• Nenhum resultado encontrado

5 O CRIME DE INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO ACRESCIDO PELA

5.1 A (IN) OBSERVÂNCIA DOS SUBPRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE NA

5.1.3 Averiguação do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito

5.1.3.3 Da desproporcionalidade da pena quando comparada a outros tipos penais

Ao cominar uma pena, o legislador deve estabelecer penas que sejam proporcionais ao delito cometido. Deve considerar também as consequências jurídicas do fato delituoso, ou seja, sua nocividade social, e também a culpabilidade do agente.

Sendo assim, espera-se que o legislador não estabeleça penas iguais a delitos de lesividades distintas, nem penas graves a crimes de menor gravidade ou, ainda, penas ínfimas a crimes de maior gravidade.

Nesse pensamento, Ferrajoli (2010, p. 369-370) explica:

Ainda que seja impossível medir a gravidade de um delito singularmente considerado, é possível, no entanto, afirmar, conforme o principio da proporcionalidade, que do ponto de vista interno se dois delitos são punidos com a mesma pena, é porque o legislador considera-os de gravidade equivalente, enquanto se a pena prevista para um delito é mais severa do que a prevista para outro, o primeiro delito é considerado mais grave do que o segundo. Disso segue-se que se

do ponto de vista externo dois delitos não são considerados da mesma gravidade ou um estima-se menos grave do que outro, contraria o princípio de proporcionalidade que sejam castigados com a mesma pena ou, pior ainda, o primeiro com uma pena mais elevada do que a prevista para o segundo. Em todos os casos, o princípio da proporcionalidade equivale ao princípio de igualdade em matéria penal.

Em consonância, Capez (2010, p. 40) afirma que,

Quando a criação do tipo não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o princípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada do ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade. Além disso, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar proporção com o mal infligido ao corpo social. Deve ser proporcional à extensão do dano, não se admitindo penas idênticas para crimes de lesividades distintas, ou para infrações dolosas e culposas. Como se vê, apesar do reconhecimento da importância e necessidade do princípio da proporcionalidade no momento da elaboração da lei penal, é ainda evidente a sua inobservância quando se perquire as penas cominadas em alguns tipos previstos na legislação penal brasileira.

Com efeito, após ser feita uma análise comparativa entre o crime de invasão de dispositivo informático (CP, art. 154-A) e outros tipos penais, constata-se que o legislador penal estabeleceu penas que não condizem com os regramentos impostos pelo princípio da proporcionalidade, conforme se observará adiante. (BRASIL, 1940).

A pena cominada ao delito previsto no artigo 152 do Código Penal (correspondência comercial) fixada em 3 (três) meses a 2 (dois) anos de detenção, o qual a ação criminosa consiste em “abusar da condição de sócio ou empregado de estabelecimento comercial ou industrial para, no todo ou em parte, desviar, sonegar, subtrair ou suprimir correspondência, ou revelar a estranho seu conteúdo” é maior, no seu máximo, que a pena para o crime de invasão de dispositivo informático em sua modalidade comum, que é fixada em 1 (um) ano, apenas - sendo que neste último há a inclusão de multa, e naquela não. (BRASIL, 1940).

Infere-se, portanto, que para o legislador: o desvio, sonegação, subtração ou supressão de correspondência comercial possui maior gravidade quando comparada com a invasão de um dispositivo informático, mediante violação indevida de mecanismo de segurança, o que gera uma incongruência jurídica. Apesar de as duas condutas ferirem o mesmo bem jurídico, (intimidade), é patente que a invasão de dispositivo informático alheio é um crime que resulta em consequências muito mais graves dada a amplitude do dano causado.

A desproporcionalidade torna-se mais clara, quando se observa que o crime de invasão de dispositivo informático exige certo grau de conhecimentos técnicos por parte do

sujeito ativo do delito. O aludido tipo penal exige a violação de mecanismo de segurança do dispositivo para configurar o crime; já em relação ao crime de correspondência comercial, basta o desvio, sonegação, subtração ou supressão de correspondência comercial para o crime ser configurado.

