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Dó: Iluminando alguns conceitos e conotações do emaranhado semântico

2. Das questões epistemológicas: esclarecimento teórico-metodológico e limitações da

2.2. Alguns planos básicos par a libertar a ―idéia das influências ambientais‖ do

2.2.1. Dó: Iluminando alguns conceitos e conotações do emaranhado semântico

―Qual é a condição para se determinar a influência de uma determinação que condiciona a influência do determinismo condicionante?‖

Autor desta tese, após refletir sobre o termo ―determinação‖

Há um lamaçal semântico no que se refere ao julgamento de discursos a respeito da influência dos fatores ambientais/climáticos sobre a humanidade. Assim, parte-se do pressuposto de que é necessário, a priori, analisar brevemente alguns termos equivocadamente empregados, precisar o significado de palavras com amplo histórico de vaguidade51 e verificar a legitimidade de certos rótulos. Assim, as questões teórico-conceituais e epistemológicas tratadas no decorrer da tese,

51 Alguns apontamentos concernentes ao uso freqüente de certas palavras devem ser colocados devido à natureza da pesquisa, que trata de alguns problemas no uso indevido de termos e rótulos e requer dos leitores um entendimento preciso do sentido de algumas palavras. As palavras a serem explicadas são: Natureza, ambiente (meio), ambiente físico (ambiente natural), clima, humanidade e ambientalismo. Todavia, deve-se reconhecer que é de todo impossível evitar certa imprecisão de tais termos, uma vez que sua confusão na literatura tem rolado como uma bola de neve por séculos de uso vago de termos, comportando cada um diferentes sentidos, do que se infere que não é uma tese de doutorado que vai iluminar essa seara de imprecisões semânticas.

especialmente no capítulo três, exigem os seguintes esclarecimentos prévios quanto à questão da linguagem, dos rótulos e dos conceitos:

1. Distinção das idéias de ―determinação‖ e ―influência‖. Esclareço que diante da profunda confusão a respeito dos limites dos termos determinar e influenciar, é preciso utilizar-se da coerência semântico-filosófica para se justificar a necessidade do segundo termo em detrimento do primeiro.

2. Impertinência e equívoco no uso do termo ―determinismo‖έ A principal objeção endereçada ao uso do termo ―determinismo‖ é sua acepção original de cunho filosófico. A segunda principal objeção diz respeito ao seu sentido científico, atrelado ao mecanicismo e que não guarda muita semelhança com o tipo de ―determinismo‖ presente nas obras dos autores rotulados. O termo ―determinismo‖, em sua acepção metafísica, nega ao ser humano qualquer grau de liberdade, do que se pode inferir que seu uso pelos possibilistas foi equivocado e ingênuo, senão até mesmo proposital, uma vez que tal termo traz em si séculos de radicalização da negação do livre-arbítrio.

3. A aplicabilidade do rótulo ―determinista‖έ Este rótulo parece reduzir a complexidade das obras e o pensamento dos autores a mero folclore, lançando-os numa Geografia marginal que jaz no território do surreal. Assim, faz-se necessária uma discussão lingüística e filosófico-conceitual dos termos usados para se avaliar as obras supostamente deterministas e suas críticas. Consideramos incorreto, impreciso e semanticamente inválido rotular uma teoria de determinista quando de fato ela apenas enfatiza a influência de fatores ambientais sem negar o papel de outros fatores ou da ação humana. Desse modo, esse rótulo não pode ser aplicado a uma teoria que sugere ou argumenta a participação não isolada de influências ou fatores geográficosέ Falar em ―autor determinista‖ significa reduzir sua complexidade.

4. As conotações negativas do termo ―determinismo‖έ O termo ―determinismo‖ foi demonizado e seu uso é deliberado e mal empregado. Assim, é

necessário desfolclorizar seus significados e propor uma nova nomenclatura (ou a devida cautela no uso da que existe) para se referir a alguns dos discursos rotulados de deterministas. Termos preferíveis ao clássico ―determinismo geográfico‖ seriam ―determinismo ambiental‖, adotado nesta tese; ―ambientalismo‖ que pode, contudo, gerar confusões pelo amplo sentido da palavra em português e pela conotação ecológica; ―condicionamento mesológico‖, termo empregado como tradução de ―environmentalism‖ na obra ―Perspectives on the nature of Geography‖, de Richard Hartshorne; e ―mesologismo‖, adotado em obras lusitanasέ Mesologismo e ambientalismo são termos que não evocam determinação e conseqüente anulação da vontade humana e, portanto, são preferíveis. ―Condicionamento Mesológico‖ evoca uma situação na qual o meio condiciona a ação humana, sendo assim uma alternativa que não preza pela precisão semântico-filosófica necessária para se dirigir às reais idéias dos ―deterministas‖έ Este termo usa a palavra condicionar, que considero de muita força para ser usada em algumas teorias deterministas. Nem sempre os supostos autores deterministas consideram a natureza como uma condição a qual os humanos não podem superar. O termo influenciar ainda parece a melhor alternativa diante dos termos propostos até o momento. O termo mesológico é pouco empregado e pode causar estranhamentos. Além disso, a tradução da obra de Hartshorne foi imprecisa ao desconsiderar que meio é mais bem traduzido em inglês, pelo menos no sentido geográfico, como ―milieu‖, palavra emprestada, por sinal, do francês. Assim a relação homem- meio em inglês aparece, com freqüência, como sendo ―man-milieu‖.

Minha objeção ao termo ―determinismo ambiental‖ recai sobre a idéia de determinação, que é equivocada quando atribuída a todos os discursos rotulados de deterministas. Assim, ambientalismo, apesar de comportar diversos significados, é um termo muito mais adequado, mas ficou todavia restrito ao universo anglófono. Mesologismo seria uma alternativa, nesse caso aludindo ao ―meio‖, que em Geografia, pode ser sinônimo de

―ambiente‖έ Todavia, a vaguidade e generalidade do termo ―meio‖ também impede maior clareza conceitual do termo mesologismo. Conclui-se dessa discussão que nenhum termo, de fato, é pertinente, e que o uso de qualquer um deles evoca imprecisões, ideologias e preconceitos acadêmicos, o que nos leva a reforçar a necessidade de se falar apenas em ―questão ou idéia das influências ambientais. Trata-se de uma hipótese básica que considero estar no cerne mais íntimo da ciência geográfica, e que ao mesmo tempo pertence à maior parte das ciências.

5. A impertinência do termo ―determinismo geográfico‖έ Determinismo ambiental e determinismo geográfico são sinônimos e o primeiro termo é mais freqüente na literatura, sendo uma tradução do termo ―environmental determinism‖, amplamente empregado pelos geógrafos do mundo anglófono. Atualmente, poderiam ser feitas objeções quanto ao uso do termo ―geográfico‖ para se referir apenas às influências de fatores naturais, ou seja, aqueles do ambiente físico ou ―physical environment‖ (termo também bastante usado pela tradição anglófona), uma vez que por ―geográfico‖ se entende atualmente um número muito mais amplo de características do espaçoέ Assim, se fala hoje na ―Geografia‖ de um país não mais como referência a meros aspectos físicos, mas a diversos outros relacionados à produção econômica, população, problemas sociais e principalmente às relações entre esses fenômenos. Todavia, há controvérsias sobre esse possível ―all encompassing‖ e impreciso sentido do termo ―geográfico.

Dessa forma, o termo ―determinismo ambiental‖ será preterido. O termo ―determinismo geográfico‖, apesar de menos freqüente, foi amplamente disseminado e ainda hoje é utilizado, fato que tem reforçado um atrelamento da Geografia com o ―determinismo geográfico‖. Quando pensamos em ―determinismo ambiental‖, não nos remetemos necessariamente à ciência geográfica, mas sim, a todas as ciências que lidam diretamente com o chamado ―ambiente físico‖, ou natureza, usados nesta tese e na literatura

concernente como sinônimos. O problema aparece quando se insiste no uso de ―geográfico‖ como sinônimo de ―natural‖ ou de ―físico‖έ Este legado antigo, que não nasce com a tão vilipendiada Geografia tradicional, mas sim muito antes, no mundo grego, quando primeiramente é usado o termo Geografia para se referir ao estudo que descreve a terra em seus aspectos naturais, é que, ao ser usado e disseminado pelos séculos, estigmatizou a Geografia no momento em que ―autores deterministas‖ estavam sob os holofotes das ciências emergentes no final do século XIX e início do século XX. Esse mau uso do adjetivo ―Geográfico‖ é reconhecido por inúmeros geógrafosέ Clark (19θ0) afirma que ―Geográfico‖ é meramente o adjetivo de ―Geografia‖ e nada mais do que issoέ Critica o uso indevido do adjetivo e afirma que ―To insist that ‗geographical‘implies a greater interest in nature

than in culture (even if it often, or usually, implies interest in both) is quite to misread the purpose and practice of our discipline. (Clark, 1960, p.608)‖έ O autor ainda afirma que o mau emprego do adjetivo reforçou o rótulo de deterministas colado ao geógrafos nas décadas anteriores. Para Lewthwaite (19θθ), o adjetivo ―geográfico‖ quando usado para se referir restritamente aos aspectos físicos do espaço, é um ―unhappy term‖.

6. O problema da tradução dos termos em inglês. Também existe um emaranhado semântico no que tange o uso dos termos empregados em língua inglesa e que não possuem os devidos equivalentes em português. Em inglês o termo ―environmentalism‖ (ambientalismo) é utilizado, além de outros sentidos, ora como sinônimo de ―determinismo ambiental radical‖, ora como uma versão mais moderada de ―determinismo ambiental‖ e para esses autores o ―determinismo ambiental‖ é mais radical que o ―ambientalismo‖, que reconheceria um maior papel dos fatores não- ambientais e do livre-arbítrio. Em português, o termo ―ambientalismo‖ não se disseminou com esse sentido de ―determinismo ambiental‖, seja ele ambiental ou atenuado.

Nos países anglófonos o termo ―environmentalism‖ costuma ser mais empregado por interlocutores com visão mais branda, menos crítica e mais ponderada do ―determinismo‖, ao passo que o termo ―environmental determinism‖ tem sido mais usado no sentido pejorativo e pelos críticos mais radicais. O emaranhado semântico se agrava quando constatamos que o termo ―environmentalism‖ é traduzido para o português ora como ―determinismo ambiental‖, ora como ―ambientalismo‖, ora como ―condicionamento mesológico‖ e até mesmo como ―mesologismo‖έ Quando reconhecemos que esses termos são fruto da inventividade de um idioma, não há problema algum. Entretanto, os termos dessa miríade de traduções, e todos os demais que constituem o amplo labirinto semântico do tema, além de parecer ter vida própria na esfera das idéias, com possível influência de seus leitores, também evocam uma série de preconceitos e geram um desarranjo conceitual quanto aos escopos da Geografia, à sua natureza e, principalmente, abrem espaço para uma compreensão equivocada e tendenciosa a respeito da questão das influências ambientais e da história do pensamento geográfico como um todo.

7. Denominação do ―determinismo‖έ Outro problema linguagístico suscitado pelo determinimo ambiental é quanto à denominação a ele conferida. Moraes e a Enciclopédia internacional de ciências sociais chamam-no de ―doutrina‖έ Sprout, fala em ―doutrina homem-meio do ―determinismo‖ usando esse mesmo termo para se referir ao ―possibilismo‖έ Moraes, ainda, afirma que os discípulos de Ratzel, ao radicalizarem suas idéias, criam a chamada ―escola determinista de Geografia‖52έ Lewthwaite concebe o ―determinismo‖ como ―filosofia‖ e

52 A objeção que tenho contra este tipo de termo é que ele sugere a existência de uma falsa cisão na Geografia,o que leva o leitor a acreditar na existência de uma dicotomia que de fato existe apenas no embate acadêmico, num plano abstrato. Ao se falar em escolas de pensamento, corre-se o risco de simplificar a complexidade inerente da história das idéias e da ciência em geral, o que vem a abrir espaço para criação de estigmas, rótulos e disseminação de caricaturas, que passam a ser alvo de críticas, estas, por sua vez, jamais alcançando a essência da teoria ou idéia em questão.

―tese‖, Blaut considera o ―determinismo‖ uma ―teoria‖, Hartshorne fala em ―conceito determinista‖, Freeman usa o termo ―hipótese‖, Casserley e Tatham referem-se à ―filosofia determinista‖έ 53

O termo filosofia, apesar de aparecer com freqüência na literatura é o mais impreciso e o menos pertinente. Aparentemente o termo pode fazer sentido, ao se considerar que os dois lados da falsa dualidade possibilismo- determinismo, em alguns casos, basearam-se numa discussão do livre- arbítrio e da causalidade em nível metafísico, mas ao se olhar para as obras taxadas de deterministas e, principalmente, para as obras dos críticos do determinismo, o que se vê é não mais do que um discurso, uma quase teoria que é mais claramente uma hipótese explanatória genérica sobre a relação homem-ambiente ou homem-meio.

A questão é que não faz muito sentido em se procurar um substantivo adequado ao adjetivo determinista, posto que ele próprio é uma ilusão e totalmente impertinente. Assim, em vez de falar em ―determinismo ambiental‖, minha proposta, que será justificada ao longo da tese, é a de abandonar o uso de termos obscuros, imprecisos e eivados de preconceitos, como ―determinismo geográfico e ―determinismo ambiental‖, e falar-se apenas de ―idéia ou questão das influências ambientais‖, haja vista a impossibilidade lógica e real de se advogar um determinismo puro e irrestrito. Todavia, se há que se usar uma denominação para o ―determinismo‖, proponho o uso do termo ―discurso‖, posto que a literatura do tema claramente visa a um embate acadêmico e os propositores do determinismo freqüentemente ―discursavam‖ sobre ele tendo como lastro uma séria de ideologias que parecem fazer do determinismo muito mais um discurso e uma retórica sedutora necessários à política e aos anseios científicos e sociais de uma época, do que de fato uma tese ou filosofia.

