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CAPÍTULO III – SOBRE AS COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DO ENFERMEIRO

3.1. Cuida da pessoa, família/cuidador a vivenciar processos complexos de doença

Esta consiste na primeira competência do EEEMCPSC, descrita no Regulamento n.º 429/2018. Tendo em conta que consiste numa competência abrangente de múltiplos cuidados complexos, surgiu a necessidade de a subdividir em diversas unidades de competência, por forma a clarificar aquilo que o EEEMCPSC deverá ser capaz.

O mesmo Regulamento remete ainda para a importância de ser o EEEMCPSC o cuidador da PSC, sendo este o detentor das competências que permitem não só antecipar a instabilidade como prevenir o risco de falência orgânica.

Assim sendo, é essencial que se defina os conceitos de situação urgente e emergente para uma melhor compressão do papel do EEEMCPSC nos diferentes contextos da prática, sobretudo no que concerne aos SU. Assim sendo, segundo Comissão de Reavaliação da Rede Nacional de Urgência/Emergência (CRRNEU) (2012) emergentes são todas as situações clínicas de estabelecimento súbito, em que existe, estabelecido ou eminente, o compromisso de uma ou mais funções vitais; enquanto que, por outro lado, urgentes são todas as situações clínicas de instalação súbita, desde as não graves até às graves, com risco de estabelecimento de falência de funções vitais (CRRNEU., 2012).

Deste modo, na primeira prática clínica, em contexto de SU no HSM, deparei-me com múltiplas oportunidades para deteção de focos de possível instabilidade hemodinâmica,

Cuidados de enfermagem especializados à pessoa em situação crítica acometida de enfarte agudo do miocárdio: do pré-hospitalar à unidade de cuidados intensivos coronários | 2022

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62 respiratória e neurológica no doente crítico. Estes variavam entre momentos de passagem e partilha de informação entre a equipa multidisciplinar (passagem de turno para assegurar a continuidade dos cuidados), a momentos de observação direta da PSC, dos seus sinais e sintomas, contando sempre com a consulta do processo clínico, onde, muitas vezes, constavam os antecedentes pessoais da PSC, que auxiliavam não só a compreensão do quadro clínico apresentado, como na planificação e estruturação de cuidados de enfermagem adequados e direcionados à situação em concreto.

Relembro situações particulares desta prática clínica, em que por exemplo, aquando da inspeção da cavidade pélvica de uma PSC vítima de acidente de viação consegui detetar a existência de crepitação e consequente fácies de dor máxima na PSC (avaliação realizada com recurso à escala de faces da dor), o que remeteu a equipa multidisciplinar para um possível foco de instabilidade com necessidade de realização de exames complementares de diagnóstico (radiografia) para confirmar ou não a fratura de bacia pélvica. Denote-se que uma fratura pélvica instável acarreta risco de vida iminente para o doente, uma vez que a hemorragia retroperitoneal pode ser fatal, quando associada a lesões arteriais, culminando em choque hemorrágico e posteriormente em morte (Godinho et al., 2012; Corrêa et al., 2017). A partir daqui torna-se evidente a importância que a deteção precoce destas situações tem, reduzindo o tempo até o seu diagnóstico diferencial e posterior tratamento.

Em contexto de UCIP, por exemplo, ilustro com uma situação vivenciada por mim em que detetei uma obstrução parcial do tubo naso-traqueal de uma utente com secreções.

À minha observação foram os sons respiratórios, a expansão torácica, o uso de musculatura acessória aquando da respiração que me alertaram para aquele foco de instabilidade, associado à coloração das extremidades que traduzia hipoperfusão dos tecidos (cianose) e ao valor de saturação periférica de oxigénio (SPO2) que rondava os 85%. Após o procedimento de aspiração do tubo, fluidificação das secreções e aumento do aporte de oxigénio, a situação reverteu-se rapidamente.

