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Da aplicação no tempo das alterações introduzidas no artigo 65.º do CIRE aos

PARTE II AS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS NO CONTEXTO DA INSOLVÊNCIA

2. Da aplicação no tempo das alterações introduzidas no artigo 65.º do CIRE aos

Sendo esta a atual regulamentação jurídica da responsabilidade pelo cumprimento das obrigações tributárias, a qual procurou colmatar um vazio legal em torno do qual se opunham a AT, os insolventes e os administradores de insolvência, importa observar em que medida é possível a aplicação daquele regime aos processos de insolvência que se encontrassem pendentes à data da entrada em vigor das alterações legislativas.

Determina o artigo 6.º da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, no que diz respeito à produção de efeitos das alterações introduzidas, que «A presente lei entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.» O legislador não admite, de forma expressa, que os efeitos das alterações legislativas, nomeadamente, as constantes do disposto no n.º 3 do artigo 65.º do CIRE, retroajam à data em que foram tomadas as deliberações de encerramento da atividade do estabelecimento.

O critério legal para a aplicação das leis no tempo encontra-se definido no artigo 12.º do Cód. Civ.86, o qual consigna que o princípio geral da aplicação das leis no tempo é o da sua

disposição futura ou da não retroatividade, destinando-se a regular factos que persistam a partir

86 Determina este preceito o seguinte:

«1 - A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2 - Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.»

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da data da sua entrada em vigor e não factos passados. A consagração do princípio da não retroatividade da lei assenta, desde logo, na necessidade de salvaguardar a certeza e segurança jurídicas e a proteção da confiança dos cidadãos, cujas expectativas poderiam ver-se frustradas através de uma aplicação retrospetiva da lei. Caso subsistam dúvidas quanto à aplicabilidade de determinada norma, haverá que reconduzir a lei nova ao disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Cód. Civ. Socorrendo-nos da síntese formulada no Acórdão n.º 08A1825 do SJT, de 30-09- 200887,

«Se a nova regulamentação legal se prende com qualquer facto produtor de certo efeito, tem ela tão só aplicação aos factos novos. Se a nova regulamentação se conexiona apenas com o direito, sem referência ao facto que lhe deu origem, então essa lei nova aplicar-se-á às relações jurídicas já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor.»

Analisando o disposto no n.º 3 do artigo 65.º do CIRE, constatamos que a nova regulamentação legal não se conexiona apenas com o direito, sem referência ao facto que lhe deu origem, antes se prende com um facto produtor de certo efeito jurídico. Na verdade, o legislador refere-se expressamente à “deliberação de encerramento da actividade do

estabelecimento” como o facto que, a jusante, terá como efeito jurídico a extinção das

obrigações fiscais do devedor. Do que resulta que a lex nova terá, tão-somente, aplicação aos factos novos, não se aplicando às relações jurídicas já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor.

Pese embora defendamos que as alterações introduzidas pelo legislador apenas produzem os seus efeitos relativamente aos factos que ocorram na vigência da lei nova, afiguram-se-nos como inegáveis as vantagens, quer para o sujeito passivo, quer para a AT, em associar a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento do devedor ao efeito de cessação da atividade dos sujeitos passivos (com as ressalvas devidamente assinaladas). Tal será consentido, desde logo, atento o facto de a cessação da atividade, para efeitos de IRC e de IVA, não depender, tão-somente, de um impulso do sujeito passivo nesse sentido, podendo a própria AT fazer cessar oficiosamente a atividade dos sujeitos passivos, quando constate que não está a ser efetivamente exercida qualquer atividade que justifique a sua manutenção.

Em face do estatuído, quer no Código do IRC, quer no Código do IVA, entendemos que a cessação oficiosa da atividade dos sujeitos passivos constituirá, não uma mera faculdade da administração tributária, mas sim um verdadeiro poder-dever que lhe assiste, na medida em que

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se procura garantir uma maior correspondência entre a realidade empresarial e o universo de sujeitos e factos que são objeto de tributação. Não havendo operações tributáveis ou rendimentos sujeitos a tributação, a administração tributária pode [rectius, deve], por sua iniciativa, declarar a cessação da atividade, quer para efeitos de IRC, quer para efeitos de IVA. É verdade que a inatividade de um determinado sujeito passivo não pode afastar, por si só, a incidência de imposto, na medida em que aquela não representa o fim da sua subsistência jurídica ou a impossibilidade futura de realização de operações tributáveis. O certo é que a sujeição a imposto também não deverá prescindir do pressuposto do exercício de uma atividade económica pelo sujeito passivo, ainda que, no que diz respeito às pessoas coletivas insolventes, tal atividade económica se possa reconduzir às operações de liquidação do ativo (quando tal seja deliberado pela assembleia de credores).

Não sendo admissível a aplicação retroativa da lei, no sentido da produção de efeitos relativamente aos processos de insolvência em que a aprovação da deliberação de encerramento do estabelecimento do devedor tenha ocorrido num momento anterior à entrada em vigor das alterações legislativas promovidas ao artigo 65.º do CIRE, tal não significa que a esse facto não possa ser atribuída relevância jurídica para efeitos da eventual cessação oficiosa da atividade pela AT. Aquela deliberação dos credores, no âmbito do processo de insolvência, poderá, pois, consubstanciar um elemento probatório indiciador do não exercício da atividade pelo sujeito passivo insolvente, constituindo um dos fundamentos legais para que a administração tributária dê cumprimento ao poder-dever de fazer cessar a atividade dos sujeitos passivos, à luz do disposto no n.º 6do artigo 8.º do Código do IRC e no n.º 2 do artigo 34.º do Código do IVA.

E porque, segundo entendemos, a cessação da atividade, motivada por aplicação do n.º 3 do artigo 65.º do CIRE, não exime, em absoluto, o sujeito passivo insolvente do cumprimento de obrigações tributárias88, é nosso entendimento que idênticos efeitos produzirá quando

motivada ex officio pela administração tributária, com fundamento no não exercício de uma atividade, por constatação de que o sujeito passivo foi declarado insolvente, tendo sido aprovado, pelos credores da insolvência, o encerramento do seu estabelecimento.

A cessação oficiosa da atividade, reportada à data em que foi deliberado o encerramento da atividade do estabelecimento do devedor, não implicará, pois, uma qualquer violação do princípio da certeza e segurança jurídicas e da proteção das legítimas expectativas dos sujeitos passivos insolventes, princípios estes que o legislador terá procurado salvaguardar ao impedir uma aplicação retroativa da lei. Desde logo, porque tal cessação apenas ocorrerá nas situações

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em que se constate a intenção de não prossecução da atividade pelo insolvente, demonstrada pela vontade soberana dos credores da insolvência nesse sentido. Por outro lado, porque a cessação de atividade promovida nestes termos não é equiparada à extinção da pessoa jurídica, subsistindo a personalidade tributária nos termos acima preconizados até ao encerramento da liquidação. Considerando que o legislador admite a possibilidade de a própria administração tributária fazer cessar a atividade, para efeitos de IRC e de IVA, quando seja evidente que o sujeito passivo não exerce, nem pretende continuar a exercer qualquer atividade da qual resulte a realização de operações tributáveis, entendemos que a deliberação tomada pelos credores da insolvência, no sentido do encerramento da atividade do estabelecimento do devedor, possa relevar como elemento probatório justificativo desta opção pela AT.