53 Essa feijoada indigesta com múltiplos temperos semânticos é no mínimo risível e no máximo pitoresca.

O termo ―discurso determinista‖ não é usado pela literatura do tema e significa uma ruptura severa com as lentes embaçadas da tradição crítica.

Sobre essa dificuldade em se encontrar um termo apropriado para se referir à idéia das influências ambientais, é crucial destacar que Glacken, um dos mais cautelosos comentadores do ―determinismo ambiental‖, praticamente não usa este termo em sua obra, e para meu espanto, os termos ―determinism‖, ―environmentalism‖ e ―environmental determinism‖ sequer aparecem no indexέ Isso confirma que a aparição do termo ―determinismo ambiental‖ e ―determinismo geográfico‖ realmente se dá a partir do século XIX, disseminando-se rapidamente no início do século XX, pois Glacken estuda o período compreendido entre o século V a.C até o final do iluminismo, no final do século XVIII. Ainda assim, é digno de nota que Glacken não tenha sido contaminado pelo uso desses termos pejorativos e equivocados.

8. O sentido do termo ―ambiente‖έ Sobre o termo ―environment‖ (ambiente), assim como em português, possui vários sentidos. Nesta tese, assim como nas obras que constam da bibliografia, o sentido do termo ―ambiente‖ está claramente vinculado à natureza, ou seja, aos fatores do ambiente físico abstraídos da realidadeέ Assim, os termos ―physical environment‖ e ―natural environment‖ aparecem como sinônimos de ―environment‖ e são freqüentes em obras deterministas e possibilistas, e nas que criticam essas duas idéias. 9. O sentido do termo ―natureza‖έ O termo ―natureza‖ possui incontáveis

significados em grego, latim e nas línguas modernas. Nas Ciências da Terra e, particularmente em Geografia, ―natureza‖ é usado como sinônimo do mundo físico em sua totalidade, ou seja, de ―ambiente natural‖, que por sua vez é referido também como ―ambiente físico‖έ л com esse sentido que a palavra natureza aparece nesta tese, além do que diversos autores de nossa bibliografia a usam também com essa mesma conotação. Contudo, nessa totalidade, os geógrafos reconhecem o homem como parte dessa natureza, mas o uso feito da palavra natureza não inclui o ser humano, já que as

influências ambientais a que aludem os deterministas são apenas advindas de fatores ambientais constituintes da terra na qual o ser humano vive, sem incluí-loέ Os ―deterministas‖, quando falam em influências ambientais também não se referem às influências de ambientes transformados, como represas, plantações e cidades, mas sim ao efeito direto e indireto de elementos naturais que permanentemente têm afetado diversas civilizações e sociedades, como é o caso do clima e seus elementos (temperatura, umidade etc), as formas de relevo, a hidrografia e os oceanos, dentre outros.

10. O sentido do termo ―meio‖έ O termo meio é freqüentemente usado como sinônimo de ambiente, mas optou-se pelo uso deste último, posto que é a tradução mais comum do termo ―environment‖έ Por sua vez, o uso do termo relação homem-meio, quando traduzido do inglês ―man-milieu relations‖, ou como sinônimo de homem-ambiente ou natureza-sociedade, será mantido, devido à popularidade de seu uso na literatura geográfica brasileira.

11. O sentido do termo ―humanidade‖έ A palavra humanidade, ao contrário de seu significado corrente, de mero conjunto dos seres humanos, é usado como uma forma de sintetizar e abarcar todos os aspectos da realidade que são influenciados pelos fatores ambientais, ou seja, pelo ambiente físico. Todos esses aspectos da realidade, em última instância, relacionam-se ao homem. Assim, a palavra humanidade representa, sem esgotar todos os seus desdobramentos, o indivíduo (caráter, condições psíquicas etc), a sociedade (origem e desenvolvimento), o desenvolvimento econômico, os rumos da história, a distribuição dos povos, o desenvolvimento das civilizações, etc. Optei por empregar tal termo genérico devido à presença nas obras analisadas de um amplo espectro de instâncias da realidade sujeitas às influências ambientais/mesológicas, espectro este que encompassa desde as condições comportamentais, físicas e mentais do indivíduo até os rumos da história e o futuro da humanidade.

12. O sentido do termo ―clima‖έ O termo ―clima‖ será usado em seu sentido atual, salvo na obra grega e de Montesquieu, onde era empregado no sentido de declinação e grau de latitude. (klima)

13. A presença de uma ―retórica determinista‖ nos discursos de seus autores, caracterizadas por metáforas, floreios, alegorias, hipérboles, modos de

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