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Da desconcentração de atividades para a transferência de poder de decisão

Há mais de uma década o Brasil vive uma rica experiência de redesenho do seu sistema federativo. O sentido da mudança — pelo menos no que se refere ao discurso político — aponta para a descentralização, bem como, para o fortalecimento da capacidade decisória das instâncias subnacionais de governo. Para os críticos do sistema anterior, a descentralização implicaria na transferência de competências e atribuições de outras esferas estatais para os municípios, com concomitante descentralização na gestão dos recursos, conferindo-lhe maior autonomia nas decisões e nos gastos públicos. (ALMEIDA, 1996).

A análise do binômio descentralização e democracia tem a ver com o grau de poder que a Constituição confere às unidades da federação de elaborar políticas, descentralizando a administração e transferindo a maior parte do orçamento às unidades da federação, reservando aos legisladores da esfera federal o direito de aprovar as leis básicas e iscalizar sua execução nesses campos ou atribuir às unidades menores a competência exclusiva para elaborar leis e ixar impostos nessas áreas, quer contribuam ou não para a igualdade e o bem-estar de todos os cidadãos da federação (STEPHAN, 1999, p. 230).

O processo de municipalização adquiriu expressão no país a partir da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Esse processo se deu principalmente em decorrência de uma reforma na política iscal, com a instituição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e da transferência para os municípios de políticas que tradicionalmente eram coordenadas e/ou executadas pelos governos estaduais e federal. Além desse repasse e da arrecadação própria, os municípios recebem parcelas de recursos do ICMS, do ITR, dos Fundos de Saúde, Assistência Social, Educação e, mais recentemente, do Pronaf, sendo que este somente privilegia municípios que submetam proposta de ações aprovadas pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural.

Para o processo de descentralização no Brasil, vale ressaltar que ele não decorre simplesmente da Constituição de 1988 nem, apenas, da descentralização iscal. A adesão na esfera do governo, que passará a desempenhar as funções que se pretende, que sejam transferidas, é um pressuposto para a mesma. A prerrogativa da adesão exige necessárias estratégias de indução que dão ao processo de descentralização no Brasil uma dimensão de barganha federativa, na qual as desigualdades regionais e as insuiciências locais são fatores importantes (ARRETCHE, 1999).

Com a política da descentralização, a União deveria ampliar suas funções normalizadoras e reguladoras de coordenação das políticas nacionais. Deveriam ser eliminados os conlitos e as competências concorrentes, com ampliação da esfera de ação dos municípios, icando para os estados as atribuições supletivas e de coordenação de ações de âmbito regional. As diiculdades políticas para uma revisão institucional profunda são de muitas ordens, talvez, a principal seja a resistência das burocracias estaduais, temerosas de terem seu prestígio e poder reduzidos. Muitos dos problemas enfrentados com a descentralização advêm da falta de rumos políticos que a estimulem por meio de mecanismos adequados. Como barreiras à descentralização, pode-se citar a dependência da disponibilidade de recursos e do engajamento político dos executivos estaduais e municipais no processo e o jogo de alianças e oposições entre governadores e prefeitos eleitos em um sistema pluripartidário.

Para Aiyar et al. (1996), por exemplo, a descentralização pode trazer grandes benefícios, destacando-se: o aumento do retorno dos governos à sociedade; o aumento do luxo de informações entre o governo e a sociedade; a promoção de maiores atividades de participação e de associativismo; o aumento da transparência; o aumento da credibilidade; a integração da sociedade com o Estado; o reforço e revigoramento da democracia em nível nacional; a ampliação do escopo do projeto para além da agricultura; a redução das disparidades regionais; a solução dos problemas da complexidade e da coordenação; a atenção maior aos fatores socioculturais; a adaptação do desenvolvimento às condições locais; e o reforço do compromisso do governo central com o desenvolvimento rural. É óbvio que cada um desses benefícios não ocorre independentemente dos outros, havendo grandes discrepâncias em razão das próprias diferenças regionais e locais, mas no médio e longo prazos eles tendem a convergir na medida em que as grandes transformações sociopolíticas sejam processadas.

Segundo Navarro Yáñez (1998), há três argumentos que reforçam a tendência à municipalização. O primeiro é que os processos econômicos, políticos e sociais produzem impactos diferentes, segundo a escala em que incidem, com independência de outros fatores ou variáveis. O segundo, que a comunidade local ou o município constitui-se na unidade básica de convivência. E o terceiro fundamenta-se nas potencialidades que a escala local oferece para o desenvolvimento de processos de participação e democratização.

Smith (1985) considera que a descentralização é, hoje, uma demanda universal. Ela pode ser aplicada em várias circunstâncias e nas mais diversas organizações, envolvendo a combinação hierárquica de diferentes instituições e funções, e é vista, contemporaneamente, como uma combinação necessária para o desenvolvimento social, econômico e político dos

Estados modernos. Por esta razão, o autor admite que o estudo da descentralização diz respeito à distribuição territorial de poder e envolve principalmente inluências das ciências políticas e da administração pública.

Nesse sentido, para se alcançar o desenvolvimento sustentável é necessário que as empresas, as organizações sociais e o Estado tenham, necessariamente, uma articulação que beneicie de forma equitativa todos os atores sociais. Enquanto o Primeiro Setor, representado pelas instâncias governamentais, pode agir somente conforme suas atribuições legais, o Segundo (empresas) e o Terceiro (instituições sem ins lucrativos, organizações não-governamentais, fundações e famílias) podem fazer tudo o que não é vetado por lei.(TORO, 2008).

Segundo Toro (2008), os três setores podem se relacionar de várias maneiras. Enquanto a ação isolada resulta no “caos” social, a articulação entre eles é a única forma de assegurar a “governabilidade” democrática. E é justamente essa articulação – capaz de garantir ainda a dignidade humana e o estado social de direito – que deve ser perseguida pela sociedade. Ainal, a dignidade, governabilidade e o estado social de direito são os principais requisitos para a busca da sustentabilidade.