No que se refere ao crime de violação de segredo profissional (CP, art. 154), topograficamente situado na mesma Seção do Código Penal que o crime de invasão de dispositivo informático (CP, art. 154-A), consegue-se, claramente, verificar o desequilíbrio entre as duas condutas praticadas e as penas neles cominadas. (BRASIL, 1940).

Não obstante estabeleçam a mesma quantidade de pena em abstrato, é fácil perceber que as condutas possuem consequências jurídicas diversas: uma coisa é revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão da função, ministério, ofício, ou profissão, causando prejuízos basicamente à vitima afetada. Outra, muito diversa, é invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou ainda instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.

Tal impropriedade também é verificada quando o legislador estabelece a mesma pena prevista no crime de invasão de dispositivo informático (detenção, de três meses a um ano, acrescido de multa) aos crimes de charlatanismo (CP, art. 283) e abandono de função pública, quando resultar em prejuízo público (CP, art. 323, § 1º). Para o legislador penal as três espécies de delito possuem a mesma gravidade. (BRASIL, 1940).

Por derradeiro, menciona-se o crime de difamação (CP, art. 139), o qual também possui a mesma pena que o crime de invasão de dispositivo informático em sua forma comum (detenção, de três meses a um ano, acrescido de multa). (BRASIL, 1940).

Chama-se a atenção, aqui novamente para a inobservância do legislador que deixou de prever um aumento de pena para os casos em que houver a divulgação do conteúdo obtido por meio da invasão (conteúdos que não se enquadram nos previstos pelo § 3º do art. 154-A do CP). (BRASIL, 1940).

Conforme já ressaltado, nesse estudo, na hipótese em que o agente divulgar conteúdo que ofenda a reputação da vítima, este receberá pena de detenção, de três meses a um ano, acrescido de multa, previsto no caput do artigo 154-A do CP. (BRASIL, 1940).

Isso porque embora se quisesse enquadrar a conduta do agente ao crime de difamação, levando-se em consideração que a divulgação de determinados conteúdos resulta

em flagrante ofensa à honra da pessoa, atente-se que a pena cominada, absurdamente, é a mesma para os dois tipos de delitos.

Anota-se ainda que se a referida difamação ocorresse por meio da internet, a pena seria acrescida de um terço, pois a internet seria considerada mero “meio de facilitação da difamação” (CP, art. 141, III). No entanto, ainda que houvesse tal acréscimo, a pena ali cominada é indubitavelmente desproporcional considerando os resultados a serem produzidos. Cita-se, como exemplo, a divulgação de uma foto íntima na Rede Mundial de Computadores. Seria razoável a aplicação apenas da pena cominada no artigo 141, III do Código Penal? (BRASIL, 1940).

Tais exemplos evidenciam diversos casos em que é perceptível o desequilíbrio entre as cominações penais. O legislador penal prevê penas iguais a delitos que causam menor dano social quando comparados ao crime de invasão de dispositivo informático, ou seja, trata de forma igual situações desiguais.

Pensando nessa problemática, e considerando o crescente número de casos de divulgação de vídeos e fotos íntimas por meio da internet, surgiram, atualmente, cinco projetos de lei acerca do assunto. Dentre eles, destacam-se o PL 6.630 (BRASIL, 2013), apresentado pelo deputado Romário, o qual altera o Código Penal (BRASIL, 1940) tipificando a conduta de “divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima”, e ainda o PL 5.555 (BRASIL, 2013), do deputado João Arruda, o qual altera a Lei n. 11.340 (BRASIL, 2006), popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, criando mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra a mulher no meio da internet. (FRAGA, 2014).

Em conclusão, é evidente a desproporcionalidade que impera na atividade legiferante brasileira que, na maioria das vezes, deixa de observar as garantias expressas na Constituição. (BRASIL, 1988).