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1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEXTO DA PESQUISA

2.6 DÊIXIS

A dêixis é compreendida como uma situação referencial realizada num ato enunciativo no qual um enunciado é produzido e definido pela sua relação com locu-

tor. Dessa forma, de acordo com Lyons (apud MAINGUENEAU, 2004), a dêixis a- ponta e remete a determinados elementos que indicam localização e identificação pessoal (eu, tu/você), espacial (aqui) e temporal (gora) de objetos, pessoas, proces- sos, eventos e atividades construídas a partir da posição do corpo do locutor. Aos elementos lingüísticos que num enunciado são apontados e fazem referência ,chamamos dêiticos.

Segundo Bühler (apud MARCUSCHI, 2002b, p. 57), “os dêiticos como ’eu / tu’, ’aqui / lá, ‘agora / depois’ têm sua determinação referencial na relação com os contextos e os falantes, ligando-se, portanto, a um origo13 que lhes dá uma caracte- rística egótica”. Sob esse ponto de vista é que concebemos os dêiticos como ele- mentos referenciais cuja referência só pode ser determinada pelo contexto a partir do ponto de origem em que se situa o falante ou o interlocutor.

2.6.1 Os tipos de dêixis

Realizada numa situação definida, a dêixis é classificada a partir de três situ- ações enunciativas: dêixis pessoal, espacial e temporal. Contudo, convém também mencionar que dentre os três tipos clássicos surgem também a dêixis da memória e a discursiva. De forma sucinta, examinaremos cada um dos tipos de dêixis supraci- tados. Com exemplos dados por Cavalcante e Levinson (apud CIULLA, 2002) e também exemplos dos textos que compõem a amostragem desta pesquisa.

Dêixis pessoal

A dêixis pessoal aponta e alterna a identidade dos interlocutores de acordo com a situação enunciativa, ou seja, pode mudar de referente de acordo com a perspectiva que o falante toma no ato da comunicação. É representada pelos pro- nomes pessoais eu, tu e você ou pelos determinantes (meu/teu; nosso/vosso e res- pectivos feminino e plural) como nos exemplos abaixo:

13 Ponto zero (CIULA, 2002, p. 27)

(1) Um professor, ao descobrir que havia esquecido em casa os seus confor- táveis chinelos, pediu a um de seus alunos que fosse buscá-los, entre- gando o seguinte bilhete a sua esposa: "Mande-me os seus chinelos com este menino." Quando o menino perguntou por que ele havia escrito "seus" chinelos, o professor respondeu: "Bem, se eu tivesse escrito 'meus' chinelos, ela iria ler 'meus' chinelos e mandaria os chinelos dela. O que eu faria com os chinelos dela? Então escrevi 'seus chinelos', pois as- sim ela vai ler 'seus' chinelos e mandar os meus". (Levinson, 1983 [32]:68).

(2) Hoje eu fiquei muito abalado ao saber que meu pai vai receber transferên- cia da empresa na qual trabalha para o Brasil. (TEXTO P1T3).

No exemplo (1), o autor cita a piada para mostrar a mudança do centro dêitico entre os participantes, como também que o sujeito enunciador não é a pessoa em quem a dêixis está centrada. No exemplo (2), “eu” se refere ao enunciador que se posiciona no enunciado. Da mesma forma que “meu” ao fazer referência ao pai do enunciador, sujeito em quem a dêixis está centrada.

Dêixis espacial

Constatamos um dêitico espacial quando esse se remete ao lugar no qual o enunciador se encontra, ou quando o pressupomos. Os dêiticos espaciais encon- tram-se nos advérbios aqui, ali, além, etc. Vejamos os exemplos a seguir:

(3) "Estou escrevendo para dizer que estou me divertindo muito aqui." (Levinson, 1983 [32]:79).

(4) Oi boy,

Caramba está muito legal aqui no Brasil. (TEXTO P3T3).

Nos exemplos (3) e (4), o referente “aqui” indica um espaço real em que se encontra o falante, dessa forma o interlocutor sabe ou pressupõe perfeitamente o lugar onde se encontra o enunciador.

Lembramos que há casos em que um elemento canonicamente dêitico pode ser empregado de forma dêitica e anafórica simultaneamente. No exemplo a seguir, elucidamos o termo “lá” que tanto é considerado como dêixis espacial como anáfora,

esta, no entanto, por mostrar uma ocorrência em que a referência acontece no co- texto.

(5) Estou muito triste com a notícia que recebi a pouco, os coroas me a vi- saram que nós iremos nos mudar para o Brasil.

