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Capítulo 2 Movimentos teórico-filosóficos da CTS pelo pós-estruturalismo O escopo principal desta investigação é executar uma pesquisa bibliográfica

2.2 Pistas CTS no pós-estruturalismo

2.2.1 Currículo CTS

O artigo Ensino de gênero e sexualidade: diálogo com a perspectiva de currículo CTS (LIMA; SIQUEIRA, 2013) promove a discussão do surgimento da abordagem CTS em educação, priorizando temas que se relacionam à vida dos estudantes, dentre eles, sexualidade e gênero, pensando o currículo nessa perspectiva. Contextualiza a educação sexual nas escolas brasileiras, argumentando sobre a importância dos professores de Ciências: articular o conteúdo científico com as questões que fazem sentido para o aluno e menos para a Ciência, dialogando com

sua experiência cotidiana, relacionando o ensino com implicações na construção da identidade cultural dos sujeitos envolvidos nesse processo (LIMA; SIQUEIRA, 2013).

Os autores argumentam que a articulação do conteúdo sobre gênero e sexualidade com questões que dizem respeito à vida dos estudantes incrementa o processo de ensino e aprendizagem em termos de motivação, consequentemente na assimilação do conteúdo, além de contribuir para o desenvolvimento da autonomia dos jovens, conceitos estes, trabalhados no currículo CTS. Destacam a importância de pensar a educação em Ciências como produtora de discursos, práticas, contribuindo para construir tipos particulares de subjetividade. Na teoria pós- estruturalista e estudos culturais, abordados no texto, é desenvolvido o tema, juntamente com Silva (1999), como uma política cultural que tem como objetivo não só transmitir o conhecimento formal mas também construir sentidos, valores sociais, culturais que interferem de forma significativa na formação dos alunos.

A constituição desse sujeito ocorre a todo momento, borrando a concepção de uma identidade unificada e estável, conceitos da Modernidade e que a CTS tende a reproduzir por meio de suas práticas escolares. A formação do estudante aparece, no texto, como objeto de uma determinada relação de conhecimento, poder, onde as identidades são compostas pelo modo como são representadas, chamadas a dialogar com os sistemas culturais que as rodeiam (SILVA, 1999). Dentro dessa temática curricular, gênero e sexualidade são pressupostos, como construções sociais constituídas historicamente a partir de discursos e práticas que normalizam, regulam tudo o que pode ou não ser dito, estando vinculadas às redes de poder (FOUCAULT, 1998).

Assim, a forma como o sujeito irá relacionar o seu cotidiano com o meio vivenciado será fundamental na formação dessa identidade, sempre em transformação, em consonância com a perspectiva CTS e o currículo (LIMA; SIQUEIRA, 2013). O diálogo constante entre o aluno, seu aprendizado cotidiano, é pensado pelos autores, com o suporte de Larrosa (2002a), como algo que ocorre pela via do interesse do que é próximo, diz respeito ao indivíduo; aquilo que não toca, distante, inacessível tem menos efeitos nem é apreendido com facilidade pelos sujeitos. O autor acrescenta que uma experiência implica sentir algo, indo além das referências dos conhecimentos. Estes não iriam ser problematizados, acabando por se perder em meio a outros, caso não encontrem um substrato na experimentação, relacionado à Educação CTS.

Nesse sentido, Lima e Siqueira (2013) argumentam: o modo como é conduzida a educação formal, apresentada a partir de conhecimentos já classificados, formatados, estabilizados com pouca possibilidade de questionamentos, muitas vezes, acaba por dificultar uma articulação entre as vivências do educando e o conhecimento. Como consequência, há ausência de pensar sobre o que está posto, permitindo menos o envolvimento dos estudantes nos processos de ensino, aprendizagem e no currículo. Essas experiências, de acordo com os autores, corroborados ainda por Larrosa (2002a), possibilitam ao indivíduo procurar um saber de si, ao mesmo tempo em que constitui sua identidade em relação ao outro. O sujeito da experiência recebe as informações constantemente, formando-se a si mesmo, processos esses incompatíveis com o ensino tradicional, baseado principalmente em verdades absolutas, engessadoras.

A CTS, no texto, é referenciada a partir de uma concepção de educação menor (GALLO, 2007), em que complementa a discussão de como os conhecimentos se estruturam. Esse autor baseia-se nos filósofos franceses Deleuze e Guattari (2012),

que desenvolvem a ideia de uma Ciência régia12, ou maior, operando com os

mecanismos da máquina do Estado, gerando grandes modelos, sistemas voltados para a produção de explicações abrangentes, coerentes com o mundo, na qual todos os fatos possam ser inseridos. É um modo de estruturação do conhecimento que visa categorizar, organizar, hierarquizar o pensamento, na intenção de controlar o que se deve e pode saber.

