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Capítulo III Cultural e Comportamento Social

3.2 Cultura e Sociedade

Vamos procurar apresentar a relação entre cultura e sociedade, uma vez que não pode existir cultura sem sociedade, ao mesmo tempo que esta última é um elemento fulcral para que os homens interajam uns com os outros. Gonzaga (2002) refere que, consequentemente, é forçoso admitir-se o caracter social da cultura. Como poderíamos pensar em hábitos, costumes, padronização de comportamento apenas a nível individual? São processos sociais. E continua

95 afirmando. É possível fazer uma distinção entre sociedade e cultura, entre o fenómeno social e o cultural. A propósito Davis, afirma:

“A cultura não pode existir sem pessoas a ela relacionadas e transmitindo-a a seus descendentes: sem a sociedade. Mas poderá a sociedade existir sem cultura?” (Davis, 1961: 40).

Como podemos constatar, torna-se necessário definirmos o conceito de sociedade, segundo Fichter (1972) “uma sociedade é o maior número de seres humanos que agem conjuntamente para satisfazer suas necessidades sociais e compartilham uma cultura comum” (p. 166).

A cultura mostra-nos como um determinado grupo social se adapta ao seu meio físico, social e ideológico. Por outras palavras, a cultura é a concepção de vida normalizada e estandatizada da sociedade.

A cultura e a consciência de grupo são dois elementos essências unificadores de qualquer sociedade humana e por eles se distingue esta de um simples agrupamento animal. Quando falamos de cultura referimo-nos efectivamente à concepção de vida de um grupo social particular.

A este respeito Mondin (1972) é da seguinte opinião:

Se bem que o homem seja o artífice principal da cultura, ele não o é enquanto indivíduo singular, mas sim enquanto membro de uma sociedade, graças a qual ele se realiza como pessoa e pode concorrer, sem graves riscos, à realização plena do projecto-homem. Desta feita, a cultura além de ser fenómeno humano, é também fenómeno social (p. 33).

96 Segundo Denys Cuche (s/d)as culturas não existem de forma independente, ou em «estado puro», uma vez que em contacto com o mundo exterior estão sujeitas a permeabilizações que se substanciam em processos de aculturação, mais ou menos explícitos. A cultura de um grupo é sempre um conjunto dinâmico, relativamente coerente e homogéneo, em que, “a aculturação é o conjunto de fenómenos que resultam de um contacto contínuo e directo entre grupos de indivíduos de culturas diferentes e que acarretam transformações dos modelos (patterns) culturais iniciais de um dos dois grupos” (Redfield, Linton & Herskovits, in Cuche, s/d, p. 85).

Outro dos conceitos especialmente úteis, para a reflexão que aqui se pretende realizar em relação à dimensão sociológica do conceito de cultura, é o conceito de socialização, ou seja, o processo de integração dos indivíduos na sociedade ou grupo particular em que está inserido, através da interiorização dos modelos culturais próprios dessas sociedades ou grupos (Martins, 2005). Desta forma se transmite e se dá continuidade à cultura ou subculturas, através de gerações. Como refere Cuche, segundo Durkeim (1983), através da educação, cada sociedade transmite aos indivíduos que a compõem o conjunto das normas sociais e culturais que asseguram a solidariedade entre todos os membros dessa mesma sociedade e que são mais ou menos obrigados a fazer suas (Cuche, s/d).

Não indiferentes a esta posição crítica, alguns sociólogos defendem actualmente que a socialização é um processo dinâmico que se realiza durante toda a vida, com rupturas em relação a socializações anteriores, por

97 dissocializações e ressocializações sucessivas, processo indissociável do processo de construção da identidade individual.

De um modo geral, os seres humanos são dotados de uma grande capacidade para aprender a agir de maneira socialmente responsável. A socialização é um processo sócio-psicológico bastante complexo que se inicia no momento do nascimento. O objetivo principal de tal processo é adaptar o indivíduo aos costumes, comportamentos e modos da cultura do seu ambiente social para que possa aprender a sobreviver por si mesmo e ser capaz de, gradativamente, controlar seu comportamento de acordo com as exigências da vida em sociedade.

Através do processo de socialização nos tornamos, gradualmente, pessoas auto- conscientes e capazes de lidar de forma competente com o mundo a nossa volta.

O estudo dos processos de socialização pode contribuir para uma melhor compreensão de factores que influenciam na construção das identidades pessoais (auto-identidade) e das identidades dos grupos sociais a que pertencemos como a família, o género, o grupo religioso, o grupo de convivência social, o profissional e outros.

O processo de socialização é o principal mecanismo que uma sociedade possui para a transmissão da cultura através do tempo e das gerações. A socialização, além de estar diretamente relacionada com as identidades sociais, deve ser vista como um processo que dura a vida toda na medida em que as nossas ideias e o nosso comportamento são continuamente influenciados pelos relacionamentos sociais e pelo ambiente em que vivemos.

