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Da criatividade à simplicidade: sintomas de integração positiva

Podemos distinguir a integração positiva da integração negativa. Por integração negativa entendemos o afastamento de fronteiras e barreiras ao mercado livre com a consequente abertura e expansão dos mercados, por sua vez, a integração positiva consiste na modificação e criação de instrumentos e mecanismos, com a finalidade do funcionamento eficaz do mercado, por consequência desenvolvendo-se outros objetivos da União.223

Na verdade, a integração positiva vai-se revelando na matéria de auxílios de Estado. Aliás, já em 2006, antes da proliferação de ações relativas aos auxílios de Estado no Tribunal de Justiça, as palavras da Comissária Neelie Kroes, evidenciavam a urgência deste tipo de mecanismos “(…) at the heart of the Action Plan is the principle of less and better targeted state aid – the central objectives to encourage Member States to reduce their overall aid levels whilst redirecting state aid resource at objectives having a clear community interest.”224

Assim, mais do que se proibirem os auxílios de Estado, era necessária uma coordenação e mobilização dos auxílios prestados, para uma lógica de interesse horizontal225, conseguindo-se também por essa via, um espaço de aprofundamento da integração. Com certeza, o objetivo da União Europeia seria concentrar em si a

222Manuel Fontaine Campos, Fundamentos Económicos da concessão de ajudas públicas no mercado nacional, Universidade de Coimbra, Boletim de Ciências Económicas, Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes, Volume LVII, Tomo II, 2014, pp. 946

223 Manuel Carlos Lopes Porto, Teoria da Integração e políticas comunitárias face aos desafios da globalização, Almedina, 2009, pp.220.

224 Comissária Neelie Kroes, State aid Action plan, Less and better targeted state aid: a roadmap for state aid reform 2005–2009, Bruxelas, 7.6.2005, COM (2005) 107 final.

225 Regulamento (UE) n.º 2015/1588 do Conselho, de 13 de julho de 2015, relativo à aplicação dos artigos 107. ° e 108. ° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia a determinadas categorias de auxílios estatais horizontais (JO 2015, L 248, p. 1)

responsabilidade dos auxílios prestados no seu território contudo, a União não tem, ainda, essa capacidade de se substituir ao Estado,226 em termos orçamentais227, pese embora os

nossos trabalhos não se completassem sem uma breve reflexão sobre a importância e significativa da presença dos fundos europeus nas mais diversas áreas em cada Estado Membro. Porquê relacionar estas matérias?

De facto, a União Europeia não tem um poder orçamental equivalente à aquele que dispõe um Estado unitário ou uma federação na sua relação com os Estados federados228, contudo, este movimento levado a cabo pela nova expressão dos fundos europeus, porventura muito silencioso, é bastante significativo e expressivo no próprio orçamento global da União Europeia. Assim, 94% das verbas destinam-se a investimento dos fundos da União, sendo que 88% se dirige a iniciativas desenvolvidas nos próprios Estados Membros.229 Por exemplo, entre 1986 e 2013, os fundos vindos da União

Europeia para Portugal ascenderam a 96,7 mil milhões de euros, o que corresponde a 9 milhões por dia, por sua vez, de 2014 a 2020, estima-se que Portugal venha a receber mais de 30,5 mil milhões de euros. São mais de 11,9 milhões de euros por dia.230

Tal realidade não se coaduna com a perceção que temos a nível nacional, “(…) nem sempre temos consciência, por exemplo, que a qualidade da água que bebemos, o tratamento das águas residuais e dos resíduos sólidos, os equipamentos de saúde e educação que temos e as vias de comunicação por onde passamos foram fortemente financiados pela União Europeia.”231

226Manuel Lopes Porto e João Nogueira de Almeida, Controlo negativo, controlo positivo ou ambos? O sentido e a legitimidade da europeização progressiva do controlo e da politica dos auxílios de Estado, Revista de Concorrência e Regulação, Ano 1, N.º 3, julho-setembro 2010, pp. 177.

227 Disponível em http://josemanuelfernandes.eu/pdf/site_12/pelanossaterra-minho-2015-digital.pdf, pp. 57, consultado em 20/04/2017.

228Manuel Lopes Porto e João Nogueira de Almeida, Controlo negativo, controlo positivo ou ambos? O sentido e a legitimidade da europeização progressiva do controlo e da politica dos auxílios de Estado, Revista de Concorrência e Regulação, Ano 1, N.º 3, julho-setembro 2010, pp. 177-178.

229Acrescem 6% para a política externa, nomeadamente nos países em desenvolvimento e, quanto às despesas administrativas com todas as instituições e de funcionamento da UE são destinados outros 6% das verbas, informação disponível em http://josemanuelfernandes.eu/pdf/site_12/pelanossaterra-minho-2015-digital.pdf, consultado em 20/04/2017.

230Disponível em http://josemanuelfernandes.eu/pdf/site_12/pelanossaterra-minho-2015-digital.pdf, pp. 127, consultado em 20/04/2017.

231Disponível em http://josemanuelfernandes.eu/pdf/site_12/pelanossaterra-minho-2015-digital.pdf, pp. 127, consultado em 23-10-17.

Assim, em matéria de auxílio de Estado, é legítimo afirmar, que a integração positiva por via dos mecanismos e da intervenção do Tribunal de justiça viu-se acompanhado de uma Super-Modernização, protagonizada pelo crescimento dos fundos europeus, no seio de cada Estado Membro.

A título de algumas notas sobre os fundos europeus – que não são objeto da nossa análise, mas que não podem ser desconsiderados na equação que se vai desenhando, compre-nos cuidar o seguinte.

Os auxílios concedidos através de fundos da União não são abrangidos pelo artigo 107.º, n.º 1, pelo que não têm que passar pelo crivo dos elementos que compõe a proibição dos auxílios de Estado, tendo o Tribunal determinado, pela primeira vez no acórdão Norddeutsches Vieh- und Fleischkontor Herbert Will e o. contra República da Alemanha232 este entendimento, tendo ficado homogeneizada esta leitura no XXXIII Relatório sobre a Política de Concorrência, Comissão Europeia de 2003.233

A distinção traçada entre aqueles casos em que determinada norma europeia estabelece condições precisas de implementação dos fundos com determinados objetivos, da norma que nos ocupa, reconduz-se ao facto de, no primeiro caso, na hipótese de suceder uma distribuição equivocada dos fundos, estamos perante um erro ou uma irregularidade234, ao passo que no segundo caso teríamos um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno, nos termos do artigo 107.º, n.º1 do Tratado.

Por sua vez, o perigo de uma distribuição equivocada do fundo europeu é apreciada na ótica do agente económico, neste sentido, o Regulamento n.° 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, classificou de irregularidade “(…) qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobrados diretamente por conta das Comunidades, quer por despesa indevida.”235

232 Acórdão TJ de 17 de setembro de 2002, Norddeutsches Vieh- und Fleischkontor Herbert Will e outros contra República da Alemanha, processo C-392/00.

233Regulamento n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995 ponto 393

234 Cfr. João Zenha Martins, Auxílios de Estado – escritos, Nova Causa Edições jurídicas, 2017.

235 Cfr. Por exemplo, Acórdão do TJ de 18 de dezembro de 2014, Somalische Vereniging Amsterdam en Omgeving (Somvao) contra Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie, Processo C‑599/13, ECLI:EU:C:2014:2462.

Depressa nos apercebemos que a lógica inerente ao esquema de prestação de fundos europeus é substancialmente diferente da norma que regula a matéria dos auxílios.

Em primeiro lugar - como não poderia deixar de ser - não parte do pressuposto de que a União poderia contribuir para a distorção do mercado interno – lembrando-nos a lógica do the king can't do no wrong236 – por sua vez, o sujeito/praticante da irregularidade é o agente económico que, por ato ou omissão, lese o orçamento da União. Assim, o sujeito da hipótese legal é o agente económico, dirige-se a norma a particulares e não à União/organização estadual, portanto, muito mais se reconduzindo à ideia de combate à fraude sobre a utilização de fundos europeus, bem como, à ideia de aferição de uma conduta lesiva dos interesses da União.237

3. A Modernização dos auxílios de Estado e a Super-Modernização trazida