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3.3 – Glossário

U. D.F – Union pour la Démocratie Française.

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Conclusão

A tradução é porta […] por onde o original entra para sair trans-figurado. João Barrento

João Barrento (2002: 132,133) recorre a uma metáfora do filósofo alemão Simmel (a porta), para realçar a importância «[desse] espaço novo, o da(s) literatura(s)

em rede […]», no qual «[cada] acto de tradução de uma obra […] é como um nó desta

rede […]». O autor considera que cada tradutor é um leitor ativo que intervém num «grande sistema de hipertexto […], proporcionando passagens para outros sistemas literários». Nessas passagens, e continuando com João Barrento (2002: 143), «[o] que se não pode traduzir para as palavras de uma língua […], pode entrar nela nas palavras da outra, como sinal de abertura e factor de enriquecimento.» Estas «passagens» estão marcadas pela duplicidade/dualidade, pois realizam-se através de «portas» sempre abertas (as portas da guerra) e o tradutor deve permanecer alerta, olhar em duas direções, qual deus Janus, com as duas faces expostas e atentas. A metáfora da guerra refere-se, aqui, à permanente luta pela apropriação da “palavra perfeita”, em que o tradutor se digladia entre a imposição do rigor e o apelo da liberdade. O estatuto do tradutor (a sua dignidade) exige o primeiro (a seriedade das regras); a sua «loucura serena» (Barrento, 2002: 260) não vive sem a segunda. Conciliar rigor e liberdade é a verdadeira “guerra”, combate inglório, a não ser que, como Umberto Eco (2006: 348), se tenha presente que «[quand] tout va bien, en traduisant, on dit presque la même chose.»

Retomando as ideias de «abertura» e «enriquecimento» antes referidas, não resisto a citar Susan Sontag (2011: 176): «Naquilo a que chamo “incentivo evangélico”,

135 o propósito da tradução é alargar o número de leitores de um livro considerado importante.» Também aqui poderíamos encontrar a dualidade (o bem versus o mal), dependendo do ponto de vista: o agente da evangelização detém a convicção de uma ideia (o bem) que o destinatário poderá receber como algo destruidor (o mal), ainda que a aceite e lhe agrade. No ato de evangelizar há sempre destruição de algo já existente e a substituição por “outra coisa”. Tomemos um exemplo hipotético: um livro que defende os direitos da mulher é traduzido para uma língua de um país onde esses direitos não são respeitados. As cidadãs desse país têm acesso a essa leitura, conduzindo à luta pela alteração dos comportamentos o que, do ponto de vista do tradutor (evangelizador) é “o bem”. Essa luta vai romper uma estabilidade familiar e social, vai gerar sofrimento e, eventualmente, um reforço da repressão. Do ponto de vista do destinatário, pelo menos a curto prazo, isso é “o mal”. Claro que poderemos alegar que se trata de um preço a pagar por um “bem” futuro ou que, nos tempos atuais o “peso” de um livro é negligenciável, quando comparado com os outros meios de informação e de divulgação de ideias. E pur si muove.

Não obstante a alegada “crise da leitura”, nunca tantos livros se venderam, nunca tantos escritores se revelaram. Também aqui poderemos ver um paradoxo e uma dualidade. As livrarias já não podem conservar o stock ad aeternum, pois as novidades chegam todos os dias; livros são queimados (curioso auto de fé da abundância) para dar lugar a outros. Esta pletora de publicação vive igualmente da atividade do tradutor que, assim, tem acesso a mais trabalho. Mas será esse trabalho dignificado? Sem dúvida que muitos leitores não procuram o nome de quem traduz. Ao comprar livros on line, não se tem acesso ao nome do tradutor. A Sextante Editora, já referida na introdução deste trabalho, apresenta a indicação do nome do/da tradutor(a) na capa. É prática pouco comum, ousaria dizer única. Mas esta notoriedade acarreta também uma maior

136 responsabilidade: ao ter o nome exposto, quase a par com o autor, o tradutor adquire igualmente um estatuto de auctor, o que o retira desse lugar “passivo” de simples mediador.

