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Cabe analisar a proposta feita por alguns estudiosos, nomeadamente Menezes Cordeiro322 e Olavo Cunha323, que observam a regra como uma causa de exclusão da responsabilidade dos administradores que opera ao nível do requisito da culpa. Esta conceção encontra, em primeiro lugar, o seu fundamento na escolha de colocação da norma. Assim, estabelecendo o art. 72.º/1, última parte, uma presunção de culpa da atuação ilícita dos administradores, o n.º 2 estabeleceria os requisitos para o seu afastamento e consequente desresponsabilização dos agentes. Ademais, estabelecendo o n.º 2 uma ponte direta com o número anterior, ao descrever “alguma das pessoas referidas no número anterior”, o legislador estaria a dar um sinal da conexão existente entre as duas disposições do artigo.

Contudo, o argumento favorecido por Menezes Cordeiro atenta também na sua conceção do conceito faute e a sua presença na legislação do ordenamento jurídico português. Porquanto, para este autor os conceitos jurídicos constitutivos da responsabilidade civil, ilicitude e culpa, atuam indistintamente neste seio, dado que os fundamentos de preenchimento destes requisitos não são distinguíveis. Para este autor, existindo preenchimento da ilicitude existe, consecutivamente, da culpa, perfazendo a

faute324. Existindo apenas a faute, a norma do direito societário constituirá uma causa de

exclusão da responsabilidade, operando ao nível do requisito enunciado, por não existir uma conduta contrária ao ordenamento jurídico nem juízo de censura da mesma.

322 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito…, pp. 857 e ss., 981 e ss.; Código das

Sociedades Comerciais Anotado (2009), Coimbra: Almedina, p. 267

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PAULO OLAVO CUNHA, Direito…, pp. 772 e 773

Este autor ao apresentar, no seu escrito, a presunção de culpa produzida pelo art. 72.º/1 CSC e seguidamente referir que a business judgment rule auxilia o administrador a afastar a responsabilidade que sobre ele recai, parece assumir a existência do art. 72.º/2 CSC como uma causa de exclusão da culpa (presumida).

324

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado…, pp. 459 e ss., 339 e ss.

Para o autor a faute constitui um “misto” dos dois pressupostos: culpa e ilicitude. Perante a verificação da faute não é necessária a indicação específica da norma contrariada.

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O autor, ao afirmar a presunção de culpa estabelecida pela norma indicada, preconiza também a presença de uma presunção de ilicitude no dispositivo normativo, uma vez que a presunção de ilicitude se encontra, intrinsecamente, na da culpa325.

O autor parece, deste modo, não estabelecer qualquer ponte entre o art. 72.º/2 com o art. 64.º CSC. Este último, ademais, conforme já tivemos oportunidade de refletir, contaria apenas com a presença de deveres incompletos que necessitariam de um outro para o densificar326. O art. 72.º/2 teria que ver com a forma como o gestor concretizava os seus deveres: apesar de ter optado por um comportamento ilícito, se o administrador lograr provar que atuou nos termos descritos a culpa será afastada, conjuntamente com a ilicitude.

Assim, os administradores teriam de provar, conforme refere o artigo 72.º/2 CSC, que atuaram em termos informados, livres de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial, caso exista efetiva violação da obrigação de administração concretizada pela responsabilidade do nº 1 do preceito do CSC.

Ademais, sempre que haja um dever específico a ser acatado, não pode existir uma exclusão de responsabilidade sem mais. Neste contexto de responsabilidade civil, perante o art. 72.º/1 CSC, o administrador teria de lograr provar que, apesar de ter prosseguido um comportamento ilícito, não teria culpa pessoal, atendendo ao caso concreto, de forma a ilidir a presunção de culpa que recai sobre si. O n.º 2 do artigo auxiliaria nos termos descritos. Mediante a prova da sua atuação nos trâmites do artigo iria concluir-se que o administrador atuou diligentemente, sem qualquer ação negligente327.

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ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Código…, p. 279

Para o autor a culpa transmite o “juízo de censura que recai sobre aquele cuja atuação é reprovada pelo Direito”.- ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado…, pp. 471

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Também ADELAIDE MENEZES LEITÃO parece ir neste sentido ao referir que o art. 64.º CSC consubstancia uma disposição incompleta, necessitando de outra norma por forma a estabelecer uma sanção, visto que não será autónoma neste aspeto. – “Responsabilidade…”, pp. 660 e 661

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Não me parece o caminho a enveredar, uma vez que isto partiria do princípio que a diligência a aplicar pelo administrador em cada situação, para auxílio da densificação dos seus deveres indeterminados e gerais, se resume ao exposto no art. 72.º/2 CSC, o que transformaria o art. 64.º CSC numa norma sem conteúdo prestável e aplicável num contexto concreto, uma vez que bastariam as condições da bjr para avaliar a censurabilidade, adequação e reprovabilidade de uma qualquer ação de gestão societária.

Esta posição encontra a sua fragilidade na possível repetição que causa em torno da disposição em análise. Vejamos: o primeiro número do artigo 72.º estipula que, existindo violação dos deveres legais ou contratuais (conduta ilícita), se presume a culpa dos administradores (conduta ilícita e censurável). Ora, o número 2 estabelece condições mediante as quais a conduta não seria considerada reprovável; estes requisitos, atendendo ao anteriormente descrito aquando da enunciação dos deveres do administrador, constituem padrões mínimos de atuação do administrador, subdeveres do dever de cuidado que consubstancia o modo de operação da obrigação de administração. Porquanto o disposto no artigo 72.º/2 seriam manifestações de condutas positivas a adotar pelo administrador na concessão da sua função328. Assim, a preterição de

qualquer destes patamares de atuação não deverá ser alvo de desresponsabilização sob pena de existir uma conduta fruto de má administração e sem um enquadramento mínimo do que deverá ser tido como a rectidão de um administrador. Ademais, se a regra do art. 72.º/2 CSC afastasse a responsabilidade pela eliminação exclusivamente da culpa, teria de ser feita a prova do comportamento específico valorado como ilícito, e o dever concreto preterido pelo gestor, porquanto não existiria a valoração de censurabilidade sem estabelecimento anterior de ilicitude, o que se afigura a um excesso de onerosidade de prova para o lesado que, tipicamente, não tem acesso aos factos necessários329.

328“Não teria qualquer sentido que a causa da exclusão de ilicitude tivesse o mesmo conteúdo

que os factos integrantes da própria ilicitude, como aconteceria da conjugação do art. 64.º, n.º 1 com o art. 72.º, nº2, para aqueles que interpretam este preceito como uma causa de exclusão da ilicitude. Ou, ainda, que o demandado tivesse o ónus de excluir a ilicitude sem que desta houvesse prova” – ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades…, p. 295

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Além disso, existe o problema da circunscrição das causas de desculpa. Por um lado, o comportamento do gestor poderá ser desculpável não só pelas circunstâncias enunciadas no art. 72.º/2 CSC, e, por outro lado, apesar de ter agido de encontro com os requisitos, a conduta do gestor poderá ser censurável330. Por tudo isto não sigo este entendimento.

B) O art. 72.º/2.º do CSC atua ao nível da licitude comportamental