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2 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA ESCOLA COMPLEMENTAR NO ESTADO DE SANTA CATARINA:

2.4 CULTURA ESCOLAR E AS ATAS PEDAGÓGICAS

A formação de professores primários no estado catarinense sofreu modificações no período de 1911 a 1947, seguindo uma tendência nacional em munir os professores de instrumentos mais científicos e raciocinais para exercer a sua prática.

Delimitando ao século XX, tendo a Educação Progressiva ou Pedagogia da Escola Nova como sistema conceitual, este estudo considera que toda concepção pedagógica, “ao explicitar finalidades e objetivos para a educação em determinados contextos, pretende também orientar práticas, e para isso, depende de uma série de estratégias e dispositivos que passam a integrar, junto com os aspectos teóricos, um sistema pedagógico” (VALDEMARIN, 2010, p. 12). É no âmbito da formação de professores que podemos verificar as proposições sobre a função social do conhecimento, da educação e da escola e os modos pelos quais esses objetivos podem ser realizados. Através, das pretensões para o ensino primário, dos esquemas de atuações profissionais consolidados, das políticas públicas para a educação e a adaptação dos princípios teóricos aos diferentes conteúdos escolares, neste estudo em específico, ao ensino de Aritmética.

Os textos normativos estaduais possuem a função de “nos reenviar às práticas; mais que nos tempos de calmaria, é nos tempos de crise e de conflitos que podemos captar melhor o funcionamento real das finalidades atribuídas à escola” (JULIA, 2011, p. 19). Para compreender estas normas e práticas e explicitar as ideias e conceitos utilizados para a pesquisa sobre as atas pedagógicas, é de suma importância considerar o local e o tempo da escola. Assim, vamos nos apoiar na historiografia francesa, junto às obras de Julia (2011) que apresenta o conceito de cultura escolar.

Denomina-se por Cultura Escolar:

Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidade que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas,

sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2011, p.10).

Ao concordar com Julia (2011), temos que a cultura escolar não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, ou seja, cada período da sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular. Assim como, as normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação. A saber, na referida pesquisa, temos os professores primários que lecionavam no curso complementar e os demais profissionais que faziam parte daquele momento, daquela cultura escolar.

Assim, é possível dizer que ao realizar a análise das atas pedagógicas devemos considerar como os indivíduos em meados do século XX estavam inseridos no cotidiano escolar e como estabeleciam as suas ideias, práticas e ações no contexto escolar. Nessa perspectiva, a análise das atas pedagógicas permite conhecer os discursos que eram direcionados aos professores primários no período das reformas educacionais. De acordo com Valente (2010), torna-se importante analisar as modificações que ocorreram nas escolas complementares, quanto ao ensino de aritmética, por meio dos materiais e atas das reuniões pedagógicas que eram oferecidos aos professores. Cabe salientar, então, que essas fontes documentais são importantes para a pesquisa e representam os discursos orientadores de práticas pedagógicas, presentes na cultura escolar da escola complementar, referente ao ensino de aritmética em Santa Catarina, nos tempos da Escola Nova.

Mas, além dos limites da escola, pode-se buscar identificar, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a aquisição do conhecimento senão por intermédio de processos formais de escolarização, além da religião. Enfim, por cultura escolar é importante compreender também “quando isso é possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se desenvolvem nos pátios de recreio e o afastamento que apresentam em relação às culturas familiares (JULIA, 2011, p. 11).

Segundo Julia (2011), as problemáticas tratadas na história da educação passaram por um refinamento considerável, mas também desconheceram em grande parte, o estudo das práticas escolares. Na

década de 70, o estudo sociológico das populações escolares, em diferentes níveis de escolaridade, assim como a análise do sucesso escolar desigual segundo as categorias socioprofissionais, conduziram numerosos historiadores, a ver na escola apenas “o meio inventado pela burguesia para adestrar e normatizar o povo”, responsável pelo manto de uma igualdade abstrata, que veicula, intactas, as desigualdades herdadas, pela reprodução das heranças culturais. Nos anos 80, em comemoração das grandes leis que impuseram, no fim do século XX, a obrigatoriedade escolar, também reabilitada como um triunfo técnico e cívico, fruto da imposição de uma pedagogia normativa. Em ambos os casos, os autores compartilham a ideia de uma escola poderosa, onde nada separa intenções de resultados. Trabalhando principalmente sobre textos normativos, os historiadores da pedagogia tenderam sempre a superestimar modelos e projetos e a constituir a cultura escolar como um isolamento, contra o qual as restrições e as contradições do mundo exterior viriam se chocar. Esta visão tem muito pouco a ver com a história sociocultural da escola e despreza as resistências, as tensões e os apoios que os projetos têm encontrado no curso de sua execução.

Na busca de evitar a ilusão de um total poder da escola, Julia (2011) ressalta que convêm voltar ao funcionamento interno dela. Sem negar em nenhum momento as contribuições fornecidas pelas problemáticas da história do ensino, estas têm-se revelado demasiado “externalistas”. É de fato a história das disciplinas escolares, hoje em pleno progresso, que procura preencher esta lacuna. A história das disciplinas escolares procura identificar, tanto através das práticas de ensino utilizadas na sala de aula como através dos grandes objetivos que presidiram a constituição das disciplinas, o núcleo duro que pode constituir uma história renovada da educação. Ela abre a “caixa preta” da escola, ao buscar compreender o que ocorre nesse espaço particular.

Dispondo de fontes normativas escolares sobre o Curso Complementar implantado no Grupo Escolar Jerônimo Coelho, bem como as Atas das Reuniões Pedagógicas dos profissionais que lecionavam no respectivo curso, convém buscar recontextualizar as fontes das quais podemos dispor, e estar consciente de que a grande inércia que percebemos em um nível global pode estar acompanhada de mudanças muito pequenas que insensivelmente transformam o interior do sistema.

Ao considerar essa reflexão, temos que os autores envolvidos nas reuniões pedagógicas, demonstram-se autênticos atores sociais ao escrever as atas pedagógicas, pois traduzem as suas posições e interesses ao defender suas práticas e ideias, ao mostrar como pensam que é a

sociedade ou como gostariam que ela fosse. Como por exemplo, a 10ª reunião, datada de 04 de julho de 1942, realizada no gabinete do diretor, quando o mesmo relata que: “Depois de ouvido as professoras e meticulosamente examinado cada assunto, dei as instruções que julguei necessárias quanto aos métodos e processos de certas matérias” (Livro Ata 01, 1942, p. 4).

Assim, as representações do mundo real são determinadas por um grupo que as inventam. Chartier (1990) denomina de lutas de

representações às estratégias e práticas de um grupo inserido num

campo. Portanto, compreendemos que as contribuições da história cultural são importantes para a pesquisa, envolvendo as atas pedagógicas, porque trazem a representação construída por seus atores sociais de como deveria ser o ensino de aritmética em determinado período e campo. Como na 14º Ata, datada em 12 de setembro de 1942, em que foram tratados entre os assuntos:

1) Crítica do plano de aula nº 9 da reunião anterior, apresentado pela professora Esmeralda P. T. Ferreira, do 2º ano x, versando sobre Aritmética: Metro, múltiplos e submúltiplos. Deixou o corpo docente de apresentar crítica, no referido plano, por acha-lo bem explanado e ao alcance de todos os alunos (LIVRO ATA 01, 1942, p. 8).

Julia (2011) aponta três eixos que parecem vias interessantes de serem seguidas para o entendimento do conceito de cultura escolar: a primeira via seria interessar-se pelas normas e pelas finalidades que regem a escola; a segunda, avaliar o papel desempenhado pela profissionalização do trabalho de educador; e a terceira, interessar-se pela análise dos conteúdos ensinados e das práticas escolares.

Fundamentados nessa proposta, faremos uso dos aportes teóricos das histórias das disciplinas escolares desenvolvidas por Chervel (1990), privilegiando como via de estudo a profissionalização dos professores primários no curso complementar, bem como os conteúdos ensinados de Aritmética pela investigação nas fontes normativas e principalmente, nas atas pedagógicas. Tais informações serão tomadas, analisadas e confrontada com outras fontes buscando também analisar os métodos pedagógicos e as práticas escolares.

A análise precedente remete-nos a um estudo daquilo que hoje se chama disciplinas escolares: estas não são nem uma vulgarização nem uma adaptação das ciências de referência, mas um produto específico da escola, que põe em evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar. Como notou muito bem André Chervel, as disciplinas escolares são inseparáveis das finalidades educativas, no sentido amplo dos termos “escola” e constituem “um conjunto complexo que não se reduz ao ensino explícitos e programados (JULIA, 2011, p. 33).

No domínio dos conteúdos de ensino, em consenso é partilhado mesmo pelos historiadores do ensino que “os conteúdos de ensino são impostos como tais à escola pela sociedade que a rodeia e pela cultura na qual ela se banha. Na opinião comum, a escola ensina as ciências, as quais fizeram suas comprovações em outro local” (CHERVEL, 1990, p. 180). Portanto, as atas pedagógicas, que relatam as reuniões pedagógicas, assumem uma posição peculiar na pesquisa histórica, ao aprovarem o que há de “essencial” em termos do ensino de aritmética, definindo a explanação de um conteúdo.

Assim, utilizaremos das atas pedagógicas do período estudado, traduzidos no Livro Ata 01, assim como documentos oficiais normativos, para localizar indícios daquela cultura. Percebe-se o discurso presentes durante as reuniões pedagógicas (relatadas nas atas), como símbolos que precisam ser comunicados para serem apropriados pelos atores sociais, como “estratégias simbólicas que determinam posições e relações, e que constroem, para cada classe, grupo ou meio, um ser-percebido constitutivo de sua realidade (CHARTIER, 1991, p.184).

3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SANTA CATARINA: