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DA EDUCAÇÃO MORAL À ESCOLA ÉTICA

No documento ATMOSFERA MORAL DA ESCOLA (páginas 174-200)

À medida que vou avançando nos anos e vou reflectindo sobre a minha vida como educador, começando pela enigmática transformação de mim próprio, (...) me vou convencendo que a função essencial da educação é fornecer instrumentos de felicidade.

João Lobo Antunes (2001:113)

Nos capítulos anteriores, apresentamos os eixos correspondentes aos percursos de leitura delineados na organização do enquadramento teórico deste trabalho de investigação. Em primeiro lugar, depois de revisitarmos os diferentes modos de considerar e explicar o desenvolvimento, situamo-nos no conceito de desenvolvimento em contexto, configurado pelo modelo bio-ecológico (Bronfenbrenner, 1996; Bronfenbrenner & Morris, 1999) do desenvolvimento humano. Em seguida, abordamos a dimensão moral do desenvolvimento, tendo como referência principal a perspectiva da psicologia cognitivo-desenvolvimentista, particularmente a proposta de Kohlberg.

Como Kohlberg refere, a promoção do desenvolvimento moral é o fundamento de qualquer educação e reflecte mesmo o que se deseja para o mundo. Este capítulo tratará dos modos diferentes de se promover o desenvolvimento moral. Consideraremos, em primeiro lugar, o desenvolvimento encarado como objectivo da educação. Em seguida, abordaremos a promoção do desenvolvimento moral na perspectiva quer da clarificação de valores, quer da educação do carácter. Especial atenção será dada à proposta kohlbergiana que considera a justiça como

o cerne de toda a educação moral. Inserido num ambiente que apele e promova uma participação activa na definição dos objectivos, aspirações e normas de conduta, a pessoa poderá ascender a níveis de maior complexidade quer de pensamento, quer de acção. A escola, microssistema de desenvolvimento, pode assim ser entendida como um verdadeiro agente de transformação, nomeadamente quando vista enquanto contexto de desenvolvimento ético, tal como Starrat (1991, 1999) propõe no seu modelo de escola ética.

3.1 - O Desenvolvimento como Objectivo da Educação

Atendendo à etimologia da palavra, educar sugere os sentidos quer de “fazer sair para fora de” (educere), quer de criar, formar ou instruir (educare), ambos derivados da raiz latina dux, ducis, que significa guia ou chefe. Desse modo, educar encerra a ideia de uma acção exercida por alguém sobre outrem com o duplo sentido de fazê-lo sair do seu estado primitivo e de fazer sair para fora (tornar em acto) o que possa possuir “virtualmente” (Foulquié, 1971).

Por outro lado, desenvolver é um derivado de volvere (rolar) e, acrescido do prefixo d e , exprime a ideia de d e s f a z e r ou d e s e n r o l a r . A composição des-e n -volver dá, igualmente, a conotação de «desentranhar», «desembrulhar», trazendo para fora o que estava dentro. De notar a noção implícita de movimento e mudança que deverá ser razoavelmente duradoura para que possa ser considerada como desenvolvimento (Mussen et al., 1988). Assim sendo, desenvolvimento diz respeito ao movimento e à mudança inerente ao próprio «objecto» que, no caso da pessoa, obriga a considerá-la como sujeito activo e participante, contrário ao suposto pela ideia de educar.

Apesar da aparente contradição inicial, muitos têm sido os que defendem uma proximidade e complementaridade desejável

entre os conceitos de educação e de desenvolvimento. O legado de John Dewey (1963, 1968) tem sido uma fonte inesgotável de argumentos a favor da inter-relação entre os dois processos, sobretudo no que concerne à sua ideia fundamental de que educação é desenvolvimento na medida em que a educação está inscrita na vida e que a vida não é sem desenvolvimento. No entanto, a noção que Dewey desejou fazer passar não foi a de um desenvolvimento «natural», no sentido do espontâneo ou inevitável, mas de um desenvolvimento intimamente inscrito numa rede de interdependência e, portanto, de influências e efeitos múltiplos e recíprocos. Não há aqui contradição, mas, antes, continuidade:

(…) growing as developing, not only physically but intellectually and morally, is one exemplification of the principle of continuity. (Dewey, 1963:36)

