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4. ELEMENTOS SOCIOCULTURAIS DA CONSTITUIÇÃO DA DOMINAÇÃO

6.2 Divisão do trabalho Social entre homem e mulher no lar

6.2.2 Cuidado com as Crianças

Neste item concernente ainda a divisão social do trabalho entre homem e mulher, trazemos passagens textuais e imagens selecionadas dos livros didáticos em análise consideradas representativas para mostrar como está representada a divisão de tarefas na esfera doméstica no que tangi ao cuidado com as crianças. Das diferentes representações patentes nos livros destacamos as que se seguem como protótipo ilustrativo desta temática nos diferentes livros em analise. A imagem 1 é do livro de língua portuguesa da 1ª classe, de Dhorsan & Monteiro, 2007a, e encontram-se na pagina 3. A imagem 2 e 3 são do livro de Português da 5ª classe de Rodrigues & Chilundo 2012a encontram-se respectivamente nas p. 24 e 100. A quarta e última imagem é do livro de língua portuguesa da 7ª classe de Muhate et al., 2004 p. 91.

Figura 1, 2, 3 e 4 - Cuidado com as Crianças

Fonte: 1 DHORSAN; MONTEIRO (2007a); 2, 3 RODRIGUES; CHILUNDO (2012a); 4 MUHATE et

al.,(2004)

“Os caçadores e recoletores trabalhavam coletivamente. Dividiam o trabalho de duas maneiras. Uma era de acordo com o sexo da pessoa e da idade. A caça requeria muito esforço e muita gente algumas vezes os caçadores tinham que estar longe dos acampamentos por longos períodos de tempo. As mulheres ficavam nos acampamentos com crianças e apanhavam frutos silvestres. Os seus filhos exigem muitos cuidados, por isso, dependiam das suas mães por períodos muito longos para aprenderem os hábitos de sobrevivência” (ISMAEL & BICA, 2004, p.46).

“Aquela linda velhinha leva ao colo uma criancinha de tez, tão pequena. A criancinha não se sente sozinha, aquela velhinha é minha avozinha. Aquela linda velhinha que embala a criancinha com o seu manto de linho, com todo o carinho, aquela linda velhinha foi uma santa, criou a criancinha com tal amor que espanta” (RODRIGUES & CHILUNDO, 2012, p.24).

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Embora, o número de enunciados que representa os papéis de gênero nos livros didáticos do ensino primário em Moçambique, no que concerne ao cuidado com as

crianças possa ser considerado extenso, devido a sua homogeneidade em termos se

conteúdo foram selecionadas quatro (4) imagens e duas passagens textuais, para servirem de foco (protótipo) de análise das representações de gênero. Com isso, constatamos que o cuidado com as crianças é representado ao longo das unidades temáticas, como um papel (tarefa/atividade) doméstico exclusivamente feminino, desempenhado somente pelas mulheres. Aqui as figuras anteriormente citadas, e as passagens textuais, mostram que a mulher é representada constantemente, como a única figura, sobre a qual recai a obrigação de educar, ensinar e cuidar das crianças dentro do lar.

Como ilustramos nas imagens, que caracterizam as representações encontradas nos livros, podemos constatar que, é a mulher quem, educa, brinca com as crianças, é a mulher, quem as prepara (dando banho) para irem à escola, é ela a quem recai a obrigação de leva-as à vacinação (uma vez que notamos que é a única, em todos os livros que o faz), em suma é a mulher a quem exclusivamente cabe o papel de educar e cuidar das crianças numa família segundo as representações de gênero patente nos livros didáticos do ensino primário em Moçambique em análise.

Entretanto, o que mais chama a nossa atenção nas representações de gênero dos livros didáticos analisados, no que concerne a esta categoria é que em nenhum momento, podemos verificar uma figura masculina (homem), desempenhando alguma atividade ou trabalho no cuidado com as crianças. O que nos leva a constatar que os livros didáticos veem e representam o cuidado com as crianças, como uma tarefa exclusivamente feminina, isentando assim a possibilidade do homem participar na educação e no cuidado das crianças, naturalizando e legitimando, de maneira estereotipada o papel de educar, ensinar e cuidar das crianças como exclusivo da mulher (como feminino).

Esta inclinação da mulher nas representações de gênero nos livros como a personagem única e exclusiva no cuidado com as crianças, como mostra o trecho citado, tende a naturalizar e a restringir a mulher à esfera doméstica, representando-a, como a

eterna submissa e dependente do homem, uma vez que enquanto o homem é representado como o que cabe ir caça para ganhar o sustento, a mulher é vista (representada) como a que precisava ficar a cuidar dos filhos, o que a liga discriminadamente ao lar e ao papel de dona de casa e educadora. Essa sexualização do cuidado com as crianças também se encontra, exposta na citação da velhinha levando ao colo a sua neta e cuidando com “um amor que espanta”, pois esta passagem textual mostra que mesmo com idade avançada, o papel de cuidar das crianças continua sendo feminino, mostrando assim que este papel acompanha as mulheres ao longo de sua vida, desde a infância, juventude até a fase idosa. Aqui, são ocultas as diferentes possibilidades, de a mulher ser a provedora e o homem o que cuida, realidade que os últimos tempos nos tem apresentado em Moçambique com a entrada massiva das mulheres na esfera pública por meio do trabalho remunerado e educação escolar.

Assim, mostra-se, a educação das crianças como uma tarefa, ou seja, dever natural e imprescindível da mulher, uma vez que em nenhum dos livros analisados, chegamos a verificar o homem a desempenhar semelhante tarefa ou exercer o papel de educador, daquele que cuida, brinca com as crianças, prepara os filhos para escola ou leva-os à vacinação. Notamos que as representações de gênero analisadas nos livros didáticos estão vinculadas a ideia estereotipada de que o cuidado da família, a tarefa de ser amorosa, cuidar das crianças, educar, ensinar são deveres, isto é, uma obrigação exclusiva da mulher, devido a sua natureza delicada e frágil, cabendo a ela tarefas que exigem menos força e coragem (como caçar), mas muito amor e carinho para educar e cuidar das crianças enquanto o homem busca o sustento da família.