Na prática clínica de opção, foi a identificação dos fatores predisponentes que potenciavam o risco iminente de falência de uma ou mais funções orgânicas, que marcou a diferença na prestação de cuidados. Para isso, procedi sempre que possível (quando todos os cuidados prioritários já haviam sido prestados) à consulta do histórico do utente com o intuito de obter os dados mais concretos e objetivos possíveis, apercebendo-me por exemplo que havia algumas situações de PSC com dispneia que tinham por base já uma Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica ou até mesmo a necessidade de oxigenoterapia contínua no

domicílio em contexto de pré-hospitalar; ou, por exemplo na UTIC, apercebia-me ainda de todos os antecedentes cardiovasculares pré-existentes que potenciavam o agravamento da situação atual, por exemplo PSC portadoras de Hipertensão Arterial, que em contexto de agravamento dificultava todo o seu processo de recuperação aquando da ocorrência de um EAM.

Foram diversas as situações ao longo das práticas clínicas que remeteram para a antecipação de focos de instabilidade. Para isso tive o auxílio de equipamentos de monitorização devidamente programados e com alarmes ajustados que me informavam da capacidade hemodinâmica da PSC, fornecendo dados sobre a tensão arterial média, frequência cardíaca e frequência respiratória, de instrumentos de avaliação neurológica como por exemplo a escala de coma de Glasgow, que me permitiam à mínima alteração no estado de consciência ficar alerta e prever possíveis eventos de instabilidade.

Perante um valor/parâmetro alterado era momento de fazer o meu julgamento clínico e atuar, uma vez que estes traduzem-nos sempre alterações significativas do estado geral da PSC e não podem ser ignorados. É prioritário interpretar o valor e traduzi-lo em cuidados direcionados para que a instabilidade não surja. Para isso contei com o auxílio da minha experiência clínica prévia, com a experiência da equipa multidisciplinar e claro, da maior aliada da prestação de cuidados: a evidência científica.

Dados relevantes também envolviam o resultado das análises sanguíneas realizadas, das gasometrias arteriais, e de outros exames complementares de diagnóstico (radiografias, eletrocardiogramas e tomografias axiais computorizadas). Todos estes elementos fornecem dados importantes quando se pretende estabilizar as funções vitais da PSC ou, pelo menos, evitar que estas se agravem.

Sempre que detetei uma situação de possível instabilidade procurei planear os meus cuidados para tentar colmatá-la, validando sempre com os enfermeiros tutores. Após a prestação de cuidados foi também essencial monitorizar a sua eficácia. Teria sido eficaz?

Teríamos conseguido evitar que o estado geral da PSC se deteriorasse? E posteriormente refletir sobre a situação, o que havia aprendido, o que poderia ter feito diferente e melhor e que contributo teria trazido a minha intervenção para a PSC.

Após refletir sobre estas situações foi-me possível concluir que prestei cuidados à pessoa em situação emergente e antecipei a instabilidade e risco de falência orgânica, tal como preconiza o Regulamento nº 429/2018, percorrendo desta forma o trajeto delineado para o meu processo de aquisição de competências especializadas.

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64 Para isso, faz todo o sentido referir ainda que atuei por forma a antecipar focos de instabilidade e/ou para prevenir complicações para a PSC, através da rápida identificação dos problemas potenciais da PSC, planeando, implementando e avaliando intervenções que contribuíram para evitar esses mesmos problemas ou minimizar-lhes os efeitos indesejáveis.

Tive como base o rigor técnico/científico na implementação das intervenções de enfermagem especializadas e procurei dar continuidade aos cuidados, referenciando as situações problemáticas identificadas para a restante equipa multidisciplinar.

Responsabilizei-me pelas decisões tomadas, pelos atos que pratiquei e que deleguei; e executei cuidados técnicos de alta complexidade, tendo todos estes fatores culminado num interesse comum: prestar cuidados especializados de enfermagem à PSC que antecipem os focos de instabilidade.

Convém ainda salientar que os cuidados prestados foram sustentados no processo de enfermagem, como base para a tomada de decisão e alicerçados na evidência científica, sempre com base na reflexão e com foco na PSC/família.

O processo de enfermagem consiste num método para a prática de enfermagem que visa obter ganhos em saúde aquando a prestação de cuidados (Barros et al., 2021). Os mesmos autores defendem que este conceito não é novo, sendo que já na época de Florence Nightingale, esta defendia que os enfermeiros deveriam ser capazes de observar, avaliar e emitir julgamentos acerca do observado. O processo de enfermagem é caracterizado pela interligação existente entre as suas etapas: a colheita de dados/avaliação inicial baseada nas necessidades humanas básicas, a elaboração de diagnósticos de enfermagem, o planeamento das intervenções de enfermagem, a implementação dessas mesmas intervenções e a avaliação dos resultados obtidos.

Este deverá ser documentado, uma vez que consiste numa exigência ética e legal (Barros et al., 2021) e tem como finalidade constituir uma ferramenta que permita a satisfação das necessidades do utente/família que recorre aos serviços de saúde.

Segundo os mesmos autores, o processo de enfermagem deverá ser: intencional, sistemático, dinâmico, interativo, flexível e baseado na evidência científica.

A qualidade dos cuidados de enfermagem para Barros et al. (2021) poderá ser evidenciada através da utilização do processo de enfermagem, mas está também dependente de competências do enfermeiro tais como: intelectuais, relacionais e técnicas.

Como vantagens da implementação do processo de enfermagem temos que uma utilização correta deste método permite uma quantificação das inúmeras vantagens das intervenções de enfermagem, enaltecendo a sua relevância na sociedade (Barros et al., 2021).

Relativamente ao anteriormente descrito, ao longo das práticas clínicas vivenciei duas realidades distintas entre si, mas que visam o mesmo fim. No SU e no contexto pré-hospitalar o processo de enfermagem não assumia uma forma física e documentada, mas os princípios do mesmo eram seguidos pelos profissionais de saúde. Isto acontece dado aos rácios de recursos humanos serem muito abaixo do preconizado para tamanha afluência nestes contextos. Quanto à UCIP e à UTIC, aquando da entrada de um novo utente procede-se a uma avaliação completa e pormenorizada de todas as suas dimensões, com documentos de registo próprios, como por exemplo a escala de Braden para a avaliação do risco de úlcera por pressão. Posteriormente são levantadas as necessidades da PSC, elaborados os diagnósticos com as intervenções adequadas para a obtenção dos resultados esperados. Este processo é cíclico, estando sob constante avaliação para que seja o mais personalizado e adequado à PSC/família em questão.

As intervenções especializadas de enfermagem classificam-se em interdependentes e autónomas, segundo o Decreto-Lei n.º 161/1996. As intervenções interdependentes estão relacionadas com o processo de prescrição, uma vez que, quando é outro profissional a prescrever, o enfermeiro assume a responsabilidade de administrar e vigiar os efeitos terapêuticos benéficos e adversos obtidos. Inerente a este processo temos a gestão da administração de protocolos terapêuticos complexos. Neste caso em concreto temos que a administração de protocolos terapêuticos, por exigir uma prescrição prévia assume-se como intervenção interdependente, já a sua gestão surge como intervenção autónoma, uma vez que, as intervenções autónomas são aquelas que o enfermeiro é totalmente responsável pela prescrição, execução e avaliação (OE, 2008).

No SU do HSM, tive a oportunidade de gerir a administração de protocolos terapêuticos complexos através da administração de medicação de urgência, como por exemplo: cetamina, morfina, remifentanilo, cloreto de potássio, insulina, aspirina, furosemida, entre outros, prevendo de forma precoce possíveis complicações que poderiam emergir da implementação desses protocolos, monitorizando e avaliando a adequação das respostas aos problemas identificados. Segundo Magalhães (2017), além da aplicação de protocolos é imperativo que se entenda os mecanismos que fundamentam a intervenção, ou

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66 seja, os objetivos terapêuticos, a farmacocinética, a farmacodinâmica, os efeitos secundários, o modo de preparação e diluição e ainda as vias de administração.

De acordo com a Lei nº156/2015, referente ao REPE, os enfermeiros, “procedem à administração da terapêutica prescrita, detetando os seus efeitos e atuando em conformidade, devendo, em situação de emergência, agir de acordo com a qualificação e os conhecimentos que detêm, tendo como finalidade a manutenção ou recuperação das funções vitais” (p.103).

Tive ainda outras oportunidades de gerir diversos protocolos terapêuticos complexos, neste contexto específico da prática, nomeadamente em admissões de VVC, de trauma e de Acidente Vascular Cerebral (AVC), bem como situações de alterações de electrólitos severas como por exemplo hipercaliémia/hipoglicémia e cetoacidoses diabéticas.

A passagem pela UCIP, no que concerne a este ponto em específico, ficou marcada pela prestação de cuidados a um utente em choque hemorrágico, em que foram rapidamente identificados focos de instabilidade e implementadas intervenções de enfermagem de grande complexidade antecipatórias a esses mesmos focos, tais como o despiste de sinais de choque (hipotensão, taquicardia, taquipneia, oligoanúria), a gestão de diversos protocolos terapêuticos complexos como por exemplo a administração de noradrenalina e de ácido tranexâmico, bem como a gestão do protocolo de transfusão maciça no adulto de acordo com a Norma n.º 011/2013 da DGS.

No que concerne à prática clínica de opção, relembro que várias foram as vezes em que, por exemplo, na SIV foi implementado o protocolo de SAV, o qual geri e participei ativamente. Sem dúvida que a ausência de um espaço físico “controlado” e organizado, como encontramos em ambiente hospitalar, faz diferença e apela à nossa criatividade e sentido de improvisação. A ausência de, por exemplo, suportes para acondicionar bombas perfusoras ou até mesmo o espaço ideal para colocar o monitor, fazem com que trabalhar em contexto pré-hospitalar constitua um desafio até mesmo para quem já desempenha funções naquele meio há vários anos. Todos os dias e todas as situações são como começar de novo, a necessidade extrema de mobilização de conhecimento e agilidade na arte do cuidar só são possíveis dada a experiência e dedicação dos profissionais de saúde do pré-hospitalar.

Estes momentos incluíram pessoas acometidas de PCR por causa súbita ou por trauma prévio associado. Nestas situações, em particular, dada a sua complexidade e exigência de ações sequenciais e organizadas surpreendeu-me o excelente trabalho em equipa, evidenciado através da comunicação que foi irrepreensível e todo o protocolo de SAV cumprido na íntegra. Não posso deixar de parte a premissa, defendida pelas Guidelines

do European Resuscitation Council (Perkins et al., 2021) em que está evidentemente comprovado que a formação e o treino em SAV aumentam a eficácia da ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e a sobrevida dos utentes acometidos de PCR, devido ao reconhecimento e atuação precoces, e isso foi notório tanto na SIV como VMER, e até mesmo nas práticas clínicas desenvolvidas em meio hospitalar.

A gestão de protocolos terapêuticos complexos também foi uma intervenção recorrente na UTIC, através da gestão da administração de medicação específica naquele contexto, como por exemplo: levosimendano, noradrenalina, propofol, amiodarona, nitroglicerina, dinitrato de isossorbida, ticagrelor, clopidogrel, aspirina, entre outros.

Dos vários protocolos terapêuticos complexos que tive oportunidade de gerir, foco agora a minha atenção para as PSC em contexto de cuidados intensivos, sob sedo-analgesia.

Este procedimento, não só tem inerente os seus objetivos terapêuticos, como ainda uma necessidade constante da avaliação da dor e da sedação, pois poderá ser necessário adequar a terapêutica por forma a evitar os efeitos nefastos da sobre-sedação.

Nesta linha de pensamento, atingimos então uma outra vertente do cuidar da pessoa, família/cuidador a vivenciar processos complexos de doença crítica e/ou falência orgânica, que engloba também a gestão diferenciada da dor e do bem-estar.

O bem-estar é uma área de estudo amplo, pelo que, tem evoluído ao longo dos anos e a sua investigação reflete diferentes conceptualizações teóricas e atualizações constantes do seu conceito. Segundo Ferreira (2013), o bem-estar é um conceito amplo e abrangente, considerando a pessoa de forma holística, incluindo a saúde física e mental, o bem-estar físico e psicológico, manifestando-se ao nível da satisfação e da felicidade. Posto isto é visível que a prestação de cuidados de enfermagem assume um papel preponderante na qualidade dos cuidados e no bem-estar da PSC/família (Zawawi & Nasurdin, 2017).

