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CAPÍTULO 3: Os pedagogos da terra e a construção da educação do campo em

3.2 P ROCESSO DE FORMAÇÃO E O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

3.2.1 O Curso Normal da UFS para os sem-terra

O processo de formação dos educadores da reforma agrária pela UFS teve início em 1996, com o projeto Integrador de Educação de Jovens e Adultos, financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e executado pelo Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação (NEPA) da Universidade Federal de Sergipe. A partir de então, em 1997 foi ofertado curso para conclusão do ensino fundamental de 5a a 8a série e o curso Normal, realizado no período de 2001 a 2003, este último financiado pelo PRONERA, ambos realizados em parceria com a SEED (Secretaria de Estado de Educação- SE).

O curso Normal foi destinado aos assentados que atuavam como monitores/alfabetizadores nos assentamentos e tinha como meta a formação de 80 educadores. Tinha como objetivo promover a compreensão teórica dos conteúdos básicos do ensino médio e dos fundamentos teóricos- metodológicos da docência, tendo como princípio a valorização da identidade cultural e política dos assentados. As aulas eram ministradas no assentamento Moacyr Wanderley, no Centro de Capacitação Canudos, há 20 km de Aracaju, organizado em quatro módulos, totalizando 800horas, dividido em tempo escola, tempo comunidade e estágio.

Para nós do NEPA, o curso Normal foi um processo desafiador tanto para o grupo de estudantes assentados, quanto para os professores da UFS, principalmente porque a linguagem escrita foi o elemento estruturador do curso. Ali começamos a exercitar a

alternância de tempos de estudo entre o tempo escola e o tempo comunidade, no qual a escrita foi a ponte de acesso ao conhecimento. Os cadernos de estudo elaborados pelos professores faziam a mediação do estudante com a matéria de ensino. Durante um período de trinta dias eles vivenciavam o tempo escola e no tempo comunidade estudavam pelos cadernos e faziam as atividades, com ajuda de um monitor. O esforço maior dos estudantes era o domínio da leitura e da escrita, para estudar e realizar as atividades propostas nos cadernos.

Em 2003, o PRONERA investiu numa avaliação externa do programa e o Curso Normal da UFS foi avaliado. A análise indica como um dos pontos significativos a dificuldade dos estudantes em acompanhar o desenvolvimento do curso, uma vez que não houve seleção prévia, a condição para fazer o curso era ser monitor/alfabetizador. De acordo com a pesquisa, essa dificuldade repercutiu no estudo realizado nos cadernos e na realização das tarefas, resultando em 30% de estudantes que não conseguiram concluir o curso. No entanto, de acordo com Lopes e Araújo (2004, p. 241) ―o desejo de dar continuidade aos estudos foi manifestada pela quase totalidade dos entrevistados [...] A expressiva maioria, representada por 80,6% dos educadores populares entrevistados manifestou preferência por fazer o curso superior em Pedagogia da Terra‖.

Acreditamos que se houvéssemos conseguido iniciar o curso de Pedagogia para os sem-terra após a conclusão do curso Normal em 2003, essa expressiva maioria teria concorrido ao vestibular. No entanto, o hiato de quatro anos, entre a aprovação do Projeto de Curso pela Comissão Pedagógica do PRONERA em 2004 e a realização do vestibular em 2007 foi motivo de contarmos com poucos estudantes do Curso Normal no curso de Pedagogia. Dos 64 educadores populares aprovados no curso Normal, apenas cinco fizeram o curso de Pedagogia da UFS.

Quando perguntamos aos que fizeram curso Normal na UFS, se os conhecimentos até agora aprendidos são suficientes para o desempenho da docência, abre-se um debate sobre qual é o papel dos cursos de formação na ação prática do professor. No curso Normal, a grande maioria dos educadores eram assentados vinculados ao MST27 que acompanhou muito de perto o processo de formação do grupo, nomeando um coordenador para a turma com a função de acompanhar todos os módulos tanto no tempo escola, quanto no tempo comunidade. Esse coordenador posteriormente formou-se em Pedagogia pela UFRN e foi orientador pedagógico do curso de Pedagogia da UFS. Ele atribui a coordenação do curso

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De acordo com Lopes e Araújo (2004) 88,1% dos estudantes foram indicados para fazer o curso pelas lideranças do MST.

