• Nenhum resultado encontrado

Para tal articulação, Gomes (2003) apresenta a inserção, nos espaços de formação de professores(as), de debates que abordem a relação da cultura com a educação em uma perspectiva antropológica. Ela trabalha com a conceituação de Denys Cuche (1999) sobre cultura, que diz ser cultura “as vivências concretas do sujeito, à variabilidade de formas de conceber o mundo, as particularidades e semelhanças construídas pelos seres humanos ao longo do processo histórico e social”.

Laraia (2001), também citado por Gomes (2003), diz que a “cultura é uma lente pela qual o homem vê o mundo”. Esses dois autores definem cultura na perspectiva antropológica. Assim, seguindo a orientação da autora para a reflexão da referida articulação anteriormente citada sobre educação e cultura, poderíamos entender que a educação entraria como um instrumento edificador dessa visão de mundo.

Partindo do que foi escrito pelos autores, se a cultura é uma lente e, ao mesmo tempo, as vivências do sujeito, a educação, então, seria a formalização dessas experiências? Ou talvez trouxesse uma ampliação dessa lente, tornando-a capaz de enxergar o mundo e as experiências sob outra ótica, de repente mais aprofundada e mais sistematizada, trazendo processos reflexivos e identificatórios das vivências do sujeito? Como buscar a relação entre a cultura e a educação? De onde partir?

As vivências culturais afro-brasileiras nos apresentam duas problematizações. Uma delas é a construção de identidade e a segunda se refere à dimensão pedagógica (ARAÚJO, 2003).

Outra questão bastante pertinente se refere à escolarização como processo redutor da educação. Compreender que outros espaços também apresentam processos e reflexões educativas fora do ambiente institucional faz parte da articulação entre cultura e educação.

Se pensarmos nas antigas aldeias africanas, antes mesmo da colonização dos europeus a educação estava inserida na vida cotidiana das crianças e jovens, não se tinha um lugar específico de aprendizado, ele acontecia justamente na convivência, no dia a dia, em qualquer lugar. E a cultura, nesse aspecto, era primordial para o processo educativo.

A cultura articulava os saberes e os afazeres do dia. O saber era único no sentido de uma não fragmentação do conhecimento em áreas específicas. Dessa forma, tanto a cultura quanto a educação andavam juntas, entrelaçadas, construindo e repassando conhecimentos que serviriam para a vida como um todo. A cultura é, então, um instrumento educativo e a educação é um elemento cultural.

Entendendo a educação e a cultura como inseparáveis, podemos pensar na complexidade da construção dos variados processos identitários, principalmente se referindo à questão da identidade negra. Gomes (2005) propõe não pensá-la como única construída pelos sujeitos desse grupo étnico. Pensar esse processo requer um olhar não apenas sobre a questão negra, mas sobre todos os aspectos que, de alguma forma, interferem nesse processo.

Nesse sentido, a importância e o desafio dos estudos culturais é outro ponto fundamental para a compreensão da questão racial voltada para a educação principalmente no que se refere à definição de cultura aliada à educação. Os estudos culturais podem contribuir com uma reflexão mais provocadora aos(as) educadores(as). Estabelecendo conexão com Gomes (2003), no que se refere ao conceito de cultura e sua relação com a educação e no caso uma educação significativa, a cultura pode ser entendida como conceito articulador dos Estudos Culturais.

Os Estudos Culturais permitem pensar o lugar do corpo e o lugar do não corpo. A sociedade ainda vê o corpo negro em desordem, e esse corpo negro que está em desordem incomoda, pois, tem um cabelo levantado, espichado, duro.

Todos nós estamos o tempo todo construindo e desconstruindo identidades. É preciso pensar nessas construções e desconstruções a partir de dimensões sociais e pessoais, pois estas nos levam a construir identidades até mesmo contraditórias, dependendo de nossa identificação com grupos determinados. Essas construções se dão no âmbito da cultura e da história por entender que somos seres sociais e que não é

possível construir uma identidade fora desse contexto social-histórico. E, nesse sentido, a cultura faz parte essencial dessa construção.

É importante pensar nessa construção identitária negra partindo de espaços socialmente negados para essa população, e também nos espaços conquistados por ela como forma de resistência e de sobrevivência. A escola é um desses espaços. Espaço este que lhe foi negado por muito tempo e que hoje apesar de frequentá-lo continua sendo um espaço de marginalização, exclusão e negação da população negra.

A cruel desumanização a que os(as) negros(as) foram submetidos lhes correspondeu uma grande perda cultural. Taxados de primitivos, sem cultura, os(as) negros(as) foram expostos a um trabalho de nacionalização no Brasil que condensou seus ritos e costumes a meras folcloridades. Aos poucos, perdeu-se também a memória de um povo que construiu a sociedade brasileira de hoje com suas diversidades e diferenças sociais, culturais, econômicas e raciais.

Seguindo com base nos estudos culturais, Gilroy (2001) diz que antes da consolidação do racismo científico, o termo raça era empregado quase no mesmo sentido da palavra cultura. Partindo desse ponto, podemos pensar nas implicações dessa confusão. Ao confundir raça com cultura como é hoje definida, é possível inferir a ligação entre ambas.

Thornton (2004) apresenta a discussão sobre a cultura e suas formas de manifestação e também se aprofunda na discussão de aspectos da cultura de algumas regiões do continente africano e na forma como a cultura foi se transformando ao longo do tempo a partir de outras influências vindas de fora, de outros países e das influências sofridas pelos(as) negro(as) ao chegarem ao Brasil no período da escravidão.

A definição do termo cultura passa também por sua dinâmica, o processo de um modo de vida de uma determinada sociedade, compreendendo aspectos como estrutura política, organização administrativa, parentesco, linguagem, literatura, oralidade, arte, música, dança, religião e outros (THORNTON, 2004).

Para o mesmo autor, a língua, bem como seus aspectos linguísticos, ainda é o método mais importante para se identificar a cultura de um povo. Ela é estruturante. Enxergando a cultura como uma forma de vida que identifica cada povo, podemos também citar outra categoria que compreende esse termo, que é a ordem material.

A ordem material passa pelos utensílios domésticos, a relação com a natureza e com as plantas que carregam elementos medicinais, a própria utilização do meio ambiente e a relação que determinado povo estabelece com ele. Nessa categoria, tais

elementos são mutáveis e imutáveis ao mesmo tempo, dependendo de sua funcionalidade para o povo.

As culturas estão sempre em constante transformação. Esse processo de mutação pode acontecer por duas formas. A primeira é pela alteração em suas dinâmicas internas, em razão de formas políticas, mudanças ambientais, modismos, crescimento populacional, questionamentos de intelectuais e outros. A segunda, pela interação e relação estabelecida com outras culturas, negociações comerciais, modelos de política ou alianças. Ambas as relações interferem na cultura e na forma como as comunidades e povos se organizam e se veem.