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PARTE I: ESTADO DA ARTE

CAPÍTULO 2: A ORGANIZAÇÃO/GESTÃO HOSPITALAR

2.2. CUSTOS HOSPITALARES

O aumento das despesas com a saúde é uma das principais preocupações dos governos, situação agravada nos países com menor crescimento económico, constatando-se como é difícil assegurar o financiamento dos cuidados de saúde sem limitações. Em Portugal, no período de 1980 a 2004, o peso dos gastos públicos com saúde face ao Produto Interno Bruto (PIB), duplicou, passando dos 3,6% para os 7,2%, representando em 2006 cerca de 9,9% do PIB, valor acima da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que em 2007 se situava nos 9%, variando entre os 16% nos Estados Unidos e menos de 6% no México e Turquia (Portugal, 2010, p. 24). Como justificação para o aumento dos custos em saúde Serralva (2000) refere a desorganização com demoras indevidas, a duplicação de exames e ao planeamento de cuidados sem se atender à prevenção, sendo que a esse elevado custo não corresponde necessariamente um elevado nível da qualidade dos cuidados prestados. Tais gastos estão associados a interesses de índole corporativa, industrial e politica que dificultam a implementação de medidas de controlo de despesas.

Marques (2008), também partilha das ideias de Serralva (2000) relativamente aos custos em saúde, quando afirma que “as despesas com a saúde dos países ocidentais estão a

tendente envelhecimento (há estudos que apontam um consumo de cuidados de saúde quatro vezes superior relativamente às pessoas com mais de 65 anos), o aumento da esperança de vida, as novas doenças da civilização e o desenvolvimento de doenças crónicas que provocam e agravam o aumento do consumo per capita, associado à prestação dos cuidados (mais atos médicos, exames e tratamentos, medicamentos, material de consumo clínico e dispositivos médicos, etc.)” (p.58).

Como fator do aumento dos custos em saúde, Marques (2008, p.60) aponta a má distribuição das instalações e equipamentos de saúde, bem como a facilidade na aquisição de equipamentos e novas tecnologias.

Na verdade, o aumento dos custos relativos aos cuidados de saúde tem suscitado a necessidade da implementação de medidas de racionamento de cuidados, tanto no domínio do racionamento implícito decorrente das decisões clínicas, cujos critérios discricionários resultam de valores e julgamentos dos prestadores de cuidados, como no racionamento explícito, decorrente de critérios técnicos e princípios normativos conducentes à inclusão ou exclusão de pacientes da prestação de serviços, ou programas de saúde promovidos pelos governantes, pese embora estes, em substituição de decisões clínicas subjetivas, tornem o racionamento mais transparente e aberto à participação da sociedade (Pinho, 2008, p. 691).

O estabelecimento de prioridades na área da saúde, significando tratar alguns doentes/doenças de forma preferencial, tem levantado algumas questões quanto à justiça distributiva, a qual pressupõe tratar de igual forma o que é igual e de modo diferente o que é diferente, o mesmo se passando relativamente ao princípio do mérito, o qual defende que os indivíduos com certas características devem ser tidos em consideração para a afetação dos recursos. Esta perspetiva utilitarista, tendo subjacente o primado da eficiência, refere que os recursos devem ser distribuídos de modo a maximizar a sua utilidade e o seu propósito, ou seja, a máxima satisfação do cliente e da sociedade. Neste pressuposto, Pinho (2008) refere que não se deve ignorar os valores da sociedade, para a qual, de acordo com o comunitarismo, esta deve participar na tomada de decisão relativamente às “questões

normativas sobre a vida, a qualidade de vida e o papel da Saúde” (p.692). O mesmo

advoga existir a necessidade do uso de critérios técnicos assentes na Epidemiologia, Economia e na Medicina Baseada na Evidência (MBE). A contribuição da economia para o estabelecimento de prioridades em saúde tem sido alvo de discussão ao nível da literatura,

da economia, por força da escassez de recursos, pelo que importa fazer a avaliação efetiva dos custos e benefícios associados aos programas de saúde.

Os estudos de custo-efetividade, subjacentes ao modelo de Medicina Baseada na Evidência, têm permitido clarificar e identificar intervenções ineficazes, reduzindo assim o desperdício e libertando recursos para fins alternativos. Esta opção de priorização de cuidados iniciada nos Estados Unidos em 1991 no Estado de Oregon teve como resultado, a estruturação de uma lista de 709 pares doença/tratamento cobertos pelo esquema de segurança e proteção social dirigido a pobres e idosos, mas que, por carências de financiamento, apenas os primeiros 587 cuidados foram financiados numa fase inicial, sendo posteriormente alargados em 1993 para 696 casos (Pinho, 2008, p. 693).

A opção da exclusão de serviços de saúde do financiamento público de modo a permitir o alargamento de beneficiários foi seguida com interesse a nível internacional, em especial pelos países onde o acesso aos serviços de saúde não é tido como universal. Na Europa, seguindo-se o modelo “comunitarista”, deu-se maior ênfase à equidade do tratamento ao cidadão. No entanto, países como a Holanda, Nova Zelândia, Noruega e Suécia, adotaram modelos associados ao modelo de racionamento, tendo como premissas para estabelecimento de prioridades, a definição de um conjunto de orientações clínicas, critérios e princípios éticos inspirados nos valores cristãos e no humanismo ocidental, tais como o princípio da dignidade humana, da necessidade e solidariedade e o princípio custo- efetividade, (Pinho, 2008, p. 693).

Serralva (2000) refere existirem diferentes métodos para a análise de custos em saúde, evidenciando o que compara os custos com a qualidade dos cuidados de saúde prestados. Salienta contudo dificuldade em analisar a qualidade dos cuidados, pois considera ser difícil de a mensurar. Um segundo método encontra-se associado ao cálculo dos custos por doente hospitalizado, apesar de existir um número muito elevado de doenças e em diferentes fases de evolução. Em sua opinião, e contrariando o facto de ser considerado como mais rigoroso, refere que “nos hospitais se realiza muitas vezes o cálculo do custo

diário de hospitalização, representando esta uma forma pouco correta de avaliar os custos reais. Na realidade, o doente não consome regularmente a mesma quantidade de cuidados durante todo o período de hospitalização. Além disso, cada doente tem um comportamento e exigências diferentes num mesmo hospital e, como é óbvio, em hospitais diferentes

Serralva (2000) distingue os “custos diretos” dos “custos indiretos” em saúde. Sendo óbvia a impossibilidade de calcular a soma dos custos reais associados a cada caso de doença, torna-se necessário proceder à estimativa dos custos por doente. Assim, é necessário realizar estudos para contabilizar todos os custos associados à doença. Fazem parte dos custos diretos os tratamentos onde se incluí entre outros, os consumos de materiais, as consultas, os medicamentos, o tempo de hospitalização e as despesas de transporte. Os custos indiretos representam todos os custos para além daqueles considerados diretos na prestação de cuidados ao doente. Uma doença tem um custo económico muito superior à soma das despesas em materiais e equipamentos, pois o indivíduo doente tem necessidade de interromper a sua atividade profissional, afetando a sua situação pessoal e familiar. Na perspetiva de um melhor enquadramento dos custos com a saúde e em função do individuo, doença e situação, surgiu uma classificação que permite calcular o custo médio das doenças, designada por Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH). Ao avaliar os custos resultantes de cada patologia, foi permitido estabelecer prioridades a nível do planeamento em saúde e, consequentemente, foi demonstrado que as despesas com a saúde se podem adequar à doença, não constituindo desperdício para a sociedade, mas sim como investimentos social (Serralva, 2000, p.68).

O suporte teórico estabelecido na literatura relativamente à definição de prioridades, racionamento e análise de custos, revela pois a importância da temática em estudo e o interesse para as instituições de ensino e de saúde, tendo-se como objetivo a produção de conhecimentos que contribuam para a melhoria dos processos de aprendizagem, para uma maior eficiência na gestão e melhoria da qualidade de cuidados.

Todos os estudos que possam tornar mais claro os custos globais das organizações, mesmo que parcelarmente, são assim de extrema importância, pois podem clarificar custos ou mais-valias resultantes de parcerias institucionais e a definição de responsabilidades das partes nos resultados operacionais.

Não podendo entrar na análise global dos custos relativos à prestação de cuidados de enfermagem nos hospitais, com particular incidência dos resultantes do ensino clínico de enfermagem, importa contudo clarificar de que forma os resultados operacionais dos serviços hospitalares são influenciados pela realização dos EC, induzidos quer pelo aumento de prestadores de cuidados de enfermagem, nomeadamente no que se refere à presença dos estudantes de enfermagem, quer em termos gastos de materiais de consumo

Várias têm sido as referências relativas à problemática do processo de colaboração entre os serviços hospitalares e as escolas, a maioria incidindo sobre a dicotomia entre a formação adquirida nas escolas e a realidade prática profissional, sobre o papel do docente e do enfermeiro nos ensinos clínicos e no âmbito dos modelos de supervisão/orientação dos estudantes (Gonçalves et al., 1995; Espadinha 1997; Franco 2000).

Esta colaboração entre instituições de saúde e escolas de enfermagem, sob o ponto de vista administrativo, como anteriormente referido, é contextualizada como “cordial”, envolvendo a componente pedagógica, os recursos materiais, físicos e humanos (Franco, 2000, p.37).

No contexto da colaboração entre instituições, Amador (1991) refere o ensino clínico de enfermagem como “demasiado importante para ser ignorado pelos administradores das

instituições de ensino e de serviço, os quais têm feito, ao longo das últimas décadas tentativas para solucionar o problema do afastamento entre a teoria e a prática” (p.11).

Tal importância é salientada na Lei nº 27/2002 de 8 de Novembro, relativa às alterações implementadas na gestão das organizações hospitalares, por força do estipulado no artigo 15º onde se contempla o ensino e a investigação nos hospitais. Por outro lado, o estipulado no Decreto-Lei 206/2004 de 19 de Agosto, artigos 12º e 13º, relativamente à elaboração de protocolos para a formação dos estudantes, suscita algum embaraço no estabelecimento de parcerias entre as instituições (escolas e hospitais), não só pelo envolvimento de recursos humanos e materiais, mas também pelas eventuais implicações relativamente à qualidade e custos de cuidados prestados. Neste contexto, é de salientar também o significativo aumento do número de escolas a lecionar o curso de enfermagem, com consequente aumento do número de estudantes em formação, o qual, de acordo com a Ordem dos Enfermeiros (OE) passou de 2.195 em 1999 para 15.851 em 2007, condicionando assim o desenrolar das parcerias institucionais estabelecidas, associadas às maiores necessidades de campos de estágios e as inerentes implicações em termos logísticos, as quais, alegadamente levaram ao aumento do consumo de materiais.

Se por um lado as crescentes solicitações das instituições de ensino condicionam as organizações hospitalares, por outro, a implementação dos novos modelos de gestão nas instituições hospitalares, conduziram a mudanças em termos cognitivos, afetivos e comportamentais dos seus profissionais, e permitiram introduzir novas formas de contratualização de serviços, criando assim possíveis janelas de oportunidade para a

implementação de protocolos e parcerias mais fundamentadas no âmbito da gestão de recursos materiais e humanos (OE, 2008, p38). Para tal, a realização de estudos incidindo sobre os gastos resultantes das intervenções dos estudantes em EC, mesmo que parcelares, são de uma importância acrescida, sendo de referir um estudo na área da gestão de materiais realizados numa instituição hospitalar durante a realização do EC de enfermagem em 2009, o qual revelou que a diferença entre a presença e ausência de estudantes nos serviços conduziu a um acréscimo dia de 27,12€ para a Medicina e de 13,91€ para a Cirurgia, correspondendo uma taxa de crescimento com a presença de estudantes nos serviços de 49,84% e de 49,22%, respetivamente, o que, face à permanência diária de 10 estudantes por serviço, o gasto dia/estudante foi de 2,712€ na medicina e 1,39€ na cirurgia (Ribeiro, O. et al., 2012).

Pensamos pois que estes estudos podem dar um contributo não só para a análise dos resultados operacionais das organizações hospitalares, mas também podem contribuir para uma melhor tomada de decisão relativamente ao estabelecimento de protocolos e parcerias entre as instituições saúde e de ensino.

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