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Epiméleia heautoû (o cuidado de si e a regra que lhe era associada) não cessou de constituir um princípio fundamental para caracterizar a atitude filosófica ao longo de quase toda a cultura grega, helenística e romana. Noção importante, sem dúvida, em Platão. Importante nos epicuristas, uma vez que em Epicuro encontramos a fórmula que será tão frequentemente repetida: todo homem, noite e dia, e ao longo de toda sua vida, deve ocupar-se com a própria alma (FOUCAULT, 2004c, p. 12).

Michel Foucault traça um percurso histórico na antiguidade desde o momento socrático-platônico (século V a. C.) até a filosofia helenístico-romana (séculos IV-V). No momento platônico, a partir da apresentação que Platão faz de Sócrates na Apologia, como o mestre do cuidado de si mesmo, inicia uma análise de Alcebíades I, a qual aparece relacionada a três questões, a saber: “a política, a pedagogia e o conhecimento de si”. Por conseguinte, este momento denominou-se constitutivo do platonismo: “a subordinação do cuidado de si ao conhecimento”

(CASTRO, 2009, p. 93). Já no período helenístico e romano, há uma transformação do modo de pensar a noção do cuidado de si com relação ao do momento socrático. No dizer de Fonseca (2011, p. 15), o que Foucault faz ao pronunciar o conteúdo de aulas do curso de 1982 é “reatualizar outros tantos ditos e escritos”. Contudo, é possível observar que Foucault desenvolve toda uma problemática em torno da ética do cuidado de si presentes nas culturas gregas e romanas, elucidando essa problemática por meio das obras de pensadores importantes como Sócrates, Platão, Marco Aurélio e Sêneca, por exemplo.

Então, a partir das leituras foucaultianas (2004, 2006), é possível constatar que a relação entre o cuidado de si e a experimentação de si ocorre de modo diferenciado em três períodos:

1) o socrático, Sócrates introduz a noção cuidado de si, incitando as pessoas a tomarem consciência da ignorância que tinham sobre os valores que regiam suas vidas;

2) o platônico, com Platão, as noções de cuidado de si e de conhecimento de si são a mesma coisa; conhecer a si mesmo é promover um melhoramento de si, de forma que os dois princípios estão intimamente articulados. É, pois, em Platão que Foucault inicia a análise do cuidado de si e do princípio do “conhece-te a ti mesmo”;

3) o período dos séculos I e II da era cristã, em que o cuidado transforma-se em prática cotidiana; e os séculos IV e V de nossa era, em que a ascese cristã ganha força.

Segundo Fonseca (2011), além dos três períodos da história do cuidado de si mencionado na primeira aula de Foucault (06 de janeiro de 1982), o pensador francês também menciona a importância do “momento cartesiano” “na desqualificação do cuidado de si e na requalificação do conhecimento de si”. Porém, afirma que todos os momentos históricos do cuidado de si não serão abordados na mesma proporção. Desse modo, Foucault, durante todo o seu curso A Hermenêutica do Sujeito, faz breves referências ao cristianismo e praticamente não as desenvolve, bem como em relação ao momento cartesiano, limitado apenas a breves passagens.

Contudo, o período consagrado por esse filósofo sobre o cuidado de si foi, de fato, do estoicismo ao epicurismo. Nessa perspectiva, as escolhas foucaultianas do momento não consistem em apenas descrições históricas, mas em uma tarefa genealógica. Assim, inicia-se, nos estudos foucaultianos, uma nova forma de se ver

o sujeito, uma nova forma de se pensar a verdade, ou seja, “novas formas de subjetividades” (GROS, 2004, p. 38).

A noção do cuidado de si é, por conseguinte, o fio condutor desta pesquisa, acreditando ser esse o meio utilizado para fazer a história da subjetividade. Foi a partir desse entendimento que me aproximei das formulações foucaultianas sobre a noção do cuidado de si para investigar as produções de subjetividades dos professores de língua inglesa. Pois, segundo Albuquerque JR. (1988), Foucault:

Sugere uma vida de autoria de si mesmo, que é, ao mesmo tempo, uma forma de resistência às tecnologias modernas de produção da subjetividade do indivíduo, e uma arte da conduta centrada na coincidência daquilo que o indivíduo faz com aquilo que diz: procura não só dizer verdadeiro, mas ser verdadeiro enquanto sujeito de um saber e um poder sobre si próprio (ALBUQUERQUE JR, 1988, p. 72- 73).

Desse modo, coloco sob discussão a perspectiva do cuidado de si, que tem por objetivo evidenciar as estratégias de problematização da ética, enquanto instância que oportuniza a relação e o desenvolvimento do sujeito consigo mesmo e com os outros, ao analisar as escritas de si dos docentes.

Para os gregos, alguém não é considerado ético por tratar dos outros, mas o indivíduo é ético em si mesmo, o que implica cuidar dos outros, tornando o indivíduo mais competente para ocupar um lugar na comunidade. É, então, por meio do uso das estratégias das tecnologias do eu que o sujeito chega ao cuidado de si. O próprio Foucault sobre essa noção, declara:

[...] é preciso entender que o princípio do cuidado de si adquiriu um alcance bastante geral: o preceito segundo o qual convém ocupar-se consigo mesmo é em todo caso um imperativo que circula entre numerosas doutrinas diferentes; ele também tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se comportar, impregnou formas de viver; desenvolveu-se em procedimentos, em práticas e em receitas que eram refletidas, desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas; ele constituiu assim uma prática social, dando lugar a relações interindividuais [...] (FOUCAULT, 2006, p. 50).

Nota-se, sobretudo na antiguidade, que o tema do cuidado de si era fundamental para diversas escolas filosóficas. Nessa perspectiva, o enfoque dado à subjetividade por Michel Foucault nas suas últimas obras propiciou o desenvolvimento de uma analítica em torno da subjetividade enquanto processo

transformacional. Foucault (2006, p. 214) assinala ainda: “A história do cuidado de si e das técnicas de si seria, então, uma maneira de fazer a história da subjetividade”.

Em relação às análises observadas em seus últimos estudos procuram problematizar de que maneira o discurso filosófico clássico está envolvido no modo de vida do sujeito, isto é, em que consistiam as práticas prescritas como o exame de consciência, sugeridas por moralistas como Marco Aurélio? Como se dava a produção da subjetividade tanto na Grécia antiga, como na Roma clássica? (FOUCAULT, 2006).

Essas são questões essenciais presentes nessa analítica foucaultiana, que percorrem o pensamento dos filósofos gregos e romanos afirmadores da ética do cuidado de si. Na verdade, os gregos não são uma alternativa para nós, mas podem nos ajudar a pensar a atualidade. Ao analisarmos a obra de Foucault (2006) sobre as técnicas de si na antiguidade grega, encontramos nessas formas de subjetividades possibilidades para pensar e conceber outros modos de subjetivação, talvez diferentes das constituídas na contemporaneidade.

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