• Nenhum resultado encontrado

2.3 ANÁLISE DO INSTITUO DA CURATELA SEGUNDO A REDAÇÃO ORIGINAL

2.3.2 Curatela

Nas palavras de Trindade, curatela é a “instrumentalização da indicação de uma pessoa para representar o incapaz nos atos da vida civil”61

, ou seja, é um dever público que com previsão legal para que terceiro capaz administre o patrimônio do indivíduo incapaz que não está apto a se auto administrar.

Caio Mário da Silva Pereira, por sua vez, lança mão da definição de Eduardo Espínola para conceituar curatela como “encargo cometido a alguém, para dirigir a pessoa e administrar os bens de maiores incapazes”62. Tal definição, apesar de satisfatória, não comporta todas as hipóteses de curatela, como se vê a seguir.

Interessa acentuar que não é de todo verdade que a curatela sempre trata de pessoas maiores, mesmo que a doutrina comumente utilize esse aspecto como essencial na distinção entre tutela e curatela. Retome-se aos ensinamentos de

59

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito das famílias. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 902..

60

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: vol. 6. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.699.

61

TRINDADE, Ivan Gustavo Junio Santos. Os reflexos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15) no sistema brasileiro de incapacidade civil. 2016. 125 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia/GO, 2016, p. 43. 62

ESPÍNOLA, Eduardo. A Família no Direito Civil Brasileiro, n. 274, apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol V. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 561.

Gonçalves ao rememorar que caberá curatela, e não tutela, quanto ao nascituro e ao menor púbere que sofre de redução de discernimento por prejuízo das faculdades mentais.63

A fim de exaurir o significado jurídico de curatela, evoca-se às lições de Diniz que constrói o referido conceito como “encargo público” pelo qual o legislador atribui a um sujeito a incumbência de reger e defender a pessoa e gerir os bens do incapaz, via de regra maior64.

Direcionando-se ao devido aprofundamento acerca da curatela à luz do Código Civil de 2002, em sua redação original (anterior às mudanças devidamente causadas pela promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência), evoca-se a inteligência do art. 1.767 da referida legislação, porém ressalta-se, de antemão, que o referido dispositivo foi bastante modificado pela Lei n. 13.146/2015, pela revogação de diversos incisos, como se verá no Capítulo 3:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; V - os pródigos.

Consoante preconiza o referido dispositivo, a curatela é dever conferido pelo poder público a pessoa idônea, chamada curador, que abarca todas as hipóteses de incapacidade que não são motivadas pela idade cronológica do incapaz. Caio Mário da Silva Pereira aponta que, acerca dos sujeitos alvos da curatela, essa recairá sobre os todos os indivíduos que, “por motivos de ordem patológica ou acidental,

63

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: vol. 6. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.699

64 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 26a

ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 686.

congênita ou adquirida”65

não estiverem aptos a governarem suas vidas, tanto em relação a sua pessoa quanto aos seus bens, mesmo que maiores de idade. A curatela do nascituro, por sua vez, tem seu respaldo legal no art. 1.779 do CC/02.

Enumeradas as hipóteses de curatela, valem as instruções de Gonçalves ao elencar cinco principais características da curatela, sendo elas: o fim assistencial; o caráter eminentemente publicista; o caráter supletivo da incapacidade; o fato de ser temporário; e a necessidade de garantia absoluta da incapacidade para sua decretação66. Diante disso, frise-se que a curatela é temporária posto que se cessa com a extinção da incapacidade e que a certeza da incapacidade do indivíduo será aferida a partir de um processo de interdição, que é a via formal para o reconhecimento da curatela.

Fazem-se mister, nesse ponto, os ensinamentos de Washington de Barros Monteiro ao enfatizar que não há que se falar em curatela diante de aspectos como cegueira, analfabetismo ou velhice, posto que, sozinhos, não motivam interdição67. A curatela que atinge o idoso é motivada não pelo avançar da sua idade, mas sim pelo deteriorar das suas funções cognitivas, lhe causando redução ou extinção do discernimento, motivo pelo qual haverá interdição com fulcro nas hipóteses do art. 1.767.

Importante destacar que, quanto à estrutura geral do instituto da curatela, tem-se dois pressupostos: fático e jurídico. O pressuposto fático para que exista curatela é a incapacidade constatada e o jurídico é a decisão do magistrado que, através de processo judicial de interdição, emitirá sentença que reconhece a curatela e, ao incapaz, um curador68.

Ademais, alumia Venosa69 que não se deve olvidar que o regime da curatela se espelha na tutela, haja vista a inteligência do art. 1.77470 da codificação de 2002 que preconiza que as disposições referentes à tutela se aplicarão à curatela, com ressalva para os art. 1.775 a 1.783.

65

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol V. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 562.

66

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: vol. 6. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.700.

67

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. vol 2. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 326

68

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol V. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 562.

69

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito de família. São Paulo: Atlas, v. 6, p. 2, 2003. 70

Art. 1.774. Aplicam-se à curatela as disposições concernentes à tutela, com as modificações dos artigos seguintes

Concluídos os apontamentos gerais a evolução histórica do Direito Civil e a teoria das incapacidades e curatela segundo o Código Civil de 2002, é possível dar prosseguimento à análise do Estatuto da Pessoa com Deficiência e suas repercussões acerca do tratamento dado ao portador de transtorno mental.

3 O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O SISTEMA DAS

INCAPACIDADES

O ordenamento jurídico brasileiro, historicamente, tratou a incapacidade sob o discurso da proteção do incapaz, como discutido anteriormente.

A incapacidade em portadores de transtornos mentais notadamente traz limitações para que possam gozar de uma vida digna, em virtude da relação preconcebida de que estes sujeitos acometidos por tal condição necessariamente não possuem capacidade cognitiva ou de discernimento.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência veio justamente desmistificar essa associação descabida, buscando minimizar os prejuízos que a escassez de autonomia impõe aos indivíduos nesta situação de vulnerabilidade, através da conquista da faculdade da curatela, por exemplo, ainda que não de maneira geral, mas ainda assim possibilita uma menor restrição dessa autonomia no portador de transtorno mental.

Esse reconhecimento da importância da autonomia das pessoas acometidas por alguma deficiência mental traz reflexos que impactam não só as situações que envolvem os negócios jurídicos em geral, como o nascimento da possibilidade desses sujeitos exercerem a atividade empresarial.

Assim, este capítulo pretende analisar, através de uma abordagem geral da referida Lei N° 13.146/2015, as alterações contidas neste dispositivo legal e suas repercussões diante da teoria da incapacidade civil.

3.1 CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM