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1. APONTAMENTOS SOBRE O CONCEITO DE CULTURA

1.3 CULTURA DAS MÍDIAS

Já abordamos a divisão em eras da comunicação proposta por Lúcia Santaella (2003), agora é possível acentuar a análise proposta pela autora sobre a cultura das mídias, uma era marcada pela transição entre a cultura de massa e a cultura digital. No entanto, Santaella deixa claro que tal transição não significa o desaparecimento sumário do movimento anterior, mas um entrelaçamento dos elementos constituintes de uma e de outra. Dessa mistura surge uma comunicação híbrida que reúne em si elementos marcantes da cultura de massas e, ao mesmo tempo, está carregada de certa customização de consumo.

É evidente que estamos falando de uma parcela bastante específica da população, uma vez que as condições socioeconômicas representam um fator

restritivo de acesso aos bens implicados. Não é possível desconsiderar que existia (e ainda existe) um fosso enorme entre as parcelas da população com condições financeiras de adquirir os equipamentos necessários e que dispunha de recursos para o aluguel dos filmes e aquela parcela que passou ao largo de todo o processo.

Vamos tomar como exemplo o surgimento das fitas de vídeo para uso doméstico, muito populares no Brasil no final dos anos 1980 e início dos 1990. O VHS (Video Home System) e o seu dispositivo de leitura (o videocassete) é um suporte magnético para sons e imagens em movimento que liberta, pela primeira vez na história, o espectador da programação da televisão e, do mesmo modo, através das locadoras de vídeo, leva o cinema para o interior da residência de forma muito mais contundente do que a televisão vinha fazendo até então. O VHS torna possível que o consumidor escolha não apenas a atração, mas o horário e as condições de sua exibição. Embora permaneça ligada a uma cultura de massa, deixa de ser massiva em relação ao consumo simultâneo e uniforme da mensagem. (SANTAELLA, 2003).

Castells (1999), ajuda a compreender a questão ao enumerar equipamentos surgidos no final dos anos 1980, que possibilitaram, por exemplo, que um jornal fosse produzido em determinada localidade e depois impresso em outras localidades, em edições parciais ou adaptadas à realidade do local de impressão, customizando e segmentando o jornal aos diferentes mercados consumidores. O autor cita também o walkman, equipamento que individualiza e oferece mobilidade ao ato de escutar música; a segmentação de estações de rádio visando fidelizar os ouvintes amantes de determinado gênero musical, e o videocassete que, além de permitir a escolha da atração, também permitia que o espectador gravasse a programação da TV para consumo posterior. Aqui reside um ponto importante para a nossa análise, uma vez que a capacidade de gravação dos equipamentos VHS favoreceu o surgimento de câmeras VHS de custo relativamente acessível, abrindo a possibilidade de registros pessoais e familiares em vídeo (antes restritos aos álbuns de fotografia). “Apesar de todos os limites desta autoprodução de imagens, tal prática realmente modificou o fluxo de mão única das imagens e reintegrou a experiência de vida e a tela” (CASTELLS, 1999, p 423).

Não demorou para que manifestações culturais surgissem em torno das novas possibilidades técnicas. O videoclipe é um exemplo utilizado por Santaella (2003) e por Castells (1999) neste sentido. Uma manifestação que não é exatamente nova, uma vez que já havia registro de imagens em movimento, associadas à música, utilizando, porém, a tecnologia do cinema (Yellow Submarine, The Beatles, em 1968 e Tommy, The Who4, em 1969 são dois bons exemplos). Com o surgimento e popularização do VHS, no entanto, o custo de produção cai, abrindo espaço para o surgimento de uma indústria especializada na produção deste tipo de conteúdo que, por sua vez, cria a demanda por canais de veiculação do produto. No Brasil é possível observar o surgimento de programas segmentados em canais abertos de televisão (ClipClip, estreou na programação da Rede Globo em 1984, no mesmo ano a Rede Bandeirantes colocava no ar o programa Super Special, ambos especializados em videoclipes). Em 1990, surge no país a MTV (Music Television), canal especializado na veiculação de videoclipes e com 100% da programação dirigida ao publico jovem. Tal segmentação vai aprofundar seus efeitos com a introdução da fibra ótica, tecnologia que viabiliza a televisão a cabo, espaço onde o consumidor tem a sua disposição uma grande quantidade de canais e um alto índice de segmentação: canais especializados em filmes de arte, canais voltados ao público infantil, canais com 24 horas de programas noticiosos ou jornalísticos, enfim, o consumidor passa a ter possibilidade de escolher (ainda que entre um determinado número de opções e, desde que tenha as condições socioeconômicas necessárias).

A argumentação acima concorda com o exposto anteriormente, a partir da articulação das ideias de Morin (1997). A indústria cultural depende do polo negativo para o seu funcionamento, este polo negativo é a novidade. A cultura das mídias, ao disponibilizar meios de produção e de customização do consumo, abre espaço para que a indústria cultural encampe a ideia e impulsione o processo.

Em contraponto, Santaella (2003) afirma que a cultura das mídias arrancou o consumidor da passividade total de receptores de mensagens, introduzindo uma

4 The Beatles e The Who são duas importantes bandas de rock surgidas entre os anos de 1950 e 1960 que marcaram a cultura jovem global com um sucesso que extrapolou as fronteiras da Europa e dos EUA e alcançou boa parcela do mundo ocidental e, em alguns casos o oriente.

dose de customização do tipo, forma e conteúdo das mensagens recebidas, um movimento que a autora classifica como preparatório para o ciclo seguinte, marcado pela introdução da tecnologia digital, onde a customização passa a ser a regra. (SANTAELLA, 2003, p 26).

Em síntese, a cultura das mídias é um ciclo marcado pelo surgimento de um grupo diferente de objetos, responsáveis por uma mudança na forma como as pessoas consumiam cultura e informação, seja customizando produtos da cultura de massa, seja abrindo espaço para o surgimento de novas manifestações ou ainda, segmentando o mercado de acordo com interesses pessoais. Os três movimentos, customização do consumo, surgimento de novas manifestações e a produção doméstica e individual estão intimamente ligados ao desenvolvimento da cultura digital e vão se aprofundar significativamente com a introdução da tecnologia digital.

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