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Da ‘Educação como Direito’ ao ‘Direito à Educação’: uma tensão e um desafio

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capítulo 4: Área de intervenção – Educação

4.1. Da ‘Educação como Direito’ ao ‘Direito à Educação’: uma tensão e um desafio

De acordo com Monteiro (2013), a História da Educação pauta-se por uma lenta evolução entre dois marcos político-educativos distintos: a elevação da educação ao estatuto de "direito do homem" e o reconhecimento do educando como ser humano de pleno "direito à educação”, o que, ainda hoje, constitui uma tensão e um desafio permanentes das políticas educativas para o cumprimento efetivo de um ideal “iluminista”.

Com efeito, desde a Renascença até à atualidade, as páginas da História da Educação têm vertidos os mais diversificados projetos educacionais e pedagógicos alinhados às tendências filosóficas e políticas de cada época, porém, todos convergem para o desenvolvimento do capital humano e, por conseguinte da evolução social.

Constatámos que a diferença nos diversos paradigmas político-pedagógicos reside no efetivo protagonismo alcançado pelos atores e agentes da educação ao longo dos tempos, em função de duas perspetivas distintas: por um lado, a necessidade programática presente no antigo paradigma holista do ‘direito de educação’, sustentada desde Platão, na sua obra de referência clássica “República” (Monteiro, 2013), que exorta o Estado, como representante da justiça social, a garantir a educação do homem cidadão.

Por outro lado, o paradigma contemporâneo individualista do ‘direito à educação’, que se centra na pessoa do educando, defendido pelos grandes precursores, Coménio, Rousseau e os mentores Movimento da Educação Nova (Monteiro, 2013) e inspirador das diretivas da UNESCO, confere à educação uma necessidade pragmática com sentido vivo e ativo, em prol do desenvolvimento da autonomia do indíviduo, para uma sociedade mais justa e igualitária.

Pese embora o reconhecimento da educação como um direito humano universal e a sua implantação se tenha incrementado, ao longo do século XX, a verdade é que a história da humanidade é atravessada por atitudes segregacionistas e discriminatórias que, ainda hoje, impedem a sua concretização o que constitui um sério desafio mundial na agenda de desenvolvimento do milénio.

21 Veja-se, por exemplo, o documento “Transformando o nosso Mundo: a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030”2, integrando 169 metas e 17 objetivos, definidos em setembro de 2015, por representantes dos 193 Estados-membros da ONU, no qual se propõe o acesso equitativo à educação para promover sociedades pacíficas e inclusivas de forma a erradicar todas as formas de discriminação. O 4.º objetivo visa justamente “Garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (p. 21). Algumas das metas preconizadas são:

- “Até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completam o ensino primário e secundário que deve ser de acesso livre, equitativo e de qualidade, e que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes” (p. 21);

- “Até 2030, eliminar as disparidades de género na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e crianças em situação de vulnerabilidade”(p. 21).

Neste documento, é bem clara a intenção de “resolver as necessidades das pessoas, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento”, enfatizando-se que ‘ninguém deve ser deixado para trás’.

Portugal, como parceiro convicto e empenhado na implementação da Agenda 2030, dá prioridade a seis dos 17 objetivos, de entre os quais, a Educação de Qualidade (formação e qualificação, ao longo da vida, procurando “inverter atrasos e exclusões históricos”), e compromete-se com uma política mais inclusiva, equitativa e eficaz”3

, convocando-nos para que todos os nossos esforços devam estar centrados nas pessoas e na dignidade humana. Para tal, defende-se a partilha de responsabilidades e cooperação entre atores públicos e privados, explorando sinergias e soluções inovadoras para um objetivo que só pode ser atingido em conjunto.

São metas ambiciosas que obrigam a uma articulação sistémica e sistemática de todas as forças envolvidas na educação, entendida como um construto eminentemente social e antropológico, porque encerra a possibilidade de dignificar os seres humanos,

2 Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), n.d. Transformar o nosso mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável - Organização das Nações Unidas [em linha]. CITE Web site. Acedido novembro 30, 2017, em

http://cite.gov.pt/pt/destaques/complementosDestqs/Agenda_Sustainable_Development.pdf

3 Ver Documento de Posição de Portugal sobre a Agenda pós 2015. Camões, Instituto da Cooperação e da Língua [em linha]..CICL – Ministério dos Negócios estrangeirosWeb site. Acedido novembro 30, 2017, em http://www.instituto-camoes.pt/images/agendaPos2015/posicao_pos2015_fin.pdf

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contribuindo para a melhoria da sociedade. Daí, a importância da educação escolar, familiar e social, como uma ferramenta básica “pela possibilidade e oportunidade que representam de favorecer o desenvolvimento humano personalizado de todos e de cada um, ao longo de toda a vida e com a vida” (J. Azevedo, 2011, p. 133), imprescindível à nossa vivência no século XXI (UNESCO, 1996).

Se toda a educação é social (Martins, 2013), também todo o trabalho social é educativo (Pérez serrano, 2008 a), asserções que se enquadram no referencial teórico adotado, quer pela Pedagogia Social (Romains, Petrus & Trilla, 2003; Vieira, 2016), quer pela matriz antropológica da educação (Bruner, 2000; Iturra, 1990), segundo as quais, o processo educativo é multidimensional e não se esgota no ensino e na aprendizagem escolar, até porque

Reduzir a “educação” à “educação escolar” é ver apenas uma parte da realidade. E isso é mais perigoso, às vezes, do que não vê-la. … A escola não é a reserva natural da formalidade e do rigor pedagógicos. As outras educações, as mal chamadas “educações não formais ou informais” podem ser tão formais, ou mais, que a própria escola. Existe de fato apenas uma educação. … A educação é global, e social e acontece ao longo de toda a vida. (Romans, Petrus e Trilla 2003, p. 60).

O mesmo conceito de educação é realçado pelos organisms internacionais, ao apontarem três coordenadas fundamentais: a primeira diz respeito à sua natureza permanente, contínua e global; a segunda liga-se à condição sine qua non do progresso e da mudança social e a terceira preconiza a educação como um feixe de valores necessários para viver em sociedade, ultrapassando, portanto, o universo académico e reconhecendo-se fundamental o contributo de outros contextos não formais e informais para a aprendizagem ao longo da vida - lifelong education (Conselho da Europa, 2003).

De facto, assistimos a uma nova ordem educacional, influenciada por outras dimensões educativas, formais e informais (Afonso, 2003), em qualquer fase da vida, apresentando “uma nova geografia de actores, de espaços-tempo de saberes, de normas e de valores, de experiências, etc.” (Palhares, 2008, p. 116) complementares, que extrapolam os muros da escola.

23 Assim se depreende do consignado no ponto 2 do Art.º 73.º da Constituição Portuguesa, bem como em todos os normativos internacionais reguladores do direito de educação:

O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva (Constituição da República Portuguesa, 2005).

Assumimos, então, a educação como um direito social básico a usufruir por todos os cidadãos e como um dever a assegurar, não só pelos estados democráticos, mas também pela família, pela escola e por toda a comunidade, tendo em vista o crescimento pessoal e coletivo. Torna-se, portanto, necessária uma relação dialógica ampliada e comprometida com a educação “para todos e com todos, ao longo de toda a vida e com a vida” (J. Azevedo, 2009, p. 1) resultante do esforço consentâneo de alunos, professores, famílias e educadores sociais.

Neste seguimento, construímos a Figura 2 alusiva à correlação das esferas ativas do processo educativo, na sociedade moderna, de acordo com Gimeno Sacristán (1999), para quem toda a educação é um projeto social e educativo, ultrapassado pela espartilha e delimitação de funções de outrora, convencionalmente incumbidas à família para criar e educar e, à escola, para instruir.

Figura 2 - Correlação das esferas ativas no processo educativo Fonte: adaptado de Gimeno Sacristán (1999)

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Sabemos que todos estes interlocutores vêm sofrendo mudanças de paradigma, daí a necessidade de ajustamento do processo educativo aos novos cenários, contextos e exigências da sociedade do conhecimento, obrigando-nos a aprender a ‘aprender ao longo da vida’, e em diferentes contextos: familiar, escolar e social, cujos campos de ação educativa são cada vez mais permeáveis (Vieira, 2016).

Sendo, portanto, o processo educativo um fenómeno abrangente e coparticipado por toda a sociedade (Dilthey), cabe a cada agente educativo assumir o papel de ator criativo, flexível e, animado pelo desejo de participar, colaborar e organizar respostas, em trabalho de equipa, adequadas às necessidades educativas da população escolar (Correia, 1999).

Internalizar esta perspetiva integrada de educação é compreender a dialética necessária e subjacente à verdadeira dimensão do processo educativo, extensivo à sociedade inteira. Nesta ordem de ideias, justifica-se a nossa mediação de índole socioeducativa, através do TP, na promoção dos Direitos Humanos, princípios inalienáveis da teoria e dos valores, que norteiam a ES.

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