Na Ciência nômade ou menor (DELEUZE; GUATTARI, 2012), os saberes autônomos se conectam aleatoriamente, gerando efeitos, experiências novas, marginais, lidando com outras regras, sem a intenção de criar um conjunto ou uma visão mais abrangente13. De acordo com Gallo (2007), não há uma oposição entre

essas duas esferas, ambas convivem ao mesmo tempo, coexistem. Assim, a ideia de educação maior e menor surge de forma análoga à Ciência maior e menor. A primeira está necessariamente investida em relações de poder, na macropolítica; nas políticas públicas para a educação, que têm como objetivo implementar, pensar, organizar os processos educacionais como um grande sistema, com regras, ações, metas específicas e presente nas prescrições, nos currículos (GALLO, 2007).

12 Régio: que pertence e emana do rei, um ato régio, real.

13 A partir desse encontro com os estudos de Ciência maior e menor, foi potencializada a continuação

A educação menor é do campo da micropolítica, permite que o fluxo criativo siga mais livremente, sendo desenvolvida pelo professor no cotidiano da sala de aula, muitas vezes fora dessa, por meio do inusitado, nas relações, nos acontecimentos que se dão no cotidiano da instituição escolar. Uma das características mais importantes dessa dimensão educativa é o seu potencial de resistência que ocorre quando há uma abertura para o cotidiano, para os questionamentos dos alunos que apontam para fugas daquilo que está cristalizado, normatizado nos conteúdos prescritivos (GALLO, 2007).

Assim, Lima e Siqueira (2013) destacam a importância de questões relativas a gênero e sexualidade no contexto do currículo em CTS, atentando para o questionamento dos alunos a respeito de situações mais amplas, relativas tanto ao funcionamento do corpo como a sentimentos ou processos de discriminação presentes em suas vidas. Abre-se a possibilidade de desenvolver o conhecimento levando em conta suas bases epistemológicas, condições históricas, sociais, envolvidas na sua construção, desdobramentos implicados na utilização, atuação na Sociedade, subjetividade e vivências do sujeito.

Nesse sentido, é importante, de acordo com os autores, que também possa ser previsto um pensar acerca do conhecimento, da maneira como se organiza histórica e socialmente. Ainda, o modo que vincula a redes de poder, sua estrutura no presente e como foi modificando ao longo do tempo, sendo feita uma contextualização que leve em conta a situação de vida do aluno. Lima e Siqueira (2013) destacam a importância da constituição de identidades profissionais de professores atrelados a um currículo CTS. Indicam a formação docente, tanto inicial como continuada, como um espaço construtor de outras subjetividades, trabalhando, questionando a docência com diferentes visões de Ciências, educação, como a tradicional e a pós-estruturalista.

Mesmo os autores desenvolvendo, no texto, suas ideias de Educação CTS, com pensadores assentados na teoria pós-estruturalista, tais quais Foucault, Deleuze e Guattari, indicam como possível uma abordagem educativa que englobe, também, a perspectiva freireana. Dando vazão a uma leitura crítica acerca dos conteúdos a serem desenvolvidos, atentam para os aspectos políticos da educação, buscando a transformação do modelo racional de CT excludente, para um voltado na justiça. Assim, no decorrer do texto, são trabalhados conceitos, como emancipação e libertação, no contexto crítico, como saídas do sistema que afasta alunos e professores da igualdade social.

Alinhados com a teoria, os autores consideram a crítica das questões CTS na escola como principal foco da disciplina de Ciências, utilizando, para discussão, aspectos desse currículo. Acionam a abordagem humanística que considera as concepções de educação de Paulo Freire, podendo tornar o aluno um cidadão participante, transformando a Sociedade onde vive em um ambiente em que a sexualidade e o gênero possam ser debatidos, entendidos. Ainda que, na parte inicial do texto, sejam discutidos conceitos como educação, Ciência menor, pensados no pós-estruturalismo, nos resultados e conclusões, a posição dos autores é analisar, inferir, propor saídas, aconselhando reflexões, diálogos, inserções dos alunos na construção do conhecimento, substituições de um ensino por outro, discursos embasados na teoria crítica.

Permanecendo imerso nas discussões de currículo, mas principalmente na CTS relacionada ao pós-estruturalismo pelos movimentos metodológicos aqui realizados, na próxima seção, investe-se na problematização da biopolítica e do discurso relativo à temática. Essa categoria tenta dar conta dos estudos de dois artigos encontrados nos procedimentos efetivados, calcados em práticas, experimentações que tramam a educação e teorias contemporâneas.