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4.2 VALORES EXPOSTOS E SUPOSIÇÕES BÁSICAS

4.2.2 Valores e suposições básicas relacionadas às compras

4.2.2.2 A culpa é do setor de compras

Segundo E12, o desperdício ocasionado pela compra de materiais de baixa

qualidade ocorre pela dificuldade do setor de licitações em comprar algo muito especificado, como explicitado a seguir.

[...] quando a gente quer comprar algo de qualidade, a gente é chato. Um processo meu demorou um ano para ser comprado [...] não era permanente, era consumo [...] porque eu pedia amostra, porque eu recusava, porque eu fazia isso, porque eu especificava demais. Então, assim, a gente tem uma cultura aqui que você tem que comprar assim [...] bota. Quanto mais genérico você colocar, melhor. Porque eles compram rápido.

A verbalização de E12 deixa transparecer uma relação com baixa sintonia e harmonia

entre os setores que fazem os pedidos de compras de materiais e equipamentos, e aqueles que realizam as licitações.

Seguindo essa linha de raciocínio, E7 também relatou sua dificuldade em comprar

material com especificações diferentes do usual, dizendo que

[...] nem sempre a especificação garante uma boa compra. Teve uma vez que eu pedi para comprar papel A4 90g, que era para poder imprimir histórico escolar. Não compraram, porque era mais caro, e ia gastar mais [...] nem foi pedido. Não existe a avaliação do custo benefício.

Outro valor exposto que pode ser relacionado com o artefato de desperdício “material de consumo”, e que aponta como causa problemas oriundos das compras da universidade, é referente ao “medo de faltar material”. Em uma das entrevistas, o grupo relatou que sempre pediam material a mais do que precisavam. Sobre isso, E8

relatou que “o pedido anual do ano passado ainda não chegou!”, e E12 completou

afirmando que “você tem prazo para pedir. Acaba tendo um grande trabalho para fazer o levantamento [...] e cadê?! Você não recebe! Então é também um problema relacionado à compras”.

Ainda em relação à questão do medo de faltar, E9 relata sua experiência: “Quando

eu entrei na Ufes, a diretora do setor comprava muito papel higiênico e lâmpada, por medo de faltar. Tinha uma sala de aula lotada de papel higiênico. Era papel até o teto!”, o que foi complementado por E6 ao afirmar que “compra-se além da

necessidade”.

Segundo Rodrigues (2015, p. 47) um dos desperdícios mais frequentes no São Camilo e no Instituto de Oncologia do Vale foi – Materiais, armazenagem e movimentação, pois

O item com pior concordância refere-se ao estoque de materiais e de próteses de alto custo gerados por compras em momentos muito anteriores aos de sua utilização, indicando uma necessidade de reavaliar a política de estoques do Hospital. A aquisição de materiais e equipamentos sem necessidade real de uso gera gastos de armazenagem, necessidade de espaço para estoque e, por vezes, desperdício de produtos em razão do prazo de validade vencido.

Outra questão associada ao desperdício em “dinheiro / compras” apontada pelos TAEs, e que está diretamente ligada à demora na entrega dos pedidos, diz respeito ao fato de as compras de certos materiais ocorrerem apenas uma vez ao ano.

Segundo eles, esse intervalo de tempo longo entre uma compra e outra dificulta o dimensionamento dos pedidos, fazendo com que surjam frequentes distorções entre a oferta e a demanda de alguns itens. Percebe-se, então, que a questão do intervalo entre as compras estabelece também uma relação direta com o medo de faltar materiais.

Em relação a esse aspecto Rodrigues (2015, p. 48) encontrou no cotidiano dos hospitais pesquisados que não é raro ocorrer desperdício “[...] de medicação em razão de variados motivos, como demora na entrega, atraso de pagamento ou planejamento inadequado da compra”, indicando que o controle de estoques do Hospital ainda não é bem estruturado.

Sobre a importância das licitações para a universidade, E6 destacou que

A licitação é um setor crítico para a universidade. Ela pode fazer a universidade funcionar muito bem, ou ela pode parar a universidade. Então você precisa ter uma equipe muito boa, muito bem qualificada, que entenda muito de licitação, e rotativa, porque é um trabalho extremamente estressante. [...] A licitação precisa ser vista como um setor estratégico. Ter uma equipe de alto nível, pessoas com muito conhecimento de lei, com formação jurídica, com formação econômica, com formação contábil, porque não é uma coisa tão simples assim, e, uma equipe rotativa.

Apesar de E6 não criticar explicitamente o setor de compras da Ufes, é possível

perceber em sua verbalização que, pelo seu ponto de vista, o setor de compras não recebe a atenção que deveria, nem como um setor estratégico para a universidade e nem com o direcionamento de pessoal qualificado para a tarefa.

Em relação ao tema, Carvalho (2007, p. 120) afirma que as licitações ainda utilizam um modelo administrativo baseado na burocracia weberiana que, passou a apresentar vícios, pois “as decisões ficaram bastante restritas e com controles burocráticos excessivos, privilegiando o controle de processos ao invés do controle de resultados”.

De acordo com Rosilho (2011), a Lei nº 8.666/1993 que trata da regulamentação das licitações e contratos, acabou enviesada pelo que o autor denominou de “superlegalização”, de tão detalhados e rígidos que são os procedimentos, não permitindo ao pessoal do setor de compras, nenhuma margem de “discricionariedade”, mesmo quando a eles ficam claras situações nas quais a melhor aquisição não é alcançada pela lei supra citadas.

Para Tassabehji e Moorhouse (2008) no setor privado o segmento responsável pelas compras passou por um processo de evolução, saindo de uma posição subalterna e submissa, e hoje, seus responsáveis, compõem o quadro daqueles que formulam as estratégias da organização. Nesse sentido, afirma Motta (2010, p. 30) que “a função de Compras e Suprimentos passa a ter acesso direto à alta gerência, facilitando o fluxo de informações, o que implica maior agilidade e qualidade de sua atuação”.

Ainda segundo Motta (2010) quatro pontos se fazem presentes neste setor, que são: as fiscalizações constantes por parte do Tribunal de Contas da União dentro de um rigor exagerado; a inibição da adoção de procedimentos inovadores; o risco percebido pelos servidores quanto ao exercício da função e, o fato de não existir possibilidade de se criar uma carreira estruturada, no setor público, para atrair novos profissionais.

A relação entre os valores destacados anteriormente, representados pelos códigos F, G, I, J e K, no Quadro X, sugerem a presença de uma segunda suposição

básica agindo na cultura da Ufes que pode ser traduzida como a culpa é do setor de compras.