Normal da UFS como preparatório para as experiências de estudo e trabalho que vieram a seguir.

Eu pego esse magistério sempre como base porque eu aprendi muita coisa com esse curso do magistério [...] Me deu muita base para a minha formação enquanto profissional, porque foi a partir dele que eu comecei a qualificar a minha prática pedagógica, mesmo estando fora da sala de aula [...] foi muito interessante porque eu pude estudar também. Eu não perdia uma aula. Eu ia até duas da manhã para deixar tudo organizado, os trabalhos dos alunos, porque eu não aceitava perder um aluno... Eu sempre gostei muito de estudar a cada aula que eu assistia eu trazia para minha vida pessoal mais um compromisso de não perder a aula seguinte. Poderia ter a tarefa que fosse. Como era que estava se dando a interpretação dos alunos nos cadernos que eram escritos pela equipe pedagógica do curso. Eu tinha que ver se a linguagem estava adequada, se havia dificuldade para os alunos acompanharem e como era a relação professor-aluno. Quando a gente se reunia discutia como estava o andamento do curso, a preocupação maior do curso do magistério era não deixar cair qualidade, porque nós temos pessoas de quinta e sexta e sétima oitava série a gente tinha um público muito diversificado cada um com seus limites, mas o desafio era vencer a cada dia, incentivando os alunos a não decair, para que a qualidade do curso não ficasse comprometida. (Entrevistado 4)

Os que fizeram o curso Normal na UFS e que hoje são alunos do curso de Pedagogia da UFS assim se reportam a esse curso:

Eu já tinha 2º grau completo fiz o curso porque queria me especializar na área em que estava trabalhando. O curso de magistério foi o melhor curso que eu fiz. Antes eu escrevia errado, eu não sabia construir texto, eu sabia superficialmente e depois do magistério foi que eu aprendi muito mesmo. Eu acho que era porque também eu já sabia o que eu queria, antes e eu ia para a escola para encontrar amigos, sair de casa, porque todo mundo ia para a escola eu também ia, mas ainda não sabia o que queria da vida. Quando eu fiz o magistério eu me dediquei, porque já estava mais velha e sabia o que queria da vida. (Entrevistado 6)

Aí novamente apareceu a vaga para tirar o magistério, a gente entrou de cara com vontade mesmo. Porque a gente vê a discriminação que a gente ouve no município pelo pouco grau de escolaridade, a pessoa sem escolaridade não tem emprego fica de fora. Foi mais a necessidade que a gente tinha de concluir os estudos para participar do movimento [...] além de você estar sendo alfabetizado conseguir repassar parte do conhecimento para os companheiros, porque os alunos do curso também podem passar a ser alfabetizadores das pessoas que viviam na comunidade. (Entrevistado7)

Eu tenho por mim que hoje eu já sei o que é fazer um planejamento, a gente aprendeu no Magistério, mas antes do magistério acontecer, já existiam os cursos de capacitação. Ficava todo mundo se batendo sem entender. Tinha muito conflito, a gente não entendia como se dava o processo. Hoje ao receber as aulas a gente está mais calma, porque já passamos por um processo de formação. Hoje a gente tem mais uma consciência e já vê caminhos diferentes de como o chegar à terra e na educação. (Entrevistado 8)

O interesse pelo curso de Pedagogia para os nossos entrevistados vai desde a necessidade de conseguir um emprego até ajudar os companheiros a aprender a ler e escrever. Há um sentimento de que o Curso Normal abriu não só o campo de trabalho, mas também, o que fica marcado nas falas, foi importância da conclusão de um ciclo de escolarização, já que eles saíam do curso com diploma de Curso Normal e conclusão de nível médio.

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