Uma continuidade que envolve, necessariamente, a relação da pessoa com o mundo, dado que, como Paulo Freire repetiu continuamente, o mundo não existe sem cada um de nós, pois, se as pessoas não existissem, não haveria ninguém que dissesse: isto é o mundo (1985:94). Para Dewey (1963), é a interacção (“the interplay of objective and internal conditions in any normal experience”) que constitui a verdadeira chave para a consideração de que o desenvolvimento é o objectivo da educação. À questão colocada por Dewey (1968; Archambault, 1964; Sprinthall & Mosher, 1978) sobre o que é a educação, é reafirmada uma sobreposição conceptual com a noção de movimento e processo, contida no conceito de desenvolvimento:

What then is education when we find actual satisfactory specimens of it in existence? In the first place, it is a process of development of growth and it is the process, and not merely the result, that is important (…) an educated person is the person who has the power to go on and get more education. (Sprinthall & Mosher, 1978:18)

Nesta matriz desenvolvimentista, educar é, então, cuidar de que a pessoa possa ir ultrapassando o seu estado primitivo, chegue o mais longe possível, alcançando estados de maior complexidade e descentração (Lourenço, 1996). Ou, como sugeriu Dewey, é agir no presente atraído pelo futuro, em função do que a pessoa pode ser, considerando que o ser humano estará sempre e continuamente “num movimento de si mesmo, sempre em “des-envolvimento” da sua potencialidade existencial” (Coelho Rosa, 1998b:2).

Vimos, por outro lado, e de acordo com o modelo bio- ecológico apresentado anteriormente (Capítulo 1.5), que o desenvolvimento depende de um conjunto de influências recíprocas, fruto da relação do sujeito com o seu ambiente, no âmbito de um conjunto de sistemas ecológicos, que incluem as circunstâncias materiais, interpessoais e simbólicas existentes no contexto mais imediato (microssistema), até ao contexto mais distante (meso e exossistema), durante um certo período de tempo (cronossistema). As actividades vivenciadas pela pessoa em desenvolvimento, a possibilidade que tem de assumir papéis diferenciados e de estabelecer múltiplas e estimulantes relações interpessoais, numa interacção cada vez mais complexa, estimulam o potencial de desenvolvimento de cada pessoa.

Se atendermos à dimensão moral do desenvolvimento humano (na matriz de uma destinação ética), o posicionamento educacional a adoptar para a sua promoção será fortemente influenciado pela perspectiva teórica a que se recorre para explicar o próprio desenvolvimento (moral) que, como foi visto anteriormente, pode tomar diferentes formas: da identificação com os valores parentais (perspectiva psicanalítica); à educação do carácter (perspectiva comportamental e da aprendizagem social); à educação para a justiça (perspectiva cognitivo-desenvolvimentista), particularmente na concepção de Kohlberg, que, adoptando o ideal socrático, confere ao

processo educativo a responsabilidade de tornar o ser humano não só «mais inteligente», mas sobretudo, «melhor pessoa».

Assim, a educação para o desenvolvimento moral, para Kohlberg, não faz mais do que antecipar aquilo que se deseja para o mundo. Como o próprio refere, a educação (moral) é como que uma Utopia:

(…) a model of the nature of a just society, the good man in such a society and of the educational practices and institutions of a just society which would help men become more just. (Kohlberg, 1975 c:2)

É conveniente manter presente que, na perspectiva cognitivo-desenvolvimentista em que Kohlberg se situa, o desenvolvimento é visto como um processo: a) irreversível; b) que se manifesta em diferentes tipos de respostas e situações; c) corresponde a uma alteração na forma ou qualidade de resposta; d) segue uma sequência invariável; e d) está organizado hierarquicamente (Kohlberg, 1975). Esta noção de desenvolvimento corresponde a uma reorganização estrutural que aparece descrita em diferentes estádios de desenvolvimento cognitivo (Piaget, 1973), moral (Kohlberg, 1984) ou interpessoal (Selman, 1971, 1980), entre outros. Cada estádio corresponde a um movimento para uma maior adaptação, diferenciação e integração. Assim, desenvolvimento não equivale à aquisição de uma maior número de conhecimento ou competências, mas antes a uma mudança no modo como cada um vai sendo capaz de pensar a realidade (física, sócio-emocional e lógica). Uma realidade que, progressivamente, vai sendo apreendida na sua multidimensionalidade e complexidade (Morin, 2001a, b).

Nesse sentido, educar para o desenvolvimento moral é, em primeiro lugar, educar para o desenvolvimento, no sentido de se promover a passagem para patamares hierarquicamente superiores, que vão sendo continuamente alcançados. Em segundo lugar, educar para o desenvolvimento moral é promover a

capacidade de cada um melhor compreender que os desejos, interesses e necessidades dos outros podem ser tão legítimos como os próprios, e que há razões e critérios para pensar e agir de determinada maneira. Este processo pode ser visto como um movimento de aperfeiçoamento contínuo (“continuous improvement”), que, como lembrou Sherry King (1999:182), “has no end point, but it must have clear focus and direction”. Essa direcção corresponde à sucessiva progressão no desenvolvimento do raciocínio moral, tal como foi descrito pelos trabalhos de Kohlberg e seus colaboradores. Uma direcção que vai sendo orientada pela ideia reguladora de uma destinação ética, própria da natureza humana.

Desse modo, educar para o desenvolvimento moral, no quadro da teoria kohlbergiana, é criar as melhores condições para que cada pessoa possa ir progredindo no modo como avalia as situações e os conflitos; possa ultrapassar um ponto de vista egocêntrico e hedonista (pré-convencional), para a compreensão e integração das normas e das expectativas sociais (convencional), vindo, depois, a alcançar a capacidade de ponderar essas normas e regras sociais à luz de princípios éticos universalizáveis (pós-convencional). Este progresso corresponderá a mudanças estruturais e não, unicamente, a alterações de comportamentos, admitindo-se, contudo, que o comportamento esteja, fortemente, dependente das múltiplas variações situacionais.

Esta é a perspectiva desenvolvimentista da educação moral e que, fundamentada na teoria de desenvolvimento do raciocínio moral (Kohlberg), constitui uma alternativa a outras abordagens educacionais, nomeadamente, a clarificação de valores e a educação do carácter.

3.2 - Promover a Moralidade: Clarificar Valores e Educar o Carácter

Para Kohlberg, uma educação preocupada com o desenvolvimento moral deve, acima de tudo, ser orientada pelas questões de justiça, de direitos e deveres, quer a nível das relações inter-individuais, quer a nível da vivência institucional. E deve, sobretudo, não cair na armadilha de pensar que em educação é possível manter uma posição de neutralidade, partindo do ponto de vista de que todos os valores são pessoais, subjectivos, contextuais e, portanto, relativos.

Esta postura relativista fomentou o movimento educacional tipificado como clarificação de valores (Raths, Harmin & Simon, 1966) que, explicitamente, marca uma reacção contra o tradicional ensino de valores (enquanto doutrinação), naturalmente, daqueles valores considerados típicos de uma determinada cultura ou grupo social dominante. O pensamento educacional é, aqui, fortemente influenciado pela ideia da complexidade crescente de uma sociedade pluralista e em mudança e, portanto, com dificuldades de posicionar-se perante o «certo» e o «errado», que é assumido como uma questão de preferência e escolha individual. Cada pessoa deveria, então, ser encorajada a expressar e discutir as suas escolhas e os seus próprios valores, não tendo ninguém autoridade para defender qualquer posição como a mais correcta ou adequada, dado não haver qualquer critério que possa ser assumido como universalmente válido; portanto, nenhuma hierarquia é procurada, ou, como refere Pedro da Cunha (1996:204) apenas uma “hierarquia do gosto, (...) não uma hierarquia de razão ou de direito, ou da ordem do ser.”

Como Paulo Freire (1985, 1997, 2000) argumentou, o próprio acto de educar contém em si mesmo um posicionamento ético, na medida em que acarreta opções, tomadas de posição e

orientações segundo determinados critérios e juízos (explícitos ou mesmo implícitos). Desse modo, a intenção de assumir, em educação, uma posição de neutralidade reduz-se a uma impossibilidade. Essa “hierarquia de razão” dá o sentido ético da educação [da “ética universal do ser humano” na expressão utilizada por Freire (1997)].

Essa abordagem relativista e neutra da educação moral foi, também, fortemente criticada por Kohlberg, podendo-se mesmo afirmar, como Richard Baer (1982) faz, que os proponentes da clarificação de valores são «apanhados» pelos seus próprios argumentos na medida em que uma almejada posição de neutralidade é já, ela própria, uma afirmação de preferência. Ou como Lourenço (1998:225) afirma,

(...) assumir uma concepção de neutralidade leva à contradição, na medida em que defender tal concepção é assumir já uma posição normativa que era rejeitada à partida.

De acordo com Kohlberg (1975a,b), o problema de uma educação baseada na clarificação de valores é ela não ser capaz de distinguir claramente entre aquilo que pode ser considerado como questão de preferência e escolha pessoal e o que é do âmbito da moral e que, por isso, deve ser sujeito a uma decisão ponderada (no exercício da racionalidade) por princípios éticos. O educador, praticando a clarificação de valores, assume-se como facilitador «não-directivo», procurando que cada um “se sinta totalmente livre de se assumir como é” (Cunha, 1996:204). Mas terá, consequentemente, dificuldades em defender qualquer posição como a mais eticamente adequada (baseada em princípios universalizáveis) e dificuldades, também, em contestar determinadas decisões, na medida em que qualquer uma delas pode sempre ser afirmada como questão de «preferência». Mas, em contexto educacional, com educadores e educandos, níveis de desenvolvimento, responsabilidade e autoridade diferenciados, como conciliar «preferências»? Os proponentes da clarificação de valores

aceitam que possa haver questões para as quais as crianças ou jovens não estejam em «condições» (desenvolvimentais?) de decidir. Nesses casos é a «preferência» do educador que prevalece e o «argumento» principal irá basear-se na afirmação de poder e autoridade inerente ao que é investido e se assume como «mais responsável».

If the teacher thinks his students are not yet ready to judge the issue of honesty, to use an example, he should not pretend that he permits them to do so. He should up and tell them, “students, we cannot let you decide this for yourselves right now. This decision is one that is too complicated (or dangerous) to give you”. (Raths, Harmin & Simon, 1966:113)

Objecções a este tipo de dificuldades levaram mesmo a que Richard Baer (1982) tivesse falado no potencial de intolerância e tirania por detrás da aparente liberdade e tolerância sugerida pelo método de clarificação de valores.

(…) it is fair to conclude that the proponents of values clarification are indoctrinating students in their position of ethical subjectivism and relativism. I use the term “indoctrinate” in its pejorative sense and do so deliberately, for the authors simply push their own view on their audience and never even suggest that there are other alternatives preferred by philosophers and other thoughtful and sensitive people. This component of indoctrination in values clarification is both subtle and powerful (…). (Baer, 1982:12)

A questão que se coloca é a de que, apesar se poder considerar os valores como pessoais, na medida em que possam ser entendidos como preferências subjectivas e relativas, a mesma posição possa ser mantida a nível de uma reflexão filosófica, que interpela para a reflexão acerca do «certo» e do «errado», do «verdadeiro» e do «falso», transcendendo uma dimensão particular para uma outra dimensão mais geral, potencialmente universalizável. As dificuldades são evidentes

e podem mesmo ser ilustradas pelos próprios proponentes da clarificação de valores (Raths, Harmin & Simon, 1966:viii-ix):

Ginger: does that mean that we can decide for ourselves whether we should be honest on tests here?

Teacher: No, that means that you can decide on the value. I personally value honesty, and though you choose to be dishonest, I shall insist that we be honest on our tests here.

Ginger: But then how can we decide for ourselves? Aren’t you telling us what to value?

Teacher: Not exactly. I don’t mean to tell you what you should value. That’s up to you. All of you who choose dishonesty as a value may not practice it here. That’s all I’m saying.

Por um lado, a tentativa de estimular um determinado comportamento (por ser considerado adequado), mas por outro lado, aceita-se que o valor que lhe é subjacente possa não ser adoptado (por ser uma preferência e escolha individual).

Como alternativa à clarificação de valores, e numa tentativa de ultrapassar as dificuldades com que esta se depara, o movimento designado como educação do carácter (Lickona, 1991; Ryan, 1986; Ryan & Bohlin, 1999) também tem sido apresentado como outra das opções educacionais. A proposta baseia-se na ideia de que é possível resolver os conflitos e dificuldades morais e sociais com que a sociedade se depara através da selecção cuidadosa dos valores desejáveis (“core moral values”) para qualquer ser humano abraçar, já que uma educação, escola ou educador neutros são uma total impossibilidade. Na verdade, a oposição a uma tendência relativista na educação é também apontada como uma das principais causas para o crescente interesse pela educação do carácter (Cunha, 1996; Ryan, 1986). O problema é, sugestivamente, apontado por Kilpatrick (1993), quando chama a atenção para a falência das instituições educacionais, afirmando, mesmo, que o principal problema que enfrentam é de ordem moral.

In addition to the fact that Johnny still can’t read23, we are now faced with the more serious problem that he can’t tell right from wrong. (Kilpatrick, 1993:10)

A confusão entre o que é certo ou errado, entre o bem e o mal é, segundo estes autores, uma das consequências mais nefastas da clarificação dos valores, e pode ser evitada pelo método da educação do carácter. O objectivo principal, tal como foi recentemente formulado por Ryan e Bohlin (1999), é o de ajudar cada pessoa a cultivar uma vida «virtuosa», através da prática de valores socialmente assumidos, de modo a que cada um possa não só “conhecer o bem, mas também gostar do bem e vir a fazer o bem” (Ryan & Bohlin, 1999:24).

As estatísticas que denunciam uma suposta deterioração da geração mais jovem (aumento da criminalidade e de comportamentos aditivos) e uma certa desconfiança na capacidade das famílias em zelarem pela formação moral dos seus jovens, são apontadas como estando na base do súbito interesse que a educação do carácter tem suscitado actualmente (Damon, 1990; Lickona, 1991; Berkowitz, 1998) e da receptividade que estas propostas têm tido junto da comunidade científica, educacional e social. A ordem do dia é a necessidade de se conjugarem esforços para que o carácter do indivíduo possa ser educado e fortalecido. E este vai sendo educado na medida em que certos valores vão sendo ensinados, testemunhados e praticados.

Evidentemente, a grande dificuldade começa com a necessidade de se identificar esse conjunto de valores pelos quais vale a pena lutar e que possam ser assumidos como parte de uma determinada identidade social. O problema foi bem identificado por Rushworth Kidder (1998:70), quando faz depender o ensino de valores da identificação dos valores compartilhados por uma comunidade sócio-cultural:

23 Referência à obra de Rudolf Flesch, Why Johnny can’t read (1955, N.Y.: Harper &

Only if we can identify a group of shared, core values do we have anything to teach in the realm of ethics. If the values are not shared, any effort to teach values will inevitably be nothing more than an effort to impose one person’s values on someone else.

A educação da dimensão moral resume-se, então, segundo este ponto de vista, à formação, no indivíduo, de um conjunto de competências, atitudes e comportamentos que virão a constituir o seu c a r á c t e r , enquanto conjunto de características firmemente gravadas e que constituem a marca indelével de cada pessoa. Conhecer o bem, gostar do bem e fazer o bem, tal é a constituição do bom carácter, no entendimento de Ryan e Bohlin (1999), que definem carácter como um conjunto de hábitos, quer intelectuais quer morais, um conjunto de virtudes e vícios:

Character, then, is very simply the sum of our intellectual and moral habits. That is, character is the composite of our good habits, or virtues, and our bad habits, or vices, the habits that make us the kind of person we are. (Ryan e Bohlin, 1999:9)

Será este conjunto de bons e maus hábitos que influenciará o modo como cada pessoa vai responder às diversas situações que o quotidiano oferece, na complexidade da vida inter- individual. Hábitos que vão sendo ensinados e aprendidos por procedimentos educativos mais ou menos consciencializados e sistematizados. Esta noção de carácter está, então, em estreita relação com os comportamentos observados, podendo-se avaliar o carácter de alguém através da avaliação dos seus comportamentos habituais. Evidentemente, se a educação da moralidade é entendida enquanto educação do carácter, será necessário educar-se em conