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PARTE 3 CULTURA CABOCLA PARAENSE E A ESCOLARIZAÇÃO MODERNA

3.1 CULTURA CABOCLA PARAENSE

Para tentar abranger, minimamente, as diversidades e riquezas da cultura cabocla paraense, propomo-nos, primeiro, estabelecer algumas definições do termo caboclo como base inicial. Segundo o dicionário online Aurélio, caboclo significa:

1. Nome que se dá no Brasil aos seres humanos indígenas, os de pele acobreada, geralmente mestiço, descendente de um ser humano branco e um ser humano indígena.

2. CABOCO: variação do termo caboclo 3. Aquele que tem cor acobreada.

Segundo Lima (1999), o termo caboclo assume outros significados quando se trata da representatividade do povo amazônico ou população amazônida.

O termo caboclo é amplamente utilizado na Amazônia brasileira como uma categoria de classificação social. É também usado na literatura acadêmica para fazer referência direta aos pequenos produtores rurais de ocupação histórica. No discurso coloquial, a definição da

categoria social caboclo é complexa, ambígua e está associada a um estereótipo negativo. Na antropologia, a definição de caboclos

como camponeses amazônicos é objetiva e distingue os habitantes tradicionais dos imigrantes recém-chegados de outras regiões do país. Ambas as acepções de caboclo, a coloquial e a acadêmica, constituem categorias de classificação social empregadas por pessoas que não se incluem na sua definição. (LIMA, 1999, p. 5 [grifos nossos]).

A definição, construída por Lima (1999), ao longo de seu estudo acerca das raízes e significados do termo caboclo, nos ajuda na compreensão do termo caboclo, no contexto da Amazônia brasileira, uma vez que, segundo a autora, apesar do termo caboclo, em linhas gerais, significar o resultado do cruzamento da raça branca

69 com a indígena, em nossa sociedade amazônica, assume um significado mais amplo que abrange – podemos dizer – uma classificação social, política, econômica e cultural. Em linhas gerais, contrapõe a elite branca à população pobre rural amazônica denominada cabocla. Em uma análise global, o termo caboclo está sempre relacionado ao que é inferior, segundo a visão dessa elite.

É interessante ressaltarmos que, apesar de ser um termo utilizado em outras regiões do Brasil, para denominar esses indivíduos que têm sua origem racial nas raças branca (europeia) e indígena, é na região amazônica que ele – o termo caboclo – é mais expressivo, caracterizando bem esse brasileiro dessa região. Isso, segundo Lima (1999), está intimamente ligado à história e às políticas de integração da Amazônia, que tinham, como objetivo principal, a extração das riquezas da floresta e um conhecimento íntimo de seu espaço geográfico. Para esse objetivo, o africano não era a melhor opção, e, sim, o índio, habitante e conhecedor da floresta.

A influência do português também foi maior na Amazônia. Devido a condições climáticas, bem como a oportunidades econômicas, imigrantes de outros países europeus preferiram se estabelecer no sul do Brasil. Em comparação com o nordeste e o sudeste, o número de escravos negros na Amazônia também foi pequeno, e a economia colonial, voltada para a extração de produtos florestais, dependia principalmente de trabalho indígena. (LIMA, 1999, p.6).

Entender como se construiu, historicamente, o termo caboclo como determinação social, política e cultural é de suma importância para compreender a sua importância enquanto cultura de resistência de um grupo social, dentro de uma sociedade moderna e capitalista norteada por princípios eurocêntricos de uma elite branca. Ao longo da história, se utilizou de uma pseudo-hegemonia racial e cultural para desvalorizar a cultura dos menos favorecidos e explorados.

Consideramos importante ressaltar que, segundo Lima (1999), em sua pesquisa, o termo cultura cabocla não é um termo que foi reconhecido enquanto identidade pelo grupo que a compõe. Esse grupo social apenas se reconhece como classe rural, economicamente desfavorecida, inferiorizada por uma elite econômica.

Os chamados caboclos, isto é, os pequenos produtores rurais amazônicos, não têm uma identidade coletiva, nem um termo alternativo e abrangente de autodenominação. A única categoria de

70 autodenominação comumente empregada por toda a população rural é a de ‗pobre‘. (LIMA, 1999, p. 8).

Essa ausência de identidade cultural, social e historicamente construída, pode ser entendida como a ausência de consciência de sua força de resistência enquanto produtora de uma riqueza cultural expressiva e diversificada da maior região do país. O processo de perda ou não consciência de sua identidade cultural, enquanto grupo, favorece a manutenção do poder nas mãos de uma elite exploradora que, ideologicamente, colabora para essa não consciência, de forma sistêmica, desvalorizando a cultura local produzida por esses grupos. Isso explica a luta de classes permanente no interior da sociedade amazônica, com peculiaridades culturais e regionais distintas das do restante do país.

Na região norte, em especial, os estados do Amazonas e Pará, mais especificamente, em suas respectivas capitais, Manaus e Belém, encontram-se a materialidade da história da ocupação e a imposição cultural europeia, em monumentos de arquitetura europeia – como os grandes teatros, palacetes, igrejas, ruas –, no sotaque e influência da língua, na culinária etc. Observa-se, ainda, a relação que é estabelecida com o que é cultura, esta ligada à de origem europeia e um esforço para sua preservação, enquanto o que diz respeito à cultura construída pelos grupos locais de origem indígena é visto como cultura rústica, não institucionalizada, sem registros, na maioria das vezes. Basta pensarmos que a história do Brasil passa, oficialmente, a existir, a partir da invasão europeia que registra tudo desde a sua chegada nesta terra, enquanto toda a cultura e história das populações indígenas - os donos, por direito, desta terra - são, intencionalmente, relegadas ao esquecimento. É oportuno ressaltar que cultura cabocla (cuja origem racial é indígena) é uma herdeira desse triste legado, sofrendo, além disso, por não ter o registro e valorização – isso foi intencional – de tudo o que dizia respeito à sua cultura e história.

Toda essa diversidade e riqueza produzida no interior da sociedade amazônida, em especial, a luta pelo reconhecimento da cultura cabocla como identidade cultural de um povo, pode ser encontrada no estado do Pará, na poesia das músicas do carimbó, importante símbolo de resistência do caboclo paraense,

71 bem como, na literatura romanesca semirrealista de Dalcídio Jurandir. Tanto a música do carimbó como os romances escritos por Jurandir são importantes instrumentos de denúncia contra uma sociedade classista, desigual e opressora dos menos favorecidos, que são a base motora capital dessa sociedade. Mas é necessário observar que, apesar do sofrimento que transparece nas relações entre opressor e oprimido, as narrativas de Dalcídio são carregadas de beleza, sutileza e muita poesia.

3.2 ESCOLARIZAÇÃO MODERNA, SILENCIAMENTO E REESCRITA DA CULTURA

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