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A crise tem impacto no acesso aos cuidados de saúde mental pelas suas implicações do lado da oferta, da procura e da relação entre ambas. Pelo lado da oferta e tal como já foi demonstrado no primeiro capítulo, denota-se uma diminuição do financiamento das áreas de cuidados de saúde mental. Esta diminuição é particularmente evidente nos países do sul da Europa com Portugal a ocupar um lugar de destaque pela negativa, e é particularmente grave

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porque reduziu o orçamento daquela que é historicamente a área mais pobre. Apesar disso, denota-se que o corte do financiamento dos cuidados de saúde de alguns países não implicou alterações nos serviços, mesmo nos mais afectados pela crise (Eurofound, 2014), demonstrando que outros caminhos são possíveis. Ao nível dos serviços de saúde mental na comunidade, em alguns países, a crise atrasou o seu desenvolvimento. Na Irlanda, a reforma dos cuidados de saúde mental foi afetada pela crise, tendo implicado um atraso no aumento e melhoria da provisão destes cuidados na comunidade, em termos orçamentais, e da transferência de profissionais do hospital para a comunidade. Este constrangimento resultou numa carência de serviços, na sobremedicação e no aumento dos internamentos hospitalares de pessoas com problemas mentais e das respetivas readmissões (Eurofound, 2014). Na Grécia, o financiamento público dos programas de saúde mental sofreu cortes de 20% em 2011 e 55% em 2012 (Kentikelenis et al., 2014, como referido em Eurofound, 2014). Também a redução do número de profissionais de saúde e de camas de internamento tem repercussões no acesso aos cuidados de saúde mental, sendo que em Portugal a redução de camas não foi acompanhada da

concomitante criação de uma rede de cuidados continuados, a qual está prevista há vários anos, mas ainda se mantém muito aquém das necessidades.

Tem vindo igualmente a ser observada uma redução da disponibilidade dos serviços, pela diminuição e limitações na contratação de recursos humanos, aliado ao fenómeno da migração dos profissionais.

Neste âmbito verifica-se que, enquanto que os cortes nos recursos humanos estão claramente ligados à crise, as dificuldades no recrutamento do pessoal é muitas vezes explicado por tendências de longo prazo, como o fenómeno da emigração de médicos e as dificuldades em contratar pessoal para as zonas rurais. Por exemplo, na Hungria 70,5% dos médicos de medicina geral e familiar têm 50 ou mais anos de idade. No entanto, ressalva-se que a crise interagiu com estas tendências, em particular pelo corte de salários, mandatados pelos governos ou introduzidos diretamente pelos prestadores de saúde. Por outro lado, em alguns países, os cortes não influenciaram os ordenados mensais, mas afetaram outras formas de remuneração, como foi observado em Espanha, na Catalunha, onde foram abolidos os prémios pelo desempenho dos profissionais de saúde mental (Eurofound, 2014).

Do lado da procura é sabido que a crise agravou a pobreza e a exclusão social, afetando a saúde mental e física. Sobre a pobreza e exclusão social veja-se o já citado relatório da Caritas Europa (Leahy et al., 2015). Sobre a repercussão da crise na saúde mental e física, a evidência é extensa. Num inquérito realizado a nível Europeu, em 2011, para avaliar a perceção das pessoas ao nível do impacto da crise na sua qualidade de vida, foi concluído que as pessoas com baixos rendimentos reportaram mais dificuldades em cumprir os seus compromissos e, ainda, problemas com o equilíbrio no trabalho, saúde e acesso aos cuidados de saúde (EU, 2012).

No que diz respeito aos problemas de saúde mental, representam uma preocupação central em contexto de crise. A evidência tem vindo a demonstrar que se verifica uma associação entre o aumento do suicídio e a crise nos países muito afetados pela recessão. Como exemplo desta realidade na Grécia e Irlanda o suicídio registou um aumento 17% e 13%, respetivamente. Um outro estudo recentemente realizado na Grécia sobre o impacto da crise, observou um aumento das taxas de prevalência da depressão major, entre 2008 e 2011, com ligação significativa às dificuldades financeiras (Eurofound, 2014).

Os países europeus ocidentais e do norte reportaram uma melhor qualidade de vida, enquanto que os países da Europa do sul e de leste reportaram menor qualidade de vida. Na Grécia, Eslováquia e Portugal, pouco mais de 30% das pessoas expressaram estar otimistas quanto ao futuro, face a 80% na Suécia e Dinamarca que estavam muito otimistas. Mais de um, em três respondentes, afirmou ter tido um agravamento da sua situação financeira, particularmente pessoas com baixos rendimentos e na faixa etária entre os 50 e os 64 anos de idade (EU, 2012).

Consequentemente, durante o período de crise verificou-se uma diminuição do acesso dos grupos mais

vulneráveis, associada à redução da disponibilidade financeira das famílias e aos atrasos no financiamento público e aos cortes orçamentais introduzidos em alguns Estados em serviços com excesso de procura. Na Irlanda, observou-se uma diminuição do financiamento, em particular nos cuidados domiciliários (incluindo cuidados de enfermagem e fisioterapia e apoio domiciliário), tendo-se verificado uma redução das horas de serviço de 13 milhões, em 2008, para 9 milhões em 2013. Em simultâneo, o número de pessoas a receber cuidados domiciliários aumentou de 9 000 para 11 000.

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Um outro exemplo, desta realidade foi observado na Holanda, Eslovénia e Suécia, em que ocorreram cortes nos orçamentos dos cuidados de saúde mental, apesar da procura destes ter aumentado, em geral, durante o período de crise (Eurofound, 2014).

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