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d) A Criança e o adolescente e o ato de violência

“Batiam-me porque podiam bater- me, e isso era natural”57.

Esse trecho ilustra a forma como o ato de violência de pais contra filhos é entendido muitas vezes, pela vítima.

Neuza Maria de Fátima Guarechi (1999), no texto intitulado “A Criança e a Representação de Poder e Autoridade”, ao discutir a representação de poder para as crianças, afirma que estas identificam de forma clara as pessoas que mandam e as que obedecem.

Para Korczak, “A criança compreende que, mesmo que isso seja difícil, é preciso obedecer a todas essas autoridades e, amá-las, o que lhes causa alguns problemas”. (1983, p.127).

Em relação ao poder e à autoridade na família, existe o padrão estabelecido em que o pai e a mãe exercem o papel de proteger e educar seus filhos e filhas. Para as crianças, a obediência ao pai e à mãe,

e a aceitação da legitimidade de seu poder são inerentes ao papel que cada um desempenha no grupo familiar.

As representações sociais de poder e autoridade para as crianças “estruturam-se, principalmente, através daquilo que as pessoas são, fazem, falam e possuem” (Guarechi, 1999, p.229).

Constatamos, através da pesquisa por nós realizada, que as crianças e adolescentes não entendem porque foram agredidas e outras, mesmo sentindo dor, humilhação ou apresentando marcas, procuram negar a agressão sofrida, como se quisessem proteger o pai ou a mãe, numa tentativa de “absolvê-los” de seu ato, ou por saberem que seriam novamente castigadas por relatarem o que aconteceu, e algumas entendem que merecem o castigo:

1 A – “Em visita domiciliar em 02/05/97, adolescente

cuidava do irmão de 8 meses. Os pais não estavam. Ela negou a denúncia. Estava com um pano tampando a boca. Disse que foi picada por abelha. Quando pedimos para ver tal picada, a adolescente acabou confirmando que havia sido agredida pelo pai, com tapas”. Na Delegacia, em 03/05/97, quando foi lavrado o Boletim de Ocorrência, a adolescente tentou proteger o pai, negando a surra”.

3 B – “... pediu para ele falar na creche que caiu do

balanço. A criança também recebeu uma ameaça do pai, que se caso contasse para alguém que ele quem o agrediu, o pai iria lhe dar uma surra”.

4 A – “Menino fugiu de casa há dois dias. Quando

questionado sobre voltar para o lar, não aceitou. Afirmou que iria apanhar, que tem muito medo do pai”

1 B – “Em conversa com o menino, ele disse que gosta

de morar com o pai. Acha que apanhou porque mereceu”.

Pensando também na desvalorização da figura da

criança como um ser fraco, impotente, sem direito a reclamar ou defender-se da ação violenta do adulto, trazemos o Caso 2 A, que foi denunciado duas vezes ao SOS Criança e Conselho Tutelar:

“Criança conta que a mãe participou de uma reunião na escola e recebeu reclamação que conversava muito na aula. No dia seguinte, enquanto fazia as tarefas escolares, a mãe pegou-lhe pelas costas, jogou-a no chão e começou a chutar a sua boca e esfregar o pé em sua orelha. Segundo a menina, enquanto a mãe lhe batia, dizia que se houvesse nova reclamação da

escola, iria matá-la, ou quando entrasse de férias a levaria para São Paulo e a deixaria perdida naquela cidade. Disse também para não contar nada a ninguém”.

Não é difícil imaginar o quanto as conseqüências da violência podem ser desastrosas para a criança e o adolescente, especialmente se essas envolverem a perda do afeto dos pais. Na verdade não existe tortura psicológica pior para uma criança do que aquela que a faz acreditar que poderá perder o amor dos pais caso não se comporte como o desejado. A criança que vive sob esta ameaça fará o possível para satisfazer às expectativas dos pais.

É importante destacar que entre os 08 casos analisados, 02 referiam-se a adolescentes, desmistificando que a violência ocorre apenas a crianças com menor idade. Esse fato merece algumas observações. A fase da adolescência desencadeia fortes sentimentos de insegurança e perda. Nela o adolescente não é mais considerado como criança, mas também não é percebido como adulto. “Os adolescentes não se encaixam na imagem de vítimas que usualmente a sociedade tem presente para si: a vítima é o indivíduo indefeso, sem poder, passivo, sob o jugo de seu algoz”. (Azevedo & Guerra, 1989, p.40).

Para a família, o adolescente pode constituir-se em ameaça, pois a mesma geralmente se encontra debilitada por uma série de fatores, sejam eles sociais, econômicos ou afetivos, sofrendo pressões

externas e internas de forma contundente. Mais um sujeito em crise (no caso o adolescente), neste sistema familiar, pode ser o bastante para desestruturar essa frágil composição e alterar de forma significativa sua dinâmica.

A violência pode ser fator desencadeante de uma desconstrução de valores e verdades estabelecidos, trazendo sérios prejuízos também para a auto-estima do adolescente. As conseqüências desse processo não são apenas de ordem física, mas o são de ordem emocional e muito graves.

No entanto, não podemos descartar a idéia de que quando a criança torna-se adolescente, cresce e adquire força, é esquecida pelo agressor, pois agora pode revidar a agressão. Muitos são os casos em que pais denunciam agressões praticadas pelos próprios filhos. Esse fato nos alerta para o chamado ciclo da violência.

“A criança só espera atingir a idade adulta para seguir o mesmo caminho da violência”. (Saffioti, 1997, p.150). Tornar-se-á em provável violador, investido de uma suposta legitimidade, quando se tornar pai ou mãe.

É comum dizer que violência gera mais violência. Por que não se aplica o mesmo raciocínio quando se trata de agressão doméstica?. Pais que praticam violência contra filhos, estão criando filhos violentos quando adultos.

3.3 - O Conselho Tutelar de Campo Grande -