Conduzindo a reflexão noutro sentido, coloco a questão seguinte: um bom tradutor deverá ser também um tradutólogo? Para Umberto Eco (2006 : 451), «[le traducteur] ne se pose pas de problèmes ontologiques, métaphysiques ou étiques […]. Il se limite à mettre [les] langues en comparaison, et à négocier des solutions qui n’offensent pas le bon sens […].» Este pragmatismo não pode, no entanto, conduzir a uma isenção de consciência dos problemas. E ainda que «[cada] tradução [seja][…] um acto inaugural que nega a possibilidade de estabelecer teorias gerais da tradução» (Barrento, 2002: 121), o sujeito que traduz, ao fazê-lo, aplica regras e teorias, conhecimentos que possui interiorizados, tanto de forma consciente como a um nível profundo e in/subconsciente. Por outro lado, «[…] um bom conhecimento da natureza da língua, à luz de teorias linguísticas diferentes, pode ser de grande utilidade para o tradutor.» (Lima, 2010: 41)

Traduzir é ser duplo – foi o título escolhido para este trabalho, de forma um tanto intuitiva, certamente resultado de alguma leitura feita à vol d’oiseau, numa fase em que ainda não tinha havido nem tempo nem oportunidade para leituras atentas e refletidas. À medida que as leituras se efetuavam, esta ideia da duplicidade ia-se estruturando e clarificando. Vários autores (citados neste trabalho) se debruçam sobre este tópico: João Barrento (2002: 109,125) refere a «situação esquizofrénica da tradução» e as «marcas de uma duplicidade […] entre um Mesmo e um Outro, entre um original e a rede possível das suas traduções»; George Steiner (1998: 101) refere «la dualité de l’existence humaine», ao propor-se analisar as antinomias e as relações dialéticas da linguagem. Não pretendi fazer um levantamento de todos os autores que

137 refletiram sobre este tema, mas somente realçar o fio condutor deste trabalho, encaminhando-me assim para a “porta de saída”, porta que fecharei por momentos, permitindo a Janus que repouse e aprecie a fugacidade dos tempos de paz.

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Bibliografia

1. Bibliografia ativa

SZAFRAN, Maurice. (1996). Simone Veil: Destin. Éditions J’ai Lu. Paris.

2. Bibliografia passiva

BARRENTO, João. (2002). O Poço de Babel. Relógio d’água. Lisboa.

BARTHES, Roland. (1979). Lição. Tradução de Ana Mafalda Leite. Edições 70. Lisboa.

BARTHES, Roland. (1983). O Prazer do Texto. Tradução de Maria Margarida Barahona. Edições 70. Lisboa.

CEIA, Carlos (2010). Normas para Apresentação de Trabalhos Científicos. Editorial Presença. Lisboa.

ECO, Umberto. (2006). Dire presque la même chose. Tradução de Myrien Bouzaher. Grasset. Paris.

KATAN, David (1999). «What is it that’s going on here?»: Mediating Cultural Frames in Translation. Textus XII, ISSN 1824-3967, pp.409-426. Acedido em maio de 2011.

LIMA, Conceição. (2010). Manual de Teoria da Tradução. Edições Colibri. Lisboa.

PEREIRA, Lindjiane dos Santos. (2008). «A Biografia no Âmbito do jornalismo Literário». Revista Eletrônica TEMÁTICA. Acedido em maio de 2011, em http://www.insite.pro.br/index2.html.

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SONTAG, Susan. (1986). Ensaios Sobre Fotografia. Tradução de José Afonso Furtado. Publicações Dom Quixote. Lisboa.

SONTAG, Susan. (2011). «O mundo enquanto Índia». Ao Mesmo Tempo. Tradução de José Lima. Quetzal. Lisboa.

STEINER, George. (2002). Gramáticas da Criação. Tradução de Miguel Serras Pereira. Relógio d’Água. Lisboa.

STEINER, George. (1998). Après Babel. Tradução de Lucienne Lotringer e Pierre Emmanuel Dauzat. Albin Michel. Paris.

TAVARES, Ana Cristina (2009). «Reflexões sobre o Perfil do Tradutor». Babilónia. Revista Lusófona de Línguas, Cultura e Tradução, nº 6/7 (pp.145-155).

VEIL, Simone (2007). Discours 2002 – 2007. Éditions Le Manuscrit. Paris. VEIL, Simone. (2008). Uma vida. Tradução de Sara Canelhas. Livros de Seda. Lisboa.

WECKSTEEN, Corinne. (2008). «La traduction des connotations culturelles: entre préservation de l’Etranger et acclimatation». Plume. (pp. 111-138). Acedido em março de 2011, em http://www.sid.ir/en/VEWSSID/J_pdf/110120070407.pdf.

WILLIAMS, Raymond (1998). «The Analysis of Culture». Storey, John (ed.).

Cultural Theory and Popular Culture, A Reader. 2nd edition. Essex: Prentice Hall.

Acedido em maio de 2011.

3. Dicionários

Dicionário da Língua Portuguesa. (2011). Porto Editora. Porto.

Dicionário Francês-Português / Português-Francês. (2009). Porto Editora. Porto. Dictionnaire des Expressions et Locutions. (1989). Le Robert. Paris.

140 Dictionnaire Le Petit Robert. (1984). Le Robert. Paris.

Francês-Português Dicionário do Tradutor. (2003). Editor Noémio Ramos. Faro.

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