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2.3 A ORGANIZAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA DAS IES DE ADMINISTRAÇÃO

2.3.1 O currículo nas IES de Administração

Apesar das diferentes interpretações e do dualismo presente no conceito, o termo currículo derivado do latim currere significa caminho, jornada, trajetória, percurso a seguir. No entanto, a aparente simplicidade conceitual esconde um complexo problema de definição, tendo em vista que “a jornada” ou a “trajetória” dependerá de quem define o trajeto e de quem escolhe a jornada, ou seja em que dimensões são construídos os conceitos, sob que olhares este conceito foi baseado, a que se refere o sentido do currículo (PACHECO, 2007). Contudo, apesar das diferentes perspectivas, Pacheco (2007, p. 20) define currículo como um projeto cujo processo de construção é interativo e refere-se ao processo de ensino-aprendizagem, além de configurar-se como uma prática pedagógica que resulta da interação e confluência de várias estruturas (política, administrativa, econômica, cultural, social, escolar), com interesses concretos e responsabilidades compartilhadas.

O currículo pode ser entendido como a identidade ou uma pista de corrida, ou o que somos e o que nos tornaremos (teorias pós-críticas), ou pode ser entendido como uma representação do poder, da ideologia, da representação cultural e social (teorias críticas), ou apenas como a representação do modelo de ensino-aprendizagem (SILVAb, 2005).

Segundo Macedo (2005), é preciso visualizar o currículo como um artefato inventado para alterar e, como tal, deve estar acompanhado de questionamentos como: alterar a favor de quê? Contra o quê? A favor de quem? Contra quem? Questionamentos fundamentais quando se confronta a constituição de um currículo com aquilo que a sociedade espera como fruto da

educação; aquilo que o agente transformado espera no processo da adequação e aquilo que o mercado exige como fruto da educação.

Para o SINAES (BRASIL, 2005), o currículo é um importante elemento da organização acadêmica, que deve ser um espaço plural e estar em consonância com o perfil do egresso. Fischer (2001, p. 130) define currículo como sendo a “estrutura aparente de uma trama intricada de fatos, conceitos, princípios e generalizações, que são a matéria do ensino e a dimensão substantiva do currículo”.

Um currículo construtivo é aquele que é criado a partir da ação e interação dos participantes (sem sua definição antecipada a não ser em termos amplos e gerais); em uma matriz sem início e fim com pontos de interseção e focos em que, quanto mais pontos, conexões e focos em comum tiver o currículo, mais rico ele será (DOLL JR., 1997).

Essa construção social, complexa, formada em um campo institucionalizado e atrativo de relações, que constitui a identidade das práticas educativas de uma instituição, é por natureza densa de articulações (socialização dialógica e dialética) e, portanto, fractal, por mais que o controle ideológico disciplinar tenha se consolidado de forma hegemônica e, nesse elemento educacional, ordenador. O currículo deve possibilitar a formação técnica (construção de competências); ética; política e estética, sendo um produto de final aberto. (MACEDO, 2005).No entanto, é a construção desse repertório solidário, aberto e fractal o grande obstáculo do ensino de Administração, a superposição de disciplinas, a repetição de conteúdos, a dicotomia do conhecimento e a falta de estratégias de integração do saber, configuram-se como o principal distanciamento entre a perspectiva de um currículo construtivo e a realidade educacional percebida (FISCHER, 2001; NICOLINI, 2003; OLIVEIRA; SAUERBRONN, 2007; PAULA; RODRIGUES, 2006;PFEFFER; FONG, 2002; ROGLIO; LIGHT, 2009).

O desenho do currículo e o resultado dele dependerá das diferentes forças que influenciam no processo de construção, pressões normativas, controle organizacional, o papel dos docentes e o papel do colegiado. Todos esses fatores irão refletir sobre os objetivos de aprendizagem, conteúdos disciplinares, experiências de aprendizagem, recursos e avaliação (PACHECO, 2007). O quadro abaixo sintetiza algumas destas forças influenciadoras:

FORÇ A S DE INF L U Ê N C IA

NÍVEL EXTERNO NÍVEL INTERNO

Formal Informal Formal Informal

Instituições de avaliação; Grupos de interesse; Editoras; mass Órgãos estatais; Conselhos Concepção sobre currículo;

Associações profissionais; Associações acreditadas; Grupos de influência (Alunos, familiares, indústria); Empresas; Organismos estatais media; Opiniões Individuais; Crises Sócio-cívicas; Costumes e Tradições; Fundações filantrópicas; Partidos políticos consultivos e normativos; Estruturas de gestão educacional (recursos humanos, materiais); Estilo de gestão; controle e autonomia das decisões curriculares; Conteúdos de ensino (disciplinas) estrutura de trabalho; costumes e tradições; dinâmica de grupos; personalidade e competência dos participantes; competência das relações humanas; planejamento curricular DECISÕES CURRICULARES

CLIENTES Sociedade; Encarregados de educação; Empregadores

Professores; Alunos; Sistemas Educacionais

Quadro 2 – Participantes no processo de desenvolvimento do currículo Fonte:Adaptado de Gay, (1991 apud Pacheco, 2007)

A maneira como essas forças interagem, alinhadas à autonomia decisória dos planejadores do currículo (na maioria das vezes, docentes e coordenadores do curso) e, à estrutura organizacional desenhada para a IES, é que determinará a constituição do currículo planejado e, consequentemente, o modelo de aprendizagem adotado.

O que se pode observar é que os diversos estudos realizados sobre o ensino da Administração (FISCHER, 2001; NICOLINI, 2003; OLIVEIRA; SAUERBRONN, 2007; PAULA; RODRIGUES, 2006;PFEFFER; FONG, 2002; ROGLIO; LIGHT, 2009) demonstram que existe uma necessidade de re-avaliação dos currículos para desenvolver melhores modelos de aprendizagem.

Em relação a este tópico, Roglio e Light (2009) demonstram a necessidade de um projeto curricular de natureza interdisciplinar, no ensino da administração, em que a prática reflexiva seja incorporada pelos alunos e possam ser incluídos recursos e atividades de execução que integrem diversos temas e estimulem a reflexão sobre os padrões, as interações e relações em diferentes campos do conhecimento e prática. Segundo os autores, o intenso diálogo entre os diferentes campos do conhecimento em estruturas interdisciplinares, estimula os alunos a incorporar a prática reflexiva sobre suas decisões, nomeadamente a visão de

mundo sistêmica e formas alternativas para enfrentar os desafios da organização, demonstrando a inter-relação das várias funções do negócio e como eles funcionam juntas. Caso contrário, os alunos terão dificuldade em lidar com problemas do mundo real que requerem um visão multidisciplinar.

O isolamento disciplinar tende a deixar o aprendizado confuso e pouco relevante para os estudantes, professores e possíveis pesquisadores. (OLIVEIRA; SAUERBRONN, 2007). A manutenção do modelo existente, hegemônico, com grande ênfase disciplinar nos currículos foca no conhecimento “sobre” gestão, em vez de “para” gestão, diminuindo as conexões entre o ensino e as experiências dos estudantes (CHIA, 2000 apud OLIVEIRA; SAUERBRONN, 2007).

Paralelamente, é necessário refletir sobre o currículo como um todo e não apenas na composição disciplinar ou interdisciplinar da matriz de ensino. Segundo Macedo (2005), essas práticas curriculares inspiradas em uma argumentação complexa e multireferencial, em que se tem no currículo a trajetória e o itinerário mediando a formação do indivíduo, são balizadas por ações como: coletivizar programas e estratégias; historicizar e contextualizar conteúdos; mobilizar o enfrentamento da complexidade; explicitar o contrato pedagógico; ouvir as resistências, negações e anseios dos alunos; ressignificar a avaliação e exercitar o currículo como um contrato movente, como democracia intercoginitiva (MACEDO, 2005,p. 83).

Outro elemento central na constituição de novas estruturas curriculares deve ser o protagonismo do estudante (OLIVEIRA; SAUERBRONN, 2007). Considerar os alunos como sujeitos participantes do processo de construção e desenvolvimento das estruturas de aprendizagem, demonstrando a sua importância neste processo, não apenas como um mero expectador, mas como um ator com influência no enriquecimento dos temas e abordagens desenvolvidas durante o processo de formação.O aprendizado dá-se como forma de participação social e não como seleção social, os estudantes desenvolvem suas habilidades e seus hábitos de aprendizagem em outros cenários, geralmente em casa. Dessa forma, emerge o conceito desenvolvido por Young de “participação em uma comunidade de prática”, em que a educação está relacionada com a visão de sociedade do futuro; existe a conexão em vez do isolamento de disciplinas e há a primazia das questões de aprendizado e da produção de novos conhecimentos (MACEDO, 2005).

Esse modelo de currículo pautado na complexidade de Morin (2002), nas questões da pós-modernidade de Bauman (2001) e nas inquietações dos autores que debatem o ensino da administração e as necessidades de inovação nos currículos (AKTOUF, 2005;FISCHER, 2001; MINTIZBERG; GOSLING, 2003; NICOLINI, 2003; OLIVEIRA; SAUERBRONN,

2007;PAULA; RODRIGUES, 2006;PFEFFER; FONG, 2002; ROGLIO; LIGHT, 2009; THOMPSON; PURDY 2009), figura como protótipo que busca adequação à realidade da sociedade e uma busca por uma educação re-significante (MACEDO, 2005), contextualizada e crítica (FREIRE, 2006) que se opõe aos arquétipos de educação de massa construídos e amplamente difundidos.