• Nenhum resultado encontrado

4. As Reformas militares NATO 1949/

4.2. A década militar de cinquenta portuguesa

Temos sensivelmente uma década de acordos bilaterais de âmbito militar entre Portugal e os EUA. Em 1948, um acordo sobre as bases das Lajes e em 1949 um “Acordo de Assistência Mutua”.174 Em 1951, reforçava-se um acordo de auxílio mútuo e em Setembro do mesmo ano, um acordo que estendia a baliza temporal da permanência dos EUA nas Lajes até 1956. Em 1957, renovou-se o acordo para se estender até 1962. A entrada de Portugal na NATO trouxe diversas implicações. Os chefes militares portugueses passaram a confraternizar com os seus pares nas reuniões periódicas da NATO.175 Tomavam conhecimento com o “novo mundo” para lá da fronteira. Alterou-se, com a adesão à NATO o conceito estratégico do território nacional, sendo Portugal integrado num contexto mais complexo, num quadro estratégico ocidental, o que levou a algumas visões nacionais diferentes perante esse novo conceito estratégico, originando de início um “duelo” entre o general Santos Costa e o general Raul Esteves.176 A política de defesa nacional de Santos Costa indicava uma maior atenção ao nível terrestre, logo um papel principal ao Exército, sendo obrigação de Portugal preparar-se para realizar uma defesa na zona dos Pirenéus, enquanto que Raul Esteves apontava para uma defesa militar mais virada para a Armada e para a Força Aérea, num âmbito geográfico dos Açores, seria esta a visão apoiada pelos EUA/NATO.

Outras alterações surgiram imediatamente, com a adesão à NATO dentro da orgânica das Forças Armadas, com vista a estarem homogéneas com as restantes forças NATO e para um melhor cumprimento dos objectivos a que Portugal estava sujeito na aliança. Em 1950, criou-se o cargo de ministro da Defesa Nacional; todavia, este encontrava-se agregado à Presidência do Conselho, tinha funções de orientação estratégica da política de defesa, coordenar os diferentes ramos das Forças Armadas e preparar a mobilização e defesa civil.177 Juntamente com o Ministro da Defesa, surgiu o       

174 “Mutual Defense Assistance Act”. 

175 Luís Salgado de Matos, «Estado Novo», in, Nova História Militar, dirs. Manuel Themudo Barata e

Nuno Severiano Teixeira e coord. Nuno Severiano Teixeira, 4.º Vol, p.164. 

176 Nuno Severiano Teixeira, «Portugal e a Guerra Fria», in, Nova História Militar, dirs. Manuel

Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira e coord. Nuno Severiano Teixeira, 4.º Vol, p.61. 

177 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.), Os Anos da Guerra Colonial. Antecedentes: Os

anos que geraram um novo mundo, Vol. I, p.18. e António Paulo Duarte, A Política de Defesa Nacional

de 1919 – 1958, Lisboa, p. 237.

Secretariado-geral da Defesa Nacional (SGDN), através do Decreto-Lei 37 909 de 1950178: era um órgão «de estado e de trabalho» do ministro da Defesa. Segundo António Paulo Duarte, o SGDN seria o órgão de supremo comando militar garantindo assim a supremacia do ministro da Defesa Nacional.179 Na direcção deste, surgiu o cargo de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) que tinha como funções: aconselhar, enquanto conselheiro técnico do ministro da Defesa Nacional e inspector superior das Forças Armadas.180 O Ministério de Guerra foi extinto para se formar o Ministério do Exército e manteve-se o Ministério da Marinha. Em 1952, nasceu a Força Aérea que viria a englobar a Aeronáutica do Exército e da Armada e foi criado o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica.181 Em 1952, criou-se a Direcção-Geral dos Serviços do Ultramar no Ministério do Exército.182

       

Igualmente importante, foi o facto de ser através dos EUA que Portugal, para além de receber equipamento, financeiramente acessível, recebeu toda a instrução para um bom desempenho logístico e operacional na guerra.183 Alguns desses ensinamentos farão com que Portugal consiga desempenhar uma guerra colonial em três teatros de operações.

Os objectivos principais que Portugal tinha para cumprir, no que diz respeito ao Exército, eram a criação de uma divisão independente capaz de cumprir as missões “tipo NATO” no continente europeu. A Armada e a Força Aérea estavam mais focalizadas para missões luta anti-submarina e missões de patrulhamento e vigilância. A sua área geográfica devia cingir-se ao Atlântico Norte.184 Para que a NATO assegurasse

 

178 V. Anexo n.º8. 

179 António Paulo Duarte, A Política de Defesa Nacional de 1919 – 1958, p. 237. Ver também Aniceto

Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.), Os Anos da Guerra Colonial. Antecedentes: Os anos que

geraram um novo mundo, Vol. I, p.18.

180 Nuno Severiano Teixeira, «Portugal e a Guerra Fria», in, Nova História Militar, dirs. Manuel

Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira e coord. Nuno Severiano Teixeira, 4.º Vol, pp.61-62 e António Paulo Duarte, A Política de Defesa Nacional de 1919 – 1958, Lisboa, p. 237. 

181 Nuno Severiano Teixeira, «Portugal e a Guerra Fria», in, Nova História Militar, dirs. Manuel

Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira e coord. Nuno Severiano Teixeira, 4.º Vol, p.62. 

182 Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (Coords.), Os Anos da Guerra Colonial. Antecedentes: Os

anos que geraram um novo mundo, Vol. I, p.19

183 Luís Salgado de Matos, «Estado Novo», in, Nova História Militar, dirs. Manuel Themudo Barata e

Nuno Severiano Teixeira e coord. Nuno Severiano Teixeira, 4.º Vol, p.164. 

184 Nuno Severiano Teixeira, «Portugal e a Guerra Fria», in, Nova História Militar, dirs. Manuel

Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira e coord. Nuno Severiano Teixeira, 4.º Vol, p.62. 

que Portugal cumpria os objectivos propostos, foi criada uma missão a título permanente em Lisboa: a Military Assistance Advisory Group que pretendia compreender as deficiências do aparelho militar português e criar soluções para as ultrapassar.

Seguindo o conceito estratégico de Santos Costa, Portugal ainda ambicionava formar dez divisões terrestres, mas esse projecto vai sendo desvanecido com as mentalidades NATO que ocupam as mentes dos militares portugueses com outro tipo de conceito estratégico. O mais importante não era possuir um exército terrestre numeroso, sendo mais benéfico, usufruir de um exército pequeno mas qualificado, bem armado e treinado. Para Portugal responder a este desafio era preciso romper com a maior parte das mentalidades vigentes até então e era igualmente necessário toda uma aquisição de conhecimentos, renovação da orgânica, doutrina e equipamentos militares. No início da década de cinquenta o conceito de Santos Costa tinha vencido o conceito de Raul Esteves e esse projecto ainda possuía alguma credibilidade de concretização, pelos comandos militares portugueses. Só com o prolongar do projecto NATO nas Forças Armadas Portuguesas é que iria provocar um descrédito no projecto de Santos Costa que tinha origens ainda na reforma de 1937. Esse descrédito seria o ponto de partida para uma degradação das relações entre Santos Costa (ministro da Defesa) e o Exército. Santos Costa encontraria outro “rival” em Júlio Botelho Moniz que ocupava o cargo de CEMGFA. Este estava distanciado do projecto de Santos Costa e começava a pensar nos desafios que viriam de África para Portugal, onde se teria que tomar medidas políticas para uma solução que não podia ser militar. No final, a Abrilada planeada por Botelho Moniz, não resultaria numa solução política nem militar, serviria até de trampolim para o regime fazer alterações que trariam consistência política e militar para se fazer uma guerra durante treze anos. Todavia, este assunto será tratado com maior detalhe no último capítulo desta dissertação.