98 Como acentuam Boudon e Bourricand (2000), os indivíduos não comungam da totalidade dos elementos culturais de uma sociedade, sendo que aquilo que é a cultura dominante de uma sociedade é sempre a cultura de uma elite ou a racionalização de determinada elite em relação àquilo que deve ser comum em termos culturais. Reforçando esta ideia, os autores concluem que nas sociedades mais complexas, como são as sociedades humanas contemporâneas, os únicos elementos culturais que são comuns a todos os indivíduos deverão ser os mais superficiais. Só com uma simplificação abusiva é que se poderia admitir a noção de valores comuns e aceitar que estes são transmitidos a todos através da socialização. Os indivíduos só parcialmente partilham de uma cultura, dentro daquilo que os sociólogos classificam como Subculturas, constituídas por complexos culturais partilhados pelos indivíduos que pertencem a um determinado grupo, que estão relacionados com a cultura global mas que ao mesmo tempo se distinguem dela (Boudon & Bourricand, 2000, p. 122).

Como afirma Martins (2005), nas sociedades complexas, os diferentes grupos podem ter modos de pensar e de agir característicos, embora partilhando a cultura global da sociedade que, de qualquer maneira, devido à heterogeneidade da própria sociedade, impõe aos indivíduos modelos mais flexíveis e menos coercivos que os das sociedades «primitivas»” (Cuche, s/d in Martins, 2005, p. 62). Perspectiva distinta tem os chamados interaccionistas para quem é errada a distinção entre os conceitos de cultura e de subcultura, uma vez que a cultura global é o que resulta das relações entre indivíduos e

99 grupos e das suas culturas próprias (em interacção). Por outro lado, não será lícito considerar que os indivíduos comungam apenas da culturas ou das culturas dos seus grupos de pertença, ignorando o peso que têm na construção das suas identidades a adesão a grupos ou culturas de referência.

Ao mesmo tempo que as subculturas reforçam os padrões culturais predominantes (variação mas não contestação), poderíamos considerar que as contraculturas reforçam a contestação a certos padrões culturais e sociais. De uma forma simples, para a maioria dos sociólogos, as contraculturas referem-se a padrões culturais que diferem dos padrões culturais dominantes e/ou os contestam. Todavia, Cuche assinala que; “não são, de facto, mais do que uma forma de manipulação da cultura global de referência à qual pretendem opor-se: jogam com o seu carácter problemático e heterogéneo. Longe de enfraquecerem o sistema cultural, contribuem para o renovar e para desenvolver a sua dinâmica própria” (Cuche, s/d: pp. 76-77). Para este autor, uma contracultura em última análise não é mais do que uma subcultura.

Outro conceito deveras importante nesta abordagem é o de etnocentrismo. Como afirma Augusto Santos Silva, “trata-se de uma maneira de entender a relação, decisiva a todos os níveis de acção e interacção, entre o “eu”, ou mais precisamente, o “nós” definidor da identidade de um certo grupo, classe, etnia, nação ou área civilizacional, e os “outros” – os outros grupos, classes, etnias, nações, civilizações” (Silva 1986, p. 46). Torna-se evidente que na relação com os outros, cada indivíduo ou grupo toma como certa a superioridade da sua

100 cultura. Dessa forma, todos os indivíduos e todas as sociedades são positivamente etnocêntricos, não no sentido depreciativo em que este conceito tem sido utilizado mas na medida em que “faz de nossa cultura um padrão de medida, com o qual medimos todas as demais culturas, que são boas ou más, altas ou baixas, certas ou esquisitas, na proporção em que se parecem com a nossa” (Horton & Hunt, 1981, p. 46).

Estes autores, no entanto, embora reconheçam que o etnocentrismo promove a estabilidade cultural e a própria coesão e sobrevivência cultural do grupo, consideram que, se redutora de relação, pode condenar ao ostracismo, ao colapso e à extinção do próprio grupo e/ou da sua cultura.

Como conclui Cuche, “não há descontinuidade entre as culturas, que gradualmente se põem em, comunicação umas com as outras, pelo menos no interior de um dado espaço social” (Cuche s/d, p. 101). Desta forma, todas as culturas são, como indica este autor, «culturas mistas».

Como já fizemos referência, as culturas nascem das relações sociais, e estas não são, por norma, relações igualitárias. Assim sendo, se existe uma hierarquia entre culturas, esta decorre da hierarquia social. A cultura dominante seria, assim, sempre a cultura da classe ou grupo dominante (conforme as teorias de Marx e Weber). Por outro lado, as culturas dominadas não seriam culturas dependentes, mas culturas em relação com a cultura dominante, tal como os grupos sociais que as sustentam. De acordo com Denys Cuche (s/d), “numerosos estudos revelaram que os sistemas de valores, os modelos de comportamento e os princípios de educação variam sensivelmente de uma

101 classe para outra. Estas diferenças culturais podem observar-se até mesmo nas práticas quotidianas mais comuns” (p. 113).

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