A dor, definida como o “aumento da sensação corporal desconfortável, referência subjetiva de sofrimento” (International Council of Nurses [ICN], 2019) é, naturalmente, um fator que influencia o bem-estar da pessoa. Esta é tanto antiga quanto o próprio homem, intrínseca à própria vida, sendo uma das experiências mais vivenciadas e receadas. Sendo um fenómeno fisiológico e, atendendo à sua importância, isto é, complexo e multidimensional, a sua gestão e abordagem são consideradas como uma prioridade na prestação de cuidados de saúde, sendo por isso, um fator decisivo para a humanização dos cuidados (Fonseca, 2015; Zuazua-Rico et al., 2020).

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68 Seguindo esta linha de pensamento, ao longo das práticas clínicas norteei os meus cuidados para que a monitorização da dor fosse tida em conta em todos os utentes a quem prestei cuidados, independentemente do contexto (pré-hospitalar/SU/UCIP ou UTIC). Para isso, utilizei a escala mais apropriada consoante o utente e as suas limitações, avaliei a dor, atuei no seu controlo quando assim foi necessário e avaliei a eficácia da minha intervenção.

Ou seja, todos os passos que se interligam num só, por forma a obter o bem-estar da PSC, terminando com o registo de todo o procedimento pelos passos anteriormente descritos.

A minha prática foi então ao encontro daquilo que a Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos (SPCI), (2012) defende, uma vez que se preconiza a avaliação e monitorização da dor por parte do EE de todas as pessoas uma vez por turno, no início e/ou antes de um procedimento doloroso. Neste caso, a sua avaliação/monitorização deve ser ainda efetuada durante o procedimento doloroso, 15 minutos após o mesmo e reavaliada 30 minutos após intervenção farmacológica ou não-farmacológica. A SPCI defende ainda que após a avaliação da dor deve efetuar-se de imediato o seu registo, à semelhança dos outros sinais vitais e privilegiar a autoavaliação do cliente consciente e com funções cognitivas mantidas. A avaliação sistemática da dor consiste numa das medidas preconizadas pelo Programa Nacional para a Prevenção e Controlo da Dor, emanado em 2017 pela DGS.

A complexidade de monitorização da dor numa PSC, surge quando a mesma se encontra com alterações de consciência, por sedação ou não, que apresenta alterações da comunicação verbal, habitualmente por presença de tubo oro-traqueal ou até mesmo por VNI contínua. A Escala Visual Numérica é considerada gold standard para a auto-avaliação da dor e para resposta à analgesia embora esta escala seja recomendada para avaliar a dor em doentes que comunicam (SPCI, 2012; Hylén et al., 2020). Por este motivo, não é indicada para as situações de criticidade onde as pessoas estão sob sedação e ventilação mecânica.

Nestes casos, o EE deve fundamentar-se na observação dos indicadores fisiológicos e comportamentais da dor (SPCI, 2012; Hylén et al., 2020).

As escalas que contemplam estes indicadores são denominadas escalas comportamentais de dor e são um importante instrumento de monitorização e avaliação da dor em cuidados críticos (SPCI, 2012).

No que concerne à UCIP, a escala comportamental que mais utilizei ao longo da prática clínica foi a Behavioural Pain Scale, que avalia três itens comportamentais (expressão facial, movimento dos membros superiores e adaptação ventilatória) e cujo uso é preconizado pela SPCI (2012) e defendido também por Hylén et al. (2020). Adotei-a

sempre que avaliei a dor em utentes que se encontravam sob VMI e, por esse motivo em coma, sendo impossível utilizar por exemplo a escala numérica ou a de faces.

Várias foram também as situações em que registei dor moderada/intensa, principalmente em contexto de SU e de pré-hospitalar como: grandes traumatismos, fraturas expostas, dores torácicas com EAM associado, entre outras. Nem sempre a avaliação valorizava somente aquilo que o utente me referia, mas também dados como a sua frequência cardíaca ou o valor de tensão arterial que contribuíam para uma classificação mais justa e real da dor do utente. Por vezes, a maioria dos utentes tendia a subvalorizar a dor que sentiam, sendo por isso essencial que o EEMC atenda também aos sinais que apresenta, tal como defende Dias (2018).

Já no que concerne à UTIC, neste contexto em específico a caracterização da dor, mais do que nunca, revelou-se essencial. Numa PSC com dor torácica é essencial que se caracterize esta dor. Para isso, procedia a questões às PSC de quem cuidei, que me permitissem avaliar as características da dor, bem como a sua intensidade, duração e localização.

Desta forma, ao longo deste percurso, acabei também por desenvolver competências na observação dos sinais comportamentais de dor, tais como os anteriormente descritos.

Vários autores defendem que a dor está quase sempre presente na PSC e a sua manifestação está relacionada, quer com a patologia de base que motivou a ida até aos cuidados de saúde, quer com os vários procedimentos invasivos e não invasivos a que é

sujeita (Damico et al., 2020; Hylén et al., 2020).

Desta forma, antes dos procedimentos invasivos procurei clarificar o utente sobre aquilo a que iria ser submetido, e sempre que se justificasse procedi à administração de analgesia pré-procedimento, por forma a facilitar as duas partes: promover o bem estar do utente minimizando a sua dor, e facilitando o profissional que iria prestar o cuidado uma vez que se o utente colaborar no procedimento, tudo se torna mais simples e rápido, traduzindo ganhos para ambas as partes. Claro que após a administração e antes do procedimento houve sempre uma nova avaliação da dor na PSC. Desta forma, acabei por demonstrar e desenvolver competências na gestão deste tipo de protocolo terapêutico, que envolve a sedo-analgesia, uma vez que geri também os efeitos indesejáveis que podem ocorrer tais como a hipotensão.

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70 Como futura EEEMC achei fulcral para o desenvolvimento de competências conhecer e aplicar medidas não-farmacológicas no controlo da dor. Segundo a OE (2008) no Guia Orientador de Boa Prática acerca da Dor é recomendado que, as medidas não-farmacológicas surjam como complementaridade das medidas não-farmacológicas e não em substituição destas. A OE (2008) reforça ainda o princípio de que as intervenções não-farmacológicas devem ser selecionadas considerando as preferências da PSC, os objetivos do tratamento e a evidência científica disponível. Estas englobaram cuidados como a alternância de decúbitos no leito para maior conforto, técnicas de distração e toque terapêutico, e ainda a tentativa de procurar diminuir os pensamentos negativos associados a determinada situação, bem como o cuidado com o ambiente envolvente da PSC. A OE (2008), além destas intervenções, acrescenta ainda a importância da terapia cognitiva/comportamental, da reestruturação cognitiva, do treino de estratégias de coping, de técnicas de relaxamento com imaginação, distração, aplicação de frio/calor, exercício/imobilização, massagem e estimulação elétrica transcutânea. Importa referir que para grande parte destas intervenções supracitadas é necessária uma formação específica.

Mota et al. (2019) acrescentam ainda a promoção do sono, a presença de familiar/pessoa significativa e musicoterapia como medidas complementares das anteriormente descritas para controlo da dor da PSC.

O contexto pré-hospitalar muitas vezes tem associado aspetos mais técnicos e procedimentos life-saving; no entanto, em momento algum senti que o conforto e a gestão da dor fossem descurados por parte da equipa de pré-hospitalar. Esta constituía, na verdade, uma das prioridades da intervenção: o conforto e bem-estar da PSC. Eram de imediato adotadas medidas farmacológicas para controlo da dor, através da administração de analgésicos tal como o paracetamol endo-venoso ou morfina por forma a minimizar a dor e promover o conforto e bem-estar.

O ICN (2019) acrescenta que a dor pode também revelar-se através de uma

“expressão facial caraterística, alteração do tónus muscular, comportamento de autoproteção, limitação do foco de atenção, alteração da perceção do tempo, fuga do contato social, comportamento de distração, inquietação e perda de apetite, compromisso do processo de pensamento”, sendo por isso essencial que o EEMC valorize não só aquilo que o utente diz, mas também a forma como este se comporta e expressa durante as situações decorrentes da prática.