porém, será abordado mais cuidadosamente no próximo item deste capítulo. Por ora, vale atentar para as divergências presentes em ambos os sistemas médicos: o que, para um, significava o auge do avanço científico288, para o outro, representava o oposto.

O desenvolvimento da cirurgia tinha, como base, uma disciplina muito cara à medicina oficial: a anatomia. Era através desta prática que o médico ou seu neófito aprendiam os segredos do interior do corpo humano. Dominando-os, era possível melhor localizar a lesão mórbida no organismo e extirpá-la o mais perfeitamente possível. Contra estas práticas, insurgia-se a medicina homeopática, já que também iam de encontro aos seus conceitos sobre doença.

Condenando a cadeira de anatomia, por ser o ponto máximo da medicina dos pedacinhos, Nilo Cairo critica também as outras cinco disciplinas que teve, ao longo do seu curso, relacionadas ao estudo da anatomia e da cirurgia. A objeção do homeopata em relação à anatomia, não permanece somente no âmbito do seu valor utilitário para a medicina: assim como a cirurgia, ela está interligada a aspectos morais. Vejamos como o Dr. Cairo se manifesta em relação à cadeira de Operações e Aparelhos, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro:

I

A aprendizagem pratica d’esta cadeira deve ser feita na clinica cirurgica, afim de que o methodo correspondente não degenere n’uma pura mutilação de cadaveres, cuja inutilidade é hoje habitualmente reconhecida por todo espirito bem disciplinado.

288 Vale a pena lembrar que Luiz Pereira Barreto, um dos precursores do positivismo no Brasil, era médico cirurgião e via sua prática de acordo com os preceitos positivos.

II

Uma vez estudada a anatomia humana nos bons desenhos e excellentes manequins, que produz a industria contemporanea, áquelles que se destinam ás funcções cirurgicas basta apprenderem a operar no proprio vivo, sob a direcção dos professores, primeiramente como simples espectadores, depois como ajudantes, enfim como operadores, devendo todo simulacro sobre o cadaver ser prohibido em nome da moral publica.289

Condenando totalmente a dissecação de cadáveres, base dos estudos anatômicos, Nilo Cairo sugere a utilização de desenhos e manequins, e para os médicos que desejam ser cirurgiões, o aprendizado no próprio ser vivo, desde que monitorados. Tanto a condenação quanto a solução apresentadas pelo médico estão de acordo com os princípios homeopáticos, que tendem a menosprezar a importância da localização da doença. A sugestão de observação do corpo humano vivo se harmoniza com a prática de experimentações no homem são, num organismo não deturpado pela doença, aconselhada por Hahnemann; no caso da anatomia, a deturpação proveniente da morte seria substituída pela possibilidade de conhecer o funcionamento dos órgãos de um ser vivo.

No entanto, há elementos destas observações que também pertencem à esfera do pensamento positivista, como é o caso do aspecto moral do assunto. A profanação de cadáveres enquanto aspecto imoral é incessantemente ressaltada por Nilo Cairo, em suas considerações sobre as disciplinas relacionadas ao ensino da anatomia. No caso da cadeira de Anatomia Médico-Cirúrgica, apesar de ser contrário à sua existência, Cairo tece inúmeros elogios à superioridade dos sentimentos e das idéas do professor Dr. Paes Leme, por substituir os cadáveres por desenhos e manequins. O Dr. Paes Leme, apesar de não ser

289 CAIRO, N. Similia (...), p. 155.

homeopata, mostrava-se simpático à esta doutrina médica290, e adotava a prática de ensinar anatomia por outros meios que não as dissecações, escapando da sciencia do cadaver291 numa tendência de outros médicos oficiais.

As críticas que a homeopatia dirigia a sua rival também estavam relacionadas com o medicamento alopático. Para uma medicina considerada como paliativa, o medicamento também se comportava como tal. Era rotulado, sobretudo, como agente agressivo que, ao invés de auxiliar a força vital na cura, só mascarava os sintomas da doença. A violência do tratamento alopático é assim descrita por um homeopata: (...) a allopathia escangalha tudo.–Minha doentinha salvou-se sem o barbaro – vesicatorio – sem vomitorios, sem purgantes, etc. etc., a bagagem therapeutica com que a velha escola impressiona os incautos292.

Para uma medicina que acreditava na doença como uma invasão do organismo por parte dos micróbios retratando-a como uma luta, o medicamento só poderia ser feito de substâncias que, quanto mais concentradas, mais efeito produziriam, ao contrário das doses homeopáticas. O efeito muitas vezes nocivo de altas concentrações já fora criticado pelo próprio Hahnemann, estimulando-o a se dedicar às pesquisas com substâncias diluídas. A concentração dos medicamentos alopáticos feria, na opinião dos homeopatas, o princípio hipocrático – primum non nocere – que afirmava ser dever do médico, antes de tudo, não prejudicar o organismo293.

290 LEME, P. O cirurgião; extractos da Licção Inaugural de Clinica Cirurgica do Curso livre da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Revista Homœopathica Brazileira, Curityba, a. 3, n. 10. p.178. out. 1908.

