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CAPITULO 1. 25 DE DEZEMBRO: SIMBOLISMOS E APROXIMAÇÕES ENTRE

1.7. O Culto das Sementes, a Morte e o Solstício de Inverno

Um dos panos de fundo do Solstício de Inverno, é recordado no mito grego, com a presença do Sol, e a construção de mitos correlatos neste período. O inverno no qual o mundo está imerso, constitui entre os gregos, um período que alicerça um complexo mitologema, ligado a duas deusas: Deméter, deusa da agricultura e sua única filha, Perséfone, chamada ainda de Prosérpina ou Core. Hesíodo escreve, esclarecendo o início deste episódio, com as divindades, com as seguintes palavras: “Também foi ao leito de Deméter nutriz, que pariu Perséfone de alvos braços. Edoneu (Hades – grifo nosso) raptou-a de sua mãe, por dádiva do sábio Zeus”. (HESÍODO, 1992. p. 157).

O mito mais „canônico‟ neste relacionamento que se tornará problemático, entre tio e sobrinha, afirma que: “enquanto Prosérpina se diverte naquele bosque, colhendo violetas ou lírios brancos, (...) quase no mesmo momento foi vista, amada e raptada por Plutão” (OVÍDIO, 1983, p. 95). Recorda este autor, que a relação conturbada entre Hades e a sobrinha, se deveu às maquinações entre os deuses Afrodite e Eros, provocando uma paixão desmedida do deus dos mortos pela jovem deusa. Conta o poeta, o diálogo entre a deusa do amor, instigando seu filho Eros: “a filha de Ceres, também, permanecerá virgem, se permitirmos: eis que acalenta a mesma esperança. Tu, porém, em prol deste reinado que exercemos juntos, se te mereço consideração, une a deusa a seu tio paterno” (OVÍDIO, 1983, p. 95).

Após as palavras de Afrodite, com suas flechas de desejo, Eros acerta Hades, mas não Perséfone, provocando um estado de desejo desigual entre ambos. Ferido de amor, mas sem ser correspondido, após diplomacias sem sucesso com os irmãos, pai e mãe da deusa

pretendida, Zeus e Deméter, e que estavam sendo devidamente procrastinadas, o deus dos mortos perde a paciência, e recorre ao rapto simples para ficar com a amada. Percebendo o desaparecimento, a deusa da agricultura procura a filha em vão, até que descobre a verdade: a busca de Deméter pelo mundo, em busca da filha, é a fonte principal para a constituição dos

Mistérios de Elêusis – um dos rituais sagrados mais secretos na antiguidade grega.

Em sua busca, outros elementos míticos se desentrelaçam e se complementam. Num dado momento, no conto, Hélios, surge, e é normalmente considerado, o denunciador do rapto de Perséfone, ainda que outras tradições falem da ninfa Aretusa, que metamorfoseada numa fonte e tendo suas águas chegando ao mundo subterrâneo, testemunha o ocorrido entre Hades e Core, conforme lê-se em Thomas Bulfinch; vendo a desesperada busca de Deméter, revela o aconteceu à deusa: “Ao passar pelas camadas inferiores da terra, vi sua Prosérpina . Ela estava triste, mas já não refletia susto em sua fisionomia. Seu aspecto era o de uma rainha: a rainha do Érebo; a poderosa esposa do monarca do reino dos mortos”.(BULFINCH. 1999, p. 72).

Em relação ao que se encontra sobre Hélios, haver denunciado, a razão é relativamente simples: o astro ilumina tudo que ocultamente pode ser realizado, diferente das trevas; do alto, Hélios testemunha o ocorrido, e é normalmente, quem denuncia certos ilícitos e segredos no mito (é graças a ele, que Hefestos descobre a traição que sofria da deusa Afrodite e do deus da guerra, Ares).

Sobre a participação do Sol no episódio do rapto, afirma Jean-Pierre Vernant, “que não que Hélios seja onisciente no sentido próprio; mas seu olho redondo sempre aberto no alto do céu faz dele uma testemunha infalível”. (VERNANT, 1992, p. 98). Mas pela própria dinâmica das culturas, e dos tempos que se desenrolam, os personagens envolvidos na trama mitológica podem mudar, e no caso comentado, deus titânida alterna a presença nos contos ligados ao período de desaparecimento de Perséfone, com Apolo, que não surge como denunciador; este é o deus, que enfrenta o manto invernal provocado pela tristeza da deusa da agricultura, durante o período em que Perséfone precisa passar no mundo inferior; o período do Solstício de Inverno.

Apolo, demonstra ser um personagem mítico mais maduro, que seu tio titã. A mudança de atores no conto mítico, não se constitui um problema, como poderia se imaginar: eles não padecem de determinados cânones, que poderiam colocá-los em contradição, uma vez que não sofrem de uma relação de linearidade que os poderia limitar. Como foi lembrado em Apuleio, os deuses transitam tranquilamente, entre as personificações, hipóstases e lugares, muito mais do que poder-se imaginar, e em relação à mudança do personagem solar,

no mito da chegada do inverno, e do Solstício de Inverno, quer seja Hélios ou Apolo, Coulanges lembra:

“é que o mesmo agente físico, visto sob aspectos diversos, recebeu dos homens, nomes diferentes. E assim, o Sol, por exemplo, foi chamado aqui, Héracles (o glorioso); ali, Febo (o brilhante) e, mais além, Apolo (o que afasta a noite ou o mal); certo homem adora-o como Ser Superior (Hipérion), outro já o chama compassivo (Alexícacos)”. (COULANGES, 1975, p. 98).

Excluindo uma aparente simplificação, que o historiador comete, na etimologia de Apolo, recorda-se que a presença universal de um determinado elemento, como a noite, o dia, e outros fenômenos cósmicos, atende uma unidade, ao lado das suas especificidades e de singularidades, sejam históricas, sociais e até geográficas. E o enfrentamento por Apolo, ao céu invernal, pode-se afirmar que, ainda que não há estação mais conflitante com o Sol, do que o inverno. Assim, ainda que o mito recorde-se de modo mais ingênuo, a polaridade entre o calor solar e o frio, a neve e a fuga ou a morte cíclica da natureza, haveria de forma imediata, uma clara confrontação entre os elementos, a oposição entre o calor e vida e o frio e a morte. Um confronto mais dramático.

Deméter, com toda trama finalmente compreendida, ameaça matar os mortais de fome, se a filha não lhe fosse restituída; Zeus temeroso pelas ameaças, obriga o irmão mais novo a devolver Perséfone, ao convívio da mãe, mas não sem que este imagine um estratagema para mantê-la junto a si, comentado por Alexandre Solnik: “no momento de partir, o soturno marido, como se estivesse homenageando-a com um ato de gentileza, ofereceu-lhe uma fruta, que a jovem aceitou e comeu. Depois deixou o reino das sombras. Não sabia da regra: quem comesse qualquer coisa no Tártaro, devia sempre retornar” (SOLNIK, 1973, p. 96). Descobrindo Deméter, que a filha inadvertidamente, havia comido um pedaço de romã, a deusa relata o que estava nos fados: “Deverás voltar todos os anos embaixo da terra para ai passares um terço dos teus dias, enquanto as outras duas partes, pertencerão à mim e à corte dos deuses” (SOLNIK, 1973, p. 96). E Ovídio recorda:

“Júpiter, porém, hesitando entre o irmão e a triste irmã, divide igualmente o curso do ano; a partir de então, a deusa, divindade comum aos dois reinos, passa em companhia da mãe o mesmo número de meses que passa em companhia do esposo. Imediatamente se transformam sua aparência, sua mente e sua fisionomia: eis que a fronte da deusa, cuja tristeza podia ser notada há pouco até por Plutão, se alegra agora, como o Sol que, oculto antes pelas nuvens chuvosas, sai vencedor do meio dessas nuvens”. (OVÍDIO, 1983, p. 99).

O inverno é o período do retorno de Perséfone para embaixo da superfície, e o branco da neve que cobre as árvores e o chão, transforma-se na cor do luto simbólico de Deméter, por não mais poder dividir com a filha, seu tempo absoluto; assim, o mito entre outros aspectos, demonstra a morte das sementes, da qual todas as divindades agrárias estavam submetidas, e sendo Perséfone uma divindade que possivelmente, cedeu à chegada do culto, de sua mãe mítica e externaliza, a idéia de vida e morte cíclica, nos cultos da terra, sua personagem se comporta como a semente, que uma vez caída e desaparecida, retorna após um período de latência, como broto pronto para reiniciar o ciclo de vida – precisando neste momento, da participação do deus dos mortos, mesmo que haja a promessa de retorno, mas de fato, é uma promessa.

