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Brandão (2006) diz que somente com o “homo sapiens” foi possível falar em educação. Contudo, a educação popular surgiu com a convivência estável e com a comunicação simbólica, capaz de transferir tipos e modos de saber, necessários à reprodução da vida individual e coletiva. De modo que, em mundos sociais simples, a produção do saber popular se dava, de forma não-centralizada, em agência de especialistas ou em pólo separado de poder, no interior da vida subalterna da sociedade.

Segundo Alexandre (2000), na obra de Moscovici, os aspectos conceituais e epistemológicos tomam a inter-relação como um sistema de pensamento e de práticas sociais, para compreender não somente os fenômenos complexos do saber popular e da eficácia do comportamento e da comunicação, que representa as novas informações sociais, mas de outros saberes formais, com explicações práticas sobre a realidade social do homem ou da natureza.

Entretanto, o conhecimento elaborado pelo saber popular, embora gerando e orientando as práticas sociais, não tem “status” de ciência, pois, não produz

conhecimento comprovado. Sendo assim, o conhecimento passa a ser privilégio de pequenos grupos, retirando dos demais grupos o direito de avançar os estágios mais elevados. Dessa forma, quem não produz conhecimento cientifico, fica dependendo dos outros, gerando, assim, dois níveis interligados de problemas:

1. O conhecimento comprovado que passou a ser privilégio de um grupo reduzido; e

2. Retirando dos demais grupos o direito de avançar para o estágio mais elevado de conhecimento.

Portanto, o saber popular mostra-se como uma forma de conhecimento prático, elaborado a partir das ações do cotidiano, representado por imagens e símbolos. Nesta perspectiva, o saber popular é um saber de experiências, constituído e exercitado por grupos populares, isto é, é um tipo de saber que abrange a subjetividade do sujeito, traduzida em uma forma de como este se relaciona e convive com o outro. Enquanto que o conhecimento comprovado é formado por conceitos e signos; possuindo validade empírica.

Larrosa (2002, p.27) explica que:

O saber de experiência é um saber que não pode separar-se do individuo concreto em quem encarna. Não está como o conhecimento científico, fora do sujeito, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez um modo de conduzir-se um estilo.

Alexandre (2000) explica que as representações sociais não dizem respeito a conhecimentos certos ou errados sobre um objeto. Sendo assim, a construção do conhecimento do saber popular, por parte dos sujeitos, constituem um processo gerador de ações sociais a partir da visão de mundo, concepções ideológicas e culturais que estão presentes nas relações sociais da vida cotidiana.

Neste contexto, surgiram grupos sociais culturalmente dominantes e culturalmente dominados, pois, os dominantes impõem uma cultura reflexa no lugar de uma cultura de reflexão. A cultura reflexa tem como função ocultar e impor valores e conhecimentos mistificadores a uma cultura dominada.

Quando uma cultura dominante determina seus valores a uma cultura dominada, representa um ato de poder, mas demonstra a incapacidade de não traduzir para si a verdade, por não conseguir compreendê-la. Logo, toda cultura

criada em uma ordem desigual é inautêntica por ser antagonicamente dividida em cultura dominante e cultura dominada.

A partir dos anos 1960, houve uma preocupação em recuperar a interpretação crítica da cultura, cujo objetivo era realizar um trabalho político, de conscientização do povo, mas, por traz dessa cultura popular, há outra, não-popular, que se opõe. Portanto, existe entre elas uma diferença qualitativa de níveis e domínio de poder, de uma sobre a outra.

Nesse contexto, surgira, na cultura brasileira, uma cultura dominante e uma cultura dominada, que resultou de uma história de expropriação, de posição e de consagração simbólica, em que, a cultura passou a ser um instrumento com que o homem se relaciona.

A ideia unificada de cultura popular não leva em conta o processo de construção da vida social em uma sociedade complexa, embora conduza as diferentes categorias de sujeitos e grupos populares que viviam experiências diferentes da realidade da dominação.

De maneiras diversas, a cultura dominada sofre e reage ao exercício da dominância; gera e se assume como identidade própria e constitui e representa o modo de vida que lhe é especifico. Isto significa que ela reproduz culturas próprias.

Em 1964, com o golpe Militar, as organizações sindicais urbanas e rurais e os movimentos culturais, com dificuldades de dar continuidade nos debates e de propagar ideias, em decorrência da repressão do governo, foram dispersos. Nesse momento, a partir da década de 1970, a cultura popular passou a ser estudada sob novas perspectivas de compreender a cultura como parte de um processo de exploração econômica e política.

Assim sendo, requeria-se um estudo de práticas culturais concretas, com auxílio de instrumentos teórico-metodológicos que permitissem uma visão crítica não só da cultura popular, mas também das noções existentes. Daí Ayala et al (2003, p. 51) considerar: “A cultura popular como produção histórica, que foi elaborada e consumida pelos grupos subalternos de uma sociedade capitalista, que se caracteriza pela exploração econômica e pela “distribuição” desigual do trabalho, da riqueza e do poder”.

As práticas culturais conservam-se, desaparecem e/ou transformam-se, de acordo com o meio vivenciado pelo homem, sob novas condições econômicas e

sociais, realizando ou deixando de realizar as práticas culturais, as quais, Martins (2004, p.15) ressalta que: “a cultura popular surge como outra cultura que, por contraste ao saber culto dominante apresenta-se como “totalidade” embora sendo construída através da justaposição de elementos residuais e fragmentários considerados resistentes a um processo natural de deterioração”.

Em meio a esse processo cultural a construção do saber popular emerge de inúmeras peculiaridades, como um saber alicerçado na vivência dos indivíduos, nas relações pessoais, sociais e também com o ambiente. Portanto, o saber popular é fruto de trabalho que ao interpretar o fazer, o trocar informações com o grupo representado segundo Brandão (2007, p. 101) a educação, como:

Fração do modo de vida dos grupos que criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura em sua sociedade. Formas de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam entre todos os que ensinam – e – aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo; os códigos sociais de condutas, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da religião que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e de cada sujeito, através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, troca que existe dentro do mundo social, onde ajuda a explicar às vezes a ocultar, às vezes a incultar de geração em geração.

A educação baseada na relação com a natureza solicita um convívio com a exploração dela; contudo, é bom ressaltar, tendo em vista o sustento das famílias, como condição sine quae non para os sujeitos que vivem à margem da cultura dominante. Neste sentido, os moradores das margens dos rios da Amazônia, por exemplo, tem no saber popular a base de suas sobrevivências. Sendo esses saberes repassados oralmente ou como prática, desde o aprendizado de atividades produtivas destinadas ao atendimento das necessidades básicas até o modo de cuidar da natureza e de se relacionar com ela no ambiente mais geral. A propósito, Oliveira (2003, p. 6) explica que: “...a oralidade apresenta-se como a forma típica das populações rurais/ribeirinhas de expressarem suas vivências, transmitirem seus saberes, valores e hábitos das gerações mais antigas às gerações mais novas, o que permite o enraizamento de uma cultura de conversa”.

Assim, o saber popular é uma construção social, uma forma, encontrada pelos moradores de uma região, para equilibrarem-se ou relacionarem-se com o meio envolvente. De modo que, na Ilha do Combu, a população nativa organiza suas

realidades social, econômica e política com base nesses princípios, revelando padrões de comportamento que constituem suas identidades culturais.

Isto ocorre porque a cultura dominante se apropria dos saberes populares para criar, construir, produzir e reproduzir novos conhecimentos. De acordo com Caldas (1986), Vilas Lobos, é um exemplo de cultura erudita, por ser considerado o mais respeitado compositor da musica clássica, mas que inspirou-se no universo rústico para produzir suas composições.

Neste particular, formou-se, no Brasil, uma cultura de conquista por meio de grupos opressores, externos e internos, com diferentes categorias de sujeitos, dentre eles: índios, negros e brancos que trouxeram contradições, conflitos e resistência, sob forma de opressão, que foram incorporados como símbolos da desigualdade e da dominação das relações sociais de trabalho. A classe dominante não permitia que os dominados criassem e expressassem livremente a sua cultura.

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