291 RODRIGUES, B. Allopathia e Homoeopathia. Revista Homoeopathica Brazileira, Curityba, a. 3, n. 5, p. 85. maio. 1908.

292 DANTAS, O. Clinica medica. Revista Homœopathica do Paraná, Curityba, a. 1, n. 1, p. 6, jan/mar.

1906.

293 SEABRA, A. A Verdade (...). p. 123.

Juntamente com a concentração das substâncias que compunham o medicamento, a crítica homeopática se dirigia à combinação de várias destas mesmas substâncias num só produto. As fórmulas complexas, apropriadas para uma medicina sintomática, dificultariam ainda mais a observação da ação do medicamento no organismo doente. Somando-se a este quadro, há ainda a censura às experiências feitas para se descobrir os medicamentos que, realizadas com animais, romperiam com o princípio homeopático da experimentação no homem saudável, e com as idéias positivas sobre terapêutica: Augusto Comte protestou e seus discipulos o acompanharam. Elle fez ver que em biologia não se pratica uma verdadeira experiencia, e isto pela impossibilidade de estabelecer uma comparação entre dois casos que só diffiram pelo phenomeno que se quer estudar.294

Segundo a interpretação dos homeopatas, o medicamento alopático obedece ao princípio contraria contrariis curantur, isto é, é aplicado de acordo com os sintomas apresentados pelo doente, num sentido contrário: se existe febre, emprega-se um medicamento que debele a febre; se há dor, um analgésico, e assim por diante. Como, na maioria das vezes, são diversos os sintomas apresentados numa única doença, os medicamentos usados pela medicina oficial são, também ,compostos por diversas substâncias.

A grande questão que os seguidores de Hahnemann colocam refere-se à origem do princípio alopático: assim como o aforismo similia similibus curantur, foi enunciado por Hipócrates. Ora, como dois princípios antagônicos podem ser formulados por uma única pessoa ? A resposta poderia estar no campo de aplicação de ambos os princípios, como sugere o Dr. Alberto Seabra295.

294 Idem, p. 27.

295 SEABRA, A. A Verdade (...) p. 43.

Seabra consulta o pai da medicina, no intuito de buscar as indicações para a utilização do princípio dos contrários mas esbarra na ausência de referências. Encontra apenas uma alusão de Hipócrates, no “Livro dos Ventos”: si conhecessemos a causa, poderiamos administrar o que é util, tomando nos contrarios a indicação dos remedios.296 Diante da escassez de informações fornecidas pelo próprio enunciador do princípio, o colega de Nilo Cairo vai encontrar na mecânica , na lei das forças iguais e contrárias que se anulam, uma justificativa da lei terapêutica dos contrários.Com esta primeira constatação, vem a crítica:

Vinde, pois, applicar o parallelogrammo das forças ao mundo organisado e vivo! Vinde exercer sobre seres vivos forças eguaes e contrarias, como o fazeis tão bellamente no mundo physico! (...)

Este longo passado de erros, é consequencia logica de uma concepção falsa do universo e do homem.(...) Nunca descobriram no homem, senão um puro e simples mecanismo.297

Segundo Alberto Seabra, se procurarmos nos sintomas das moléstias, haverá poucos que fornecerão a possibilidade de debelá-los através da lei dos contrários. Chega, então, à conclusão de que a seguir é fazer uma medicina paliativa. Se também fosse possível seguir ao princípio dos contrários conhecendo a causa das doenças, como sugeriu Hipócrates, ele ainda não se confirmaria. Seabra sugere que as causas que a medicina oficial atribui às enfermidades, como os micróbios, as mudanças climáticas ou psicológicas estariam inseridas na esfera de ação da higiene ou da pedagogia, não lhes cabendo a ação da lei dos contrários.

Ainda se referindo às causas das doenças, como esfera de ação da lei dos contrários, conforme sugeriu Hipócrates, o Dr. Alberto Seabra vê na cirurgia, o único campo onde a

296 Idem, p.43-4.

297 Ibidem, p. 44.

causa das moléstias seria realmente conhecida. Contrariando a opinião de médicos respeitados no círculo homeopático, como o Dr. Jousset, Seabra diz não reconhecer o princípio alopático nem mesmo nas intervenções cirúrgicas:

De posse de uma lei physica ou chimica qualquer, o homem de sciencia sabe agir de conformidade com o seu ensinamento. Guiado pela lei dos semelhantes, o medico põe-se em uma cadeia de raciocinios: julga, compara, induz, deduz. Ora bem. Onde está essa cadeia de raciocinios que a lei dos contrarios suggere ao cirurgião? Eu não a vejo.298

Para Seabra, assim como para Nilo Cairo, a cirurgia não passa de um ato mecânico, onde a limitação de raciocínio não abriga nenhuma lei. O ato de ligar uma artéria durante uma hemorragia é análogo, como compara Alberto Seabra, a um engenheiro construindo um açude. A cirurgia, única que aos olhos dos homeopatas trabalharia com a causa concreta das doenças, não segue a lei dos contrários, na esfera de ação que esta poderia ser aplicada:

é o supra-sumo do materialismo, não abrigando, em si, nenhuma lei ou princípio filosófico.

Chega-se à conclusão que, por se guiar através de uma lei, na verdade, inexistente,

Chega-se à conclusão que, por se guiar através de uma lei, na verdade, inexistente,