A semente caída, não necessariamente vinga. Ou seja, a morte espreita a vida, ainda em semente. Lembra Solnik, que Hades, era chamado de “Polydektes ou Polydégmon, „o que acolhe muitos hóspedes‟ (os mortos); Agesilaos „o que reúne os povos‟; Isodaítes, „aquele que dá a cada um o que lhe pertence‟”. (SOLNIK, 1973, p. 98), e como afirma Bulfinch: “Prosérpina representa a semente de trigo, que, quando enterrada no chão, ali fica escondida, isto é, levada pelo deus do mundo subterrâneo. Depois, reaparece, isto é, Prosérpina é restituída a sua mãe. A Primavera a faz voltar a luz do dia” (BULFINCH, 1999, p. 73). E a respeito do envolvimento de Hades no episódio, comenta ainda Solnik, que,

“(...) embora suas funções se refiram a morte e destruição, ele também apresenta uma faceta benéfica. É Hades quem propicia o desenvolvimento das sementes, enterradas nos limites de seus domínios, e favorece a produtividade dos campos. Por esta razão, os romanos chamavam-no de Plutão, „aquele que dá abundância‟. Na cidade de Libadéia, na Beócia, invocavam-no com como Trophonios, „o que torna a terra mais fértil”. (SOLNIK, 1973, p. 98).

A condição de alternância, com a presença da finitude, encontrada nos ciclos das estações, de forma particular, fica mais evidente no inverno, onde a natureza caída e coberta de gelo, parecia duplamente morta. Escreve Campbell que: “a idéia da terra como mãe e a do sepultamento como retorno do útero para renascer, parece ter sido sustentada por algumas comunidades da espécie humana em uma época extremamente remota”. (CAMPBELL, 1992, p. 66). Como no mito grego, o Universo se sustenta no equilíbrio promovido pelo governo dos Olímpicos, diferentemente do período caótico encabeçado pelos Titãs, e um deus em nome da ordem cósmica, não poder desfazer o que ele ou outro realizava, (Ovídio faz a seguinte ressalva: “(...) já que não é lícito a um deus desfazer a obra de outro (...)”. (OVÍDIO, 1983, p. 57), o luminoso Apolo, mesmo diante da dor da divindade agrária, não tem autoridade em

desprezar a ação de Deméter ou de obstaculá-la. Ele enfrenta a situação de outro modo, como luz que era, permanecendo um pouco mais de tempo no horizonte, durante o período invernal do Solstício, até que em nome da mesma ordem, retorne ao seu curso natural para o ocaso, e ainda, como absoluto elemento ligado à vida na mítica grega, seu recolhimento possui o aspecto da pureza: não poderia compuscar-se com a nódoa da morte.

Até onde se pode perceber, há ainda um caráter mais geral entre os gregos, sobre o aspecto da existência e seu final, que pode alicerçar o mito de Deméter, Perséfone e Hades, acrescentando na situação, Hélios e Apolo, convergindo simbolicamente, o mito, para a morte humana e vencê-la – quando Deméter ameaça matar as pessoas de fome com a morte das sementes, há um claro apelo no conto, para um contexto cultural ligado à agricultura; para uma cultura caçadora-coletora, possivelmente, o aviso cairia no vazio – a morte que traria, seria a morte para o homem, não para outras criaturas em si.

Os aspectos sobre o morrer humano, encontram entre os gregos, modelos mítico- religiosos poucos unânimes, e o desejo principal pelo que se pode extrair de episódios relatados nos mitos, e em sua história de fato, possui a preocupação sim, com a vida, ainda que se perceba em determinados momentos, um pragmático receio da ausência de honras devidas no sepultamento, ocorrência comum em naufrágios ou combates, denotando fortes escrúpulos, considerado um crime pavoroso, não oferecer ao morto, sepultamento condigno.

Recordando o texto homérico, o herói Odisseu, estando no mundo dos mortos para consultar o espírito de Tirésias, para que este o orientasse sobre o seu retorno para Ítaca, encontra o espírito de um companheiro morto, Elpenor, que lhe faz esta recomendação: “Não te afastes deixando meu corpo sem lágrimas e sem sepultura, para que eu não suscite contra ti o ressentimento dos deuses”. (HOMERO, 2003, p. 144); mas a situação mais dramática na poesia grega, é encontrada durante o confronto entre os maiores heróis que se enfrentaram em Tróia, e inimigos irreconciliáveis: Aquiles e Heitor; este último, ferido de morte, se dirige ao filho de Peleu com o seguinte pedido: “por teus joelhos, tua vida, por teus genitores, suplico não consentires que, junto das naves, aos cães atirado seja meu corpo. Ouro e bronze abundantes, em resgate, recebe, quantos presentes meu pai te ofertar, minha mãe veneranda e restitui o cadáver, que possam em casa, os troianos e suas jovens esposas, à pira funerária entregá-lo”. (HOMERO, s.d., p. 338). A resposta de Aquiles, foi o oposto da sensatez e respeito, denotando um ataque psicológico impiedoso, ao inimigo vencido:

“Nem por meus joelhos, cachorro, por meus genitores supliques. Se em meu furor fosse, agora, eu levado a fazer-te em pedaços e crus os membros comer-te em vingança do que

me fizeste, com é impossível dos cães voradores livrar-te a cabeça! Ainda que aos pés me trouxessem dez vezes o preço ajustado ou vinte vezes até, com promessa de novos presentes; ainda que o velho Dardânida, Príamo, ordene que a peso de ouro se compre o cadáver, não há deem tua casa chorar-te como desejas, a mãe veneranda a quem deves a vida, mas como pasto serás para os cães e os abutres jogado”. (HOMERO, s.d., p. 338).

Pode-se afirmar, que a atenção com o sepultamento, não é uma questão grega ou latina. Obviamente não é. Os homens continuam sepultando os seus, com todos os elementos que podem ser pertinentes a sua importância à comunidade, independente de condições morais ou econômicas. Onde há o luto, a morte é cercada de ritualística. Se por outro lado, há uma possibilidade de entender o sepultamento, antes da formação das próprias culturas gregas, e que vai moldando o pensamento ocidental pelas eras, também é encontrado um cuidado, na forma como os povos mais antigos enterravam os seus entes. Citado por Brissaud, assim se expressa James:

“o cuidado que presidia o arranjo dos corpos, deixa poucas dúvidas a respeito de um culto dos mortos que se teria estabelecido firmemente no paleolítico médio (...) neste estágio, este ritual fúnebre, sem dúvida, não traduzia outra coisa além da crença numa sobrevivência que necessitasse do alimento e dos artefatos habituais na vida terrestre; não se pode conceber, evidentemente, mais nada”. (JAMES apud BRISSAUD, 1975, p. 78).

Há a idéia entre os helenos, que os mortos estão contados entre suas divindades. Na tragédia Alceste, de Eurípides, Coulanges recorda uma fala da peça: “Junto do teu túmulo o viandante parará e dirá: Aqui agora vive uma divindade ditosa”. (EURÍPIDES apud COULANGES, 1975, p. 17); na Odisséia, Circe alerta Odisseu sobre a consulta à alma de Tirésias, descrevendo as libações necessárias aos falecidos, com sacrifícios, como seriam oferecidos às divindades, com especificações, para que eles lhes sejam propícios: “(...) promete-lhes que, de regresso a Ítaca, lhes sacrificarás em teu palácio uma bezerra estéril, a mais bela da manada, sobre uma pira repleta de oferendas”. (HOMERO, 2003, p. 140). Sobre o legislador grego Sólon, assim escreve Plutarco: “também se elogia muito a lei de Sólon que proíbe dizer mal dos mortos. Efetivamente, quer a piedade que se vejam os falecidos como pessoas sagradas (...).” (PLUTARCO, 1991, p.192). A este respeito, comentam Eliade e Couliano: “o túmulo de um personagem ilustre transforma-se em heroon, centro de culto e lugar de onde emana o poder do herói, cujas relíquias mesmo transferidas para outro local, agem como talismãs para a comunidade que a possui”. (ELIADE, COULIANO, 1999, p. 165).

As opiniões sobre a vida após a morte, entre os gregos, demonstram uma grande flutuação, inclusive, sobre qual seria o nível de consciência, após a chegada ao mundo de Hades, ou o que seria morrer afinal. Platão, num discurso atribuído a Sócrates, na obra

Apologia de Sócrates, expressa: “com efeito, atenienses, recear a morte não passa de julgar ser sábio e não sê-lo, dado que significa pensar saber aquilo que não se sabe. E, em verdade, ninguém sabe se, por acaso, ela não seja o maior de todos os bens que podem ser dados ao homem e, contudo, receiam-na como se soubessem que ela é a maior das desgraças”. (PLATÃO, 2000, p. 81).

Tal situação, também é encontrada entre os latinos, povo que os gregos influenciaram e em muitos traços os copiaram. Fora da vida, a morte é um mistério. Um mistério incômodo e absoluto. O poeta Horácio, recordado por Dante Tringalli, escreve:

“Ah Póstumo! Póstumo! Os anos passam rápidos; não pode a piedade retardar as rugas da velhice perseguidora nem os passos da morte, ainda que imoles, cada dia, trezentos touros a Plutão inexorável, que cerca Tício e Geriao triforme com as águas do negro rio. Todos os que vivemos dos frutos da terra, havemos de atravessá-lo, quer sejamos ricos, quer sejamos pobres colonos”. (HORÁCIO apud TRINGALLI, s.d., p.74)

E é com tom melancólico, que o filósofo Sêneca, escreve após a morte de um irmão, onde tenta consolar a mãe, diante do desamparo da perda: “(...) mas ainda, conquanto folheasse todas as obras compostas pelos mais ilustres gênios para acalmar ou pelo menos aliviar as dores, não encontrava exemplo algum de alguém que tivesse consolado seus queridos enquanto ele mesmo era por eles consolado”. (EPICURO et. al., 1988, p.183). O escritor Scott, recorda alguns epitáfios latinos pagãos, que demonstram o sentimento diante da morte:

“Caius Julius Maximus, II anos e V meses (idade). Ó infortúnio implacável,

Que te deleitas em morte cruel, porque me foi arrancado Tão repentinamente,

Aquele que ultimamente Se reclinava no meu colo?

Esta pedra agora marca seu túmulo. Eis a sua mãe!”. (SCOTT, 1923, p. 86).

Como foi afirmado, não é tarefa apenas de Tánatos, o matar; os deuses importantes do panteão olímpico, matam de forma democrática, seja através da guerra ou da ação da hybris, de heróis e heroínas; consoante Brandão, hybris,“é tudo quanto ultrapassa a medida, o excesso, o descomedimento, a demesure, e em termos religiosos, onde a palavra é

abundantemente usada, hibris é uma violência, uma insolência, uma ultrapassagem de métron (medida em que o homem quer competir com o divino”. (BRANDÃO, 1993, p. 558).

Neste aspecto, no mito, Apolo se iguala aos seus pares; ele é o deus que livra os males noturnos, é o deus da medicina, mas mata sem piedade, quando considera necessário. A este respeito, Vernant lembra que, “os deuses não se contentam em se macular como os homens; eles reinam sobre as máculas, as distribuem. É o mesmo Apolo quem cura e é a causa de doença, quem purifica e macula”. (VERNANT, 1992, p. 110).

A deificação do Sol durante o período do Solstício de Inverno, passa por um outro aspecto de observação e de reflexão, diferenciada, diante do Cosmo, perante o miasma que a morte traz por onde passa; soma-se ao seu culto, o simbolismo aliado à forma literal, como o astro se mantém no horizonte por poucos minutos além do usual, o vencer a escuridão, seja em que instancia ela se apresentar.

No caso dos mitos gregos, possivelmente, a importância de tal simbolismo, se torna desnecessária nas concepções de vida após a morte, uma vez que não há luz nem salvação entre eles, dentro do aspecto de suas crenças. O Olimpo, não era morada de homens, e não se prestava a prêmios após a morte, favorecendo uma idéia de esperança após a morte, e consequente, segurança espiritual. Os heróis gregos, personagens constantes na mitologia, por sua vez, conseguem chegar aos mitos tanatológicos, uma vez que podem ser os libertadores dos homens do reinado da „indesejada de todos‟, em muitos aspectos, livrando pessoas e comunidades de perigos terríveis, promovendo em última instancia, a vida.

Entre os gregos, não há o que salvar após a vida, e que a morte seja recompensadora, com a ascensão do homem à morada da divindade, normalmente encontrada na maioria das míticas, recordando-se em particular, o cristianismo; em constantes períodos em sua cultura, a idéia sobre o mundo dos mortos, é de apatia e de quase impessoalidade; aliás, nem todos os deuses tem o privilégio de circularem pelo Olimpo – e apenas três heróis, entre inúmeros que podem ser recordados, dentre tantos o alcançam, mas por se transformarem em divindades: Ganimedes, Psiquê e Héracles. Em recorrentes períodos de sua história, os gregos revelam nos contos míticos, que desconheciam um lugar paradisíaco como fonte de delícia futura.

As idéias de vida após a morte, se relacionavam habitualmente, com as divindades subterrâneas; desde a chegada do falecido até a barca de Caronte, para ser transportado, até a presença dos três juízes supremos, Minos, Sarpédon e Radamanto, e o veredito final e irrevogável de Hades, após a avaliação da vida do morto: o Tártaro, para os impiedosos, ou os Campos Elísios, para a população em geral; no caso da flutuação das idéias sobre o mundo

pós-morte; ainda, segundo Eliade e Couliano, “depois da morte, a pessoa pode tornar-se alma

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