[...]

O que será que vou encontrar lá? (TEXTO P1T6).

Embora, no exemplo (5), o enunciador não se encontre no espaço real no ato da enunciação, a explicação para o “lá” como dêitico espacial dá-se quando pressu- pomos a posição do enunciador no momento da enunciação. Dizemos que ele é a- nafórico por retomar pontualmente o referente “Brasil” e por estabelecer referência espacial com um referente no co-texto.

Dêixis temporal

A dêixis temporal é identificada a partir das marcas textuais que se referem ao tempo do próprio ato da enunciação. São identificadas como dêiticos de tempo as expressões como: hoje, agora, amanhã, ontem e daqui a pouco, esta noite, etc. Se- gundo Fillmore (apud CIULA, 2002, p. 34), “as unidades de calendário, tais como os dias da semana, as estações do ano e os meses são utilizados freqüentemente co- mo dêixis de tempo”. Confira os exemplos abaixo:

(6) "Na próxima quarta, haverá um encontro de professores das universi- dades." (Cavalcante, 2000 [8]:44)

(7) Blu!!!

Eu cheguei já faz três semanas é já arrumei uma amiga. (TEXTO P4T2).

(8) Querida Brit,

Eu cheguei aqui no Brasil ontem, desculpe por não ter escrito on- tem é porque tivemos que arrumar nossa nova casa. (TEXTO P4T7).

Ao terem suas interpretações ancoradas em situações enunciativas, as ex- pressões "Na próxima quarta”, no exemplo (6), “três semanas”, no exemplo (7), e

“ontem”, no exemplo (8), são aqui identificadas como dêiticos, visto que, a partir do momento da enunciação, o interlocutor consegue situar-se no tempo referido.

Dêixis da memória

Acrescidas aos modelos clássicos de dêixis, destacamos também a dêixis da memória. A ela ”concernem as expressões nominais demonstrativas cujo referente não está presente nem no contexto nem nas situações de comunicação” (MAIN- GUENEAU, 2004, p. 148). Dessa maneira, compreendemos que o referente encon- tra-se no espaço da memória comum dos interlocutores, conforme Cavalcante (2003, p. 5). Vejamos os exemplos:

(9) "Well!! Já passa da meia-noite e amanhã cedo tenho que trabalhar. Vou dar uma aula particular, vou p/ UFPE e à tarde ao médico. Sim!! Tirei aquele sinal da perna, lembras?" (Cavalcante, 2000 [8]:178).

(10) Segunda-feira chegou aquelas patricinhas dizendo que iam sentir minha falta, a maior falsidade, até parece que eu acredito. (TEXTO P2T8).

Ao empregar as expressões “aquele sinal da perna” e “aquelas patricinhas”, mesmo que o referente não esteja presente no ato enunciativo, o interlocutor o recu- pera pela memória partilhada ajudado pelo demonstrativo “aquele” , no exemplo (9) e “aquelas” no exemplo(10), referente ao sinal da perna e à patricinhas, respectiva- mente, que ao ser acionado o demonstrativo o referente torna-se familiar.

Dêixis discursiva

Embora seja considerada como um tipo de derivação das dêixis temporal e espacial (CIULA, 2002), por utilizar-se de dêiticos de tempo e de lugar e também pelo posicionamento do locutor no ato enunciativo, a dêixis discursiva ganha rele- vância e define-se, no discurso, ao distinguir-se dos outros dêiticos por não se referir

ao espaço e ao tempo da situação real, mas ao espaço do texto. Observe o exem- plo:

(11) “Por isso, no próprio espetáculo imaginado para iniciar o Projeto, as músi- cas de Schubert, Saint-Saens, Ravel e Villa-Lobos serão apresentados em versões novas que, recriadas por A. M., serão executadas por ins- trumentos originados da tradição popular brasileira. São instrumentos como a rabeca, a viola dos cantadores e o marimbau (berimbau de lata ou de cabaça), este último percutido ou tocado com arco.” (Cavalcante, 2001. E040 – projeto cultural – NELFE)

(12) Bom, esse foi meu horrível dia! Agora vou parando por aqui, porque te- nho que terminar de arrumar minhas coisas. (TEXTO P2T1).

No exemplo (11), atribuímos o valor dêitico ao termo “este último” por fazer re- ferência, ou seja, por chamar a atenção do leitor para o último referente citado. No exemplo (12), o locutor após uma descrição do dia, está encerrando o assunto. No relato, o “aqui” não se refere ao espaço real do locutor, mas ao espaço do texto, ou seja, a finalização do assunto.

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