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Cuidados Paliativos – Uma Necessidade

5. Projeto de Intervenção

5.1. Fundamentação Teórica

5.1.1. Cuidados Paliativos – Uma Necessidade

Devido aos notáveis avanços das ciências, ao longo do século XX, muitas das doenças agudas, sobretudo as infeciosas, foram praticamente erradicadas como perigo de morte. Diversos quadros clínicos anteriormente fatais passaram a ser controlados, impondo-se o fenómeno da cura. O progresso da medicina e das sociedades, nomeadamente no que se refere ao incremento das condições de vida, permitiu um aumento da longevidade que se traduziu numa demografia da morte muito distinta. Surge um novo fenómeno no Ocidente, caracterizado pela maior prevalência de doenças crónicas e falência funcional, tendo como consequência

processos de dependência evolutivos que culminam na morte (Neto, 2010a; Capelas, 2014).

Fruto desta evolução, descreve Silva (2012, pg. 141), que “porque a atitude perante a morte mudou, mudou o modo de morrer”. De facto, com a segurança que o progresso e o conhecimento proporcionaram à Humanidade, a morte passou de um acontecimento maioritariamente precoce e familiar a tardio e institucional (Capelas, 2014). Ainda assim, o aumento da longevidade não se traduz numa morte melhor, como refere Neto (2010a, pg. 1). O fim da vida revelou-se um tabu nas sociedades modernas, que o encaram como o resultado de uma luta contra a doença, proporcionando sensações de derrota e frustração, sobretudo por parte dos profissionais de saúde (Neto, 2010a; Silva, 2012). Falar sobre a morte é como retirar a esperança àqueles que procuram vencê-la com inevitáveis tratamentos fúteis e a obstinação terapêutica. “Vive-se como se não se morresse”, como refere Silva (2012, pg. 141), sendo “preciso fazer batota: de tal modo que todos sabem, mas ninguém fala disso”, fazendo referência à Morte de Ivan Ilitch de Tolstoi.

Esta distância que as sociedades industrializadas e urbanas ocidentais impõem entre a morte e a pessoa traduz-se sobretudo na desumanização dos cuidados, com a ausência de preocupação com os desejos dos doentes em fim de vida e desadequados acompanhamentos em fim de vida e processo de luto. Principiando-se pela ausência de comunicação, verifica-se a prevalência de agressividade nos cuidados prestados, errónea gestão de recursos e consequente acréscimo dos custos para o doente e sociedade (Capelas, 2014). E porque “quando uma sociedade nada tem a dizer sobre a morte, tampouco o tem sobre a vida” (Silva, 2012, pg. 146), com esta cultura de “negação da morte” não é possível aumentar a qualidade dos cuidados, melhorar a qualidade de vida dos doentes e famílias e a satisfação dos profissionais nem, naturalmente, diminuir a taxa de mortalidade – não fosse a morte um facto inexorável da própria vida, como escreve Neto (2010a).

Procurando dar resposta a esta desumanização da morte, com o objetivo principal de “juntar vida aos dias e não dias à vida”, iniciou-se em Inglaterra, no ano de 1967, o movimento moderno dos Cuidados Paliativos, com Cicely Saunders. Do trabalho desta Enfermeira, Assistente Social e ainda Médica destacam-se a preocupação com a dor e o sofrimento como um fenómeno global, dando igual importância ao acompanhamento à família (Sapeta, 2011).

Inglaterra recebeu este movimento, estruturando os cuidados específicos para doentes em fase terminal, pelos quais, aparentemente, “já nada havia a fazer”. Cicely Saunders fundou então o Saint Cristopher’s Hospice, em Londres, onde estes doentes passaram a beneficiar de cuidados médicos e, em simultâneo, de um adequado e humanizado acompanhamento até à morte (Pacheco, 2014).

Pela primeira vez foram introduzidos conceitos como a “dor total” (“total pain”), antevendo o sofrimento como um todo, e abordando o doente numa perspetiva

holística, abordando a dor física, mas também o sofrimento psicológico e espiritual que acompanha todo o processo de doença (Pacheco, 2014).

Deve-se ainda a Cicely Saunders a conclusão de que é fundamental o alívio ou prevenção da dor, tendo em conta que a dose ótima de morfina é aquela que lhe tira a dor e o mantém desperto. A Cicely Saunders juntou-se rapidamente Elizabeth Kübler- Ross, nos Estados Unidos da América, recuperando-se a valorização do papel do Médico junto dos doentes moribundos e dando origem à expansão do movimento moderno dos CP (Neto, 2010a).

Muito embora o acesso a CP prestados de forma rigorosa e científica ainda não seja universal, verificando-se assimetrias até a nível europeu, este movimento permitiu a catalisação dos Cuidados Paliativos, hoje como filosofia largamente difundida (Neto, 2010a; Capelas, 2014).

O termo paliativo deriva do latim pallium que significa “manto” ou “capa”. Não apressando nem prorrogando a morte, os CP procuram que a pessoa morra reconciliada e capaz de transmitir: gosto muito de ti, perdoa-me, perdoo-te, obrigado e

adeus. Enfocando-se o controlo sintomático, cuida-se da pessoa e não da doença,

aceitando a morte e melhorando a vida, promovendo conforto e apoio à família, culminando a sua atuação com o acompanhamento além da morte que se traduz no apoio no luto (Twycross, 2003).

Em 2002, a WHO definiu os CP como “uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes – e suas famílias – que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, como a dor, mas também psicossociais e espirituais” (Neto, 2010a).

Em 2004, em Portugal, com a aprovação por despacho ministerial do PNCP, clarificam-se algumas questões relevantes relacionadas com a sua prática, nomeadamente os seus princípios:

- A prática de CP requer organização própria e abordagem específica, prestada por equipas técnicas preparadas para o efeito;

- Os CP afirmam a vida e encaram a morte como um processo natural e consideram a doença como causa de sofrimento a minorar;

- Os CP consideram que o doente vale por quem é, até ao fim, reconhecendo e aceitando os valores e prioridades deste, abordando de forma integrada o sofrimento físico, psicológico, social e espiritual;

- Os CP reconhecem que o sofrimento e o medo perante a morte podem ser humanamente abordados e que a fase final da vida pode encerrar momentos de realização e crescimento pessoal;

- Os CP não antecipam nem atrasam a morte, repudiando a eutanásia, o suicídio assistido e a futilidade diagnóstica e terapêutica;

- Os CP baseiam-se no acompanhamento, na humanidade, na compaixão, na disponibilidade e no rigor científico, centrando-se na procura do bem-estar do doente, ajudando-o a viver tão intensamente quanto possível até ao fim;

- Os CP só são prestados se aceites pelo doente e família e respeitam o direito do doente escolher o local onde deseja viver e ser acompanhado no seu final de vida.

- Os CP baseiam-se na diferenciação e na interdisciplinaridade, exigindo preparação técnica, formação teórica e experiência prática efetiva (DGS, 2004).

Como escreve Silva (2012, pg. 399), “é porque diante da morte que a vida se reflete que os cuidados/ medicina paliativos constituem um lugar matricial de futuro”. Em Portugal só recentemente se observa um crescente interesse por esta filosofia de cuidados, sendo uma área de muita procura ao nível da formação avançada dos profissionais de saúde – nomeadamente Enfermeiros – o que demonstra uma reflexão sobre as práticas, consciência das dificuldades e empenho nas respostas ao elevado número de doentes com patologia crónica e/ou terminal (Sapeta, 2011).

De facto, segundo dados do INE, perto de 95% dos 106 545 óbitos de residentes em Portugal, no ano de 2013, foram motivados por doenças ou estados patológicos, enquanto a percentagem de mortes não naturais (associadas a causas externas como acidentes, suicídios, homicídios ou catástrofes naturais) foi de 2.3%, sendo as restantes 3.7% sujeitas a investigação médica. No referido ano morreu-se sobretudo por doenças do aparelho circulatório (29,5% do total de óbitos), devendo-se 24,3% do total de óbitos a tumores malignos (INE, 2013).

Tendo em conta que a Lei de Bases dos Cuidados Paliativos (Lei 52/2012) publicada em DR, em 2012, consagrou o direito e regulou o acesso dos cidadãos a esta dimensão dos cuidados, seria expectável que todos os doentes crónicos e/ou terminais recebessem, em Portugal, “Cuidados Paliativos adequados à complexidade da situação e às necessidades da pessoa”.

Ainda assim e apesar do interesse acrescido na formação dos profissionais – por reconhecimento da elevada carência –, como referido anteriormente, a satisfação das necessidades destes doentes e famílias, em Portugal, mantém-se abaixo dos mínimos recomendados pela EAPC. No ano de 2012, existiam apenas 24.1% das UCP necessárias, 20.4% das equipas intra-hospitalares de CP e 9.4% das equipas de suporte domiciliário. A APCP, consciente destes dados, almeja que os CP integrem todos os níveis de cuidados do Sistema Nacional de Saúde, por todo o país, para que se atenda a todas as necessidades dos doentes em fim de vida e respetivas famílias (Capelas & Coelho, 2014).

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