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D O PRIVADO AO PÚBLICO

4 DO CADERNO DE ARTISTA AO DIÁRIO GRÁFICO

4.1 D O ARTISTA AO ALUNO

4.1.1 D O PRIVADO AO PÚBLICO

“O Diário Gráfico tem uma longa tradição associada ao acto de esboçar, pensar, esquissar, fazer apontamentos, listas, entre outras tarefas do âmbito privado e pessoal. (…) No entanto, hoje, na pós- modernidade, na era em que elementos que são privados e íntimos passam a ser públicos, surgem novos potenciais semióticos relacionados com este objecto. Na esfera pública, este começa a ser utilizado como meio de comunicação e expressão em si mesmo, rompendo claramente com um potencial semiótico passado e desafiando a própria “natureza” do objecto.” (Cruz, 2012, p. 37/38)

Hoje verificamos um trabalho desenvolvido nos agora designados Diários Gráficos, que deambulam entre aquilo que o indivíduo produz com caracter pessoal e o que posteriormente opta por tornar público.

“ É bastante comum ouvirmos os autores a referirem-se aos seus diários com este discurso de objecto privado e pessoal quando, efectivamente, esses registos são transportados para a esfera pública pelo próprio. Embora alguns destes autores procurem manter esta aura da privacidade e intimidade, outros assumem o registo público e muitas vezes encomendado pelas indústrias culturais.” (Cruz, 2016, p. 16) O Diário Gráfico inserido no ensino das Artes Visuais, enquanto instrumento educativo, demostra uma dualidade entre o privado e público. Esta constatação foi recolhida através do processo de observação e de contacto com os alunos e da análise dos trabalhos por eles desenvolvidos no Diário Gráfico. Ao abordar o aluno

49 sobre o trabalho desenvolvido no Diário Gráfico, faz com que este revele uma posição de insegurança face a observação a alguns registos e uma disposição favorável para outros. Sobre o exposto, procurei compreender se os motivos que estavam a impedir o desenvolvimento do trabalho do aluno no Diário, se prendiam com questões de privacidade e/ou Liberdade, no que diz respeito ao aluno se sentir um individuo livre sobre as suas ações.

Na procura de respostas para dissolver esta dúvida, as pesquisas remeteram- me para o trabalho desenvolvido por Tiago Cruz19, o qual escreveu a sua Tese de

Mestrado “Do Registo Privado à Esfera Pública – O Diário Gráfico enquanto meio de expressão e comunicação visual” (Cruz, 2012). Realizada uma entrevista em Fevereiro de 2019, ao Professor Tiago Cruz no Instituto Universitário da Maia (ISMAI), foi possível compreender, através da sua análise e também sua prática docente que o Diário Gráfico inserido em ações de ensino-aprendizagem traduz-se num tema delicado, tanto para o aluno como para o próprio docente. Isto acontece porque a partir do momento que o objeto passa para o docente, deixa automaticamente de ser só do aluno, uma vez que, a partir do momento que aluno sabe que o seu diário gráfico irá ser verificado pelo docente ou por outra pessoa, o seu momento de produção e processo de registo, é influenciado e isso já não o torna o objecto totalmente privado. (Cruz, 2019)

Para além do exercício docente, Tiago Cruz tem um vasto trabalho desenvolvido em torno dos Diários Gráficos. Enquanto utilizador do Diário Gráfico, o autor faz publicações periódicas dos seus desenhos no seu site 20, como também

participa em edições de livros sobre o tema dos Diários Gráficos. (Figura 11)

19 Professor / Investigador do Instituto Universitário da Maia (ISMAI) , Ciências da Comunicação e Tecnologias da Informação.

Figura 11 - Tiago Cruz (2016) Desenho da Cidade do Porto no Diário Gráfico. (Cruz, 2017)

Nesse sentido, questionei Tiago Cruz sobre a metodologia utilizada para publicar os seus trabalhos, dentro da problemática do público e privado. Ao que respondeu que o trabalho desenvolvido pelos artistas no Diário Gráfico, continua a ser feito como algo que representa um momento de reflexão e observação em contexto íntimo e privado do indivíduo. Mas o que distingue o conteúdo privado daquilo que é tornado público é somente aquilo que o autor considera que deva divulgar. (Cruz, 2019)

Face ao exposto, considero importante repensar o que escrevi no capítulo 3. Refletir sobre uma liberdade no pensamento educacional associado ao uso do Diário Gráfico poderá modificar o modo como os alunos reagem ao mesmo. Ou seja, será importante clarificar ao aluno o que a ação docente espera do Diário Gráfico, para que o aluno não se sinta pressionado sobre a ação que deve desenvolver nele.

Da posterior entrevista, considerei ainda pertinente, convidar Tiago Cruz21 para

uma conversa aberta com os alunos do CNM. Esta sessão “ À conversa com Tiago Cruz” surgiu de um convite que fiz ao Professor Tiago Cruz aquando a entrevista. A visita ao CNM vem no sentido de expor o seu trabalho desenvolvido com os Diários Gráficos, para que os alunos tivessem a oportunidade de ouvir e também visualizar

21 Informação sobre a visita ao CNM na página do Tiago Cruz http://avista.naocoisas.com/category/publicacoes-3/

51 um testemunho sobre o envolvimento do indivíduo com o Diário Gráfico. Esta sessão marcou presença no Colégio Novo da Maia22, no dia 27 de Março de 2019, e contou

com a presença dos alunos das turmas de 7º e 10º ano, das quais desenvolvi as atividades, tendo também estendido o convite a toda a comunidade educativa.

Figura 12 - Flyers divulgado para a visita do Tiago Cruz ao Colégio Novo da Maia.

Nesta sessão, Tiago Cruz faz uma viagem pela sua história e trabalho desenvolvido no Diários Gráficos. Tivemos a oportunidade de observar vários desenhos dos diferentes países que visitou e registou no seu Diário Gráfico. Para além dos alunos terem a oportunidade de ouvir as histórias e experiências do convidado, tiveram eles também a ocasião de partilhar o seu trabalho.

22 Informação sobre a visita na página do Colégio Novo da Maia - https://www.colegionovodamaia.pt/visita-do-tiago-cruz-membro-dos-urban-sketchers-portugal/

Figura 13 - Sessão “ À conversa com Tiago Cruz" no Colégio Novo da Maia.

Figura 14 - Momento de partilha dos Diários Gráficos Sessão “ À conversa com Tiago Cruz" no Colégio Novo da Maia.

Deste momento de partilha, é de notar que o trabalho desenvolvido pelos alunos no Diário Gráfico, em nada se assemelha com gesto espontâneo ou numa procura de transposição do pensamento para o papel, tal como podemos verificar nos Cadernos de Artistas analisados no início deste capítulo. Nos Diários Gráficos dos Alunos verifica-se um registo “estático” com o uso recorrente do lápis, que nos indica uma procura de segurança no desenho, em que o material usado lhe permita apagar e corrigir. Ainda foi de notar que grande maioria dos registos apresenta um aspeto de “produto final”, que se traduz em representações concluídas. Um outro detalhe observado é o facto de os alunos nunca usarem o verso da folha para desenhar. Estes factos levam a considerar que o aluno usa o seu Diário Gráfico com uma pertença

53 escolar, em que “o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõe limitações, proibições ou obrigações” (Foucault, 2004, p. 119). Todas as ações por eles desenvolvidas no Diário Gráfico assumem um caracter académico, onde o aluno acaba por desenvolver no seu próprio Diário Gráfico uma “regulamentação imposta pelo poder e ao mesmo tempo a lei da construção da operação” (Foucault, 2004, p. 131). Dentro da lei da construção da operação os alunos acabam por desenvolver, manobras, táticas, e técnicas de funcionamento que se traduzem num corpo disciplinado como base de um gesto eficiente (Foucault, 2004, p. 130).

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