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32 CUIDANDO DAS ÁGUAS

No documento 003 Cuidando das aguas Parte I (páginas 34-36)

superfície mais elevadas acelerarão a produtividade biológica, aumentando as quantidades de bactérias e fungos na água e promovendo aflorações de algas (Kundzewicz et al., 2007). Essas aflorações de algas – algumas das quais com potencial para criar toxinas que representam riscos sérios à saúde humana e de ecossistemas (Chorus e Bartram, 1999) – ocorrerão devido a aumentos de concentrações de nutrientes nas águas, provocados por atividades humanas (agricultura e urbanização, conforme descrito anteriormente) (Jabobs et al., 2001).

No decorrer dos próximos 100 anos, modelos climáticos sugerem que as temperaturas mais quentes têm grande probabilidade de provocar maior variabilidade climática e aumento dos riscos de eventos hidrológicos extremos, ou seja, enchentes e secas. Talvez o impacto mais significativo será a alteração na periodicidade do escoamento em bacias hidrográficas, com grandes quantidades de neve durante os invernos e temperaturas mais altas no verão, o que provocará um aumento da relação entre neve e chuva, com o escoamento mais rápido da água proveniente do derretimento da neve e a perda mais precoce da cobertura de neve. Muitas regiões poderão experimentar um aumento na intensidade de episódios de precipitação, que provavelmente resultarão em um aumento da sedimentação e da lixiviação de resíduos sólidos da mineração, entre outros contaminantes. Contudo, em áreas onde as projeções mostram tendência de clima mais seco, este aumento da intensidade será compensado por uma redução na frequência de episódios de precipitação (Meehl et al., 2007). É provável que um aumento das condições de seca nessas regiões provoque a concentração de poluentes e crescente escassez de água.

Nas regiões que experimentarão aumentos de

precipitação, maiores volumes de água de escoamento superficial apresentarão desafios próprios para a

qualidade da água. Os poluentes associados a atividades humanas, inclusive agrotóxicos, metais pesados e matéria orgânica, poderão escoar com maior rapidez para as águas superficiais, não deixando tempo suficiente para a filtração natural e a infiltração de águas superficiais para as águas subterrâneas (Kundzewicz et al., 2007). Contudo, em algumas regiões, estes mesmos aumentos dos fluxos poderão servir para diluir os contaminantes, assim melhorando a qualidade da água (Carr e Neary, 2008). Ademais, com o aquecimento global, as florestas e a agricultura tenderão a migrar para o norte, ampliando as cargas poluentes e de nutrientes nos ecossistemas aquáticos das regiões mais setentrionais. Assim, não apenas haverá aumento de poluição, mas – com volumes potencialmente menores para efetuar a diluição – os poluentes poderão se tornar mais concentrados.

O aumento de incidências de episódios de enchentes em consequência de chuvas torrenciais, aliado a tempestades intensificadas pela elevação do nível do mar causada por mudanças climáticas, poderá afetar a qualidade da água, sobrecarregando infraestruturas como redes de águas pluviais, sistemas efluentes, estações de tratamento, barragens de contenção de resíduos de mineração e aterros sanitários, assim ampliando os riscos de contaminação (Jacobs et al., 2001). Os eventos extremos de precipitação pluviométrica também aumentarão as ameaças apresentadas por doenças transmitidas pela água (Confalonieri et al., 2007), uma vez que água parada tende a se tornar foco de reprodução de insetos vetores de doenças e de agentes microbianos patogênicos (Carr e Neary, 2008). Muitas doenças diarreicas, como aquelas causadas por vibrião colérico,

Cryptosporidium sp, Escherichia coli, Giardia sp, Shigella sp, Salmonella sp, e por vírus da hepatite,

alcançam sua virulência máxima durante as estações chuvosas (OMS, 2009). Ademais, as estiagens também podem aumentar os riscos de doenças diarreicas (OMS, 2009): as áreas que convivem com falta de água ficam mais expostas aos riscos apresentados pelas doenças diarreicas e outras enfermidades relacionadas à água, porque os parcos recursos hídricos carecem de capacidade de diluir contaminantes e esgotos e, em consequência, as concentrações de agentes patogênicos aumentam (Confalonieri et al., 2007). Essa preocupação é maior nos países em desenvolvimento, onde a qualidade da água é baixa devido à falta de saneamento (Kundzewicz et al., 2007).

Variações na precipitação também afetam os níveis de salinidade da água superficial. Um aumento das chuvas ou do escoamento provavelmente levará a uma redução dos níveis de salinidade, especialmente no inverno, ao passo que uma diminuição dos níveis de precipitação e temperaturas mais elevadas durante o verão poderão causar aumento dos níveis de salinidade (Jacobs et al., 2001). Em consequência, as regiões semiáridas acometidas por uma diminuição do escoamento superficial serão altamente impactadas pela salinização (Jacobs et al., 2001). Exacerbando o problema nessas regiões, as atividades humanas, tais como aumento da cobertura da irrigação, voltadas ao combate dos efeitos de climas mais quentes e secos, poderão agravar ainda mais a salinização (Confalonieri et al., 2007).

As regiões costeiras, especialmente as pequenas ilhas, serão especialmente impactadas pelo aumento da salinização. Caso os fluxos de águas superficiais que deságuam no oceano – tais como os estuários e baías – diminuam, mais água salgada do oceano poderá penetrar trechos a montante (Kundzewicz et al., 2007). A qualidade das águas subterrâneas também poderá ser afetada pela

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salinização. O bombeamento de águas subterrâneas de aquíferos costeiros, quando ampliado para atender às populações crescentes e às demandas do desenvolvimento, pode implicar redução da recarga do aquífero, assim facilitando a entrada de água salgada do mar no lençol freático. O aumento do nível do mar também acelerará a intrusão da água do mar nos aquíferos costeiros, afetando os ecossistemas costeiros e as fontes de abastecimento de água potável (Jacobs et al., 2001, Burns, 2002).

Foram poucas as pesquisas realizadas para identificar os parâmetros mais relevantes da qualidade da água e dos ecossistemas, à luz dos impactos da mudança climática (Albert, 2008) ou para entender as ligações entre os impactos da mudança climática e outros fatores de estresse. É importante que estes dados sejam coletados agora, para que possam servir de

linhas de base para a medição de ações empreendidas, assegurando que esforços de adaptação sejam

fundamentados em dados de qualidade.

Por último, a qualidade da água será afetada tanto positivamente quanto negativamente por decisões tomadas pelas nossas sociedades, face à mudança climática. Decisões de gestão da água, inclusive as que se referem à construção de grandes barragens hidroelétricas e ao reaproveitamento de águas servidas na agricultura, afetarão a qualidade da água em nível local e regional para usos ecossistêmicos e para o bem-estar do ser humano. Em vista da escassez de fontes de água, associada ao aumento da utilização humana, surge a necessidade de implementar a gestão da alocação da água, o que, muitas vezes, exigirá maior grau de gestão e de colaboração transfronteiriça.

No documento 003 Cuidando das aguas Parte I (páginas 34-36)

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