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Consoante já exposto, a culpabilidade, em virtude da divergência entre as correntes bipartida e tripartida do delito, constitui um pressuposto da aplicação da pena para alguns e para outros um requisito do crime. A maioria da doutrina nacional conceitua culpabilidade como “o juízo de reprovação que recai sobre o autor culpado por um fato típico e antijurídico.” (ESTEFAM, 2017, p. 298).

No entendimento de Nucci (2019a):

Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito (teoria normativa pura, proveniente do finalismo).

Esse juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre o indivíduo que tenha praticado um fato típico e ilícito, é traduzido por Capez (2018, p. 401-402) como a “possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal.” O Direito Penal da antiguidade baseava-se na responsabilidade objetiva, sopesando apenas a produção do resultado. Hodiernamente, com a vigência do princípio da culpabilidade, correspondente à máxima nullum crimen sine culpa, o qual estipula que não há crime sem culpabilidade, tal forma de responsabilização foi praticamente suprimida do ordenamento jurídico (BITENCOURT, 2019, p. 69).

Conforme explicação de Mirabete e Fabbrini (2009, p. 81, grifo dos autores):

As palavras culpa e culpado têm sentido lexical comum de indicar que uma pessoa é responsável por uma falta, uma transgressão, ou seja, por ter praticado um ato condenável. Somos “culpados” de nossas más ações, de termos causado um dano, uma lesão. Esse resultado lesivo, entretanto, só pode ser atribuído a quem lhe deu causa se essa pessoa pudesse ter procedido de outra forma, se pudesse com seu comportamento ter evitado a lesão.

Ao longo dos anos, diante das fartas discussões relacionadas às características das infrações penais, a culpabilidade foi objeto de várias teorias, das quais destacam-se a Psicológica, Psicológico-Normativa e Normativa Pura.

A Teoria Psicológica encontra fundamento na Teoria Clássica do Delito, já que esta sedimentou a compreensão de que não haveria crime sem culpabilidade. Sob essa concepção, o dolo e a culpa são espécies de culpabilidade, a qual atua como “mero vínculo psicológico entre autor e fato.” (ESTEFAM, 2017, p. 298).

Com a Teoria Psicológico-Normativa, passou-se a considerar o dolo e a culpa como elementos da culpabilidade, não mais como espécies, atraindo a necessidade de um juízo de censura sobre a conduta (MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 182). Essa teoria inclui, ainda, a imputabilidade como um terceiro elemento, de forma que a culpabilidade só seria verificada caso o agente, na condição de imputável, agisse com culpa ou dolo e fosse possível exigir dele comportamento diverso (ESTEFAM, 2017, p. 298).

Diante do avanço da concepção finalista, o dolo e a culpa passaram a integrar a própria tipicidade. Assim, a Teoria Normativa Pura trouxe a interpretação de que a culpabilidade possui os seguintes elementos: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa (ANDREUCCI, 2019, p. 135).

3.4.1 Elementos da culpabilidade

Seguindo a Teoria Normativa Pura, como já visto, tem-se que a culpabilidade é constituída pela imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do fato e exigibilidade de conduta diversa.

Nas palavras de Ishida (2015, p. 155, grifo do autor), a imputabilidade consiste na capacidade de “entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.” No mesmo rumo, Santics (2014) conceitua como a capacidade “de compreensão do ato e de livremente querer praticá-lo.”

Motta e Villas Bôas (2014) justificam essa definição pela interpretação a contrario sensu do conceito de inimputável, trazido pelo Código Penal em seu art. 26, caput, nos seguintes termos:

É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 1940, grifo nosso).

A imputabilidade penal depende da observação de dois aspectos, o intelectivo e o volitivo. O primeiro tem a finalidade de atestar a integridade biopsíquica do indivíduo, ou seja, que tem plena saúde mental para entender a ilicitude do fato. O segundo, por sua vez, diz respeito ao domínio da vontade do agente, tornando-o capaz de controlar e comandar seus impulsos para que, além de entender a ilicitude do fato, possa determinar-se de acordo com esse entendimento (MASSON, 2019).

O elemento posterior, a potencial consciência da ilicitude do fato, é visto por Brandão (2010, p. 236) como “o conhecimento da significação ilícita do comportamento, é, portanto, o conhecimento do desvalor jurídico da ação.” Bitencourt (2019, p. 469) ressalta que a reprovabilidade de uma conduta pelo direito depende que o autor “conheça ou possa conhecer as circunstâncias que pertencem ao tipo e à ilicitude.”

No mesmo rumo, Masson (2019, grifo nosso) aduz que:

A aplicação da pena ao autor de uma infração penal somente é justa e legítima quando ele, no momento da conduta, era dotado ao menos da possibilidade de compreender o caráter ilícito do fato praticado. Exige-se, pois, tivesse o autor o conhecimento, ou, no mínimo, a potencialidade de entender o aspecto criminoso do seu comportamento, isto é, os aspectos relativos ao tipo penal e à ilicitude.

Ressalta-se que o grau de compreensão quanto à ilicitude não pode ser exigido no mesmo nível indistintamente a todas as pessoas, eis que o esforço para essa assimilação é diferenciado para cada indivíduo, bem como a influência das circunstâncias pessoais e sociais. Assim sendo, é certo dizer que a reprovabilidade é modulada de acordo com o esforço necessário para internalização da norma, ao passo que este aumenta, a reprovabilidade diminui (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2019).

Oportuno salientar que a falta de consciência da ilicitude não tem ligação com o desconhecimento da lei (art. 21 do CP), pois este é inescusável e apenas indica a ausência de compreensão da norma, enquanto aquela implica na insciência de que determinada conduta é proibida (ESTEFAM; GONÇALVES, 2018, p. 448).

Por último, a exigibilidade de conduta diversa refere-se à possibilidade que o agente tinha de, respeitadas as suas condições pessoais, agir de modo diverso no momento da ação ou da omissão, seguindo os ditames legais a fim de evitar a consumação do delito (GRECO, 2015, p. 466-467).

A reprovabilidade da conduta só se verifica quando, em condições normais, o agente realiza um comportamento proibido, mesmo tendo a opção de agir de acordo com a ordem jurídica (JESUS, 2014, p. 523). Essa concepção encontra-se ancorada no livre-arbítrio, de modo que “se deve punir alguém quando o ilícito resultou em uma livre opção; sem esta liberdade de escolha entre agir ou não agir criminosamente, não será justo aplicar a pena criminal.” (ESTEFAM; GONÇALVES, 2018, p. 448).

Com as considerações essenciais acerca da culpabilidade, nos cabe discorrer acerca da imputabilidade penal.

3.4.2 Inimputabilidade, imputabilidade e semi-imputabilidade

A inimputabilidade é verificada quando uma das causas de exclusão da imputabilidade se faz presente, sendo possível, então, conceituar como inimputáveis aqueles que não possuem a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BARROS; CINTRA, 2016, p. 120).

O Código Penal apresenta as seguintes hipóteses como causas de

inimputabilidade: a doença mental e o desenvolvimento mental incompleto ou

retardado (art. 26), a menoridade (art. 27) e a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior (art. 28, §1º) (BRASIL, 1940).

Quanto à doença mental, Masson (2019) tece as seguintes considerações:

A expressão doença mental deve ser interpretada em sentido amplo, englobando os problemas patológicos e também os de origem toxicológica. Ingressam nesse rol (doença mental) todas as alterações mentais ou psíquicas que suprimem do ser humano a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. A doença mental pode ser permanente ou transitória, como é o caso do delírio febril. Deve, contudo, existir ao tempo da prática da conduta para acarretar no afastamento da imputabilidade.

Para Fragoso (2006, p. 246, grifo do autor), desenvolvimento mental incompleto ou retardado “é a expressão que compreende principalmente os oligofrênicos (idiotas, imbecis e débeis mentais), que apresentam anomalias do

desenvolvimento mental.” O autor inclui nessa categoria os surdos-mudos que não foram educados e os silvícolas (indígenas), acrescentando que para os últimos “só impropriamente se pode dizer que tenham desenvolvimento mental incompleto.”

Os menores de 18 anos são considerados inimputáveis por força de lei, por mero critério biológico, ou seja, mesmo que tenham capacidade para entender a ilicitude do fato e de determinar-se de acordo com as normas, a inimputabilidade será a regra. Nessa hipótese, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é aplicado ao caso concreto (MALHEIRO; BINA, 2015, p. 137).

A embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, resume- se aos casos em que ocorreu de forma acidental, isto é, o agente não desejou e não previu a situação, ocasionando a total incapacidade de entender a ilicitude da conduta e de agir conforme o regramento jurídico (MALHEIRO, BINA, 2015, p. 141).

Semi-imputabilidade ou responsabilidade diminuída, por outro lado, é a

condição prevista no parágrafo único do art. 26 do Código Penal, o qual aduz que o indivíduo “é imputável e responsável por ter alguma consciência da ilicitude da conduta, mas é reduzida a sanção por ter agido com culpabilidade diminuída em consequência de suas condições pessoais.” (MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 199).

Segundo Fragoso, “se a anomalia mental não exclui, mas apenas reduz a capacidade de entender o ilícito ou de se determinar segundo tal entendimento, a imputabilidade é diminuída. O que se reduz, em tais casos, é a capacidade de culpa.” (FRAGOSO, 2006, p. 248, grifo do autor).

Assim, tem-se que o semi-imputável figura como fronteiriço entre o inimputável, que não possui a capacidade de entender o caráter ilícito e de determinar- se de acordo com esse entendimento, e o imputável que, ao contrário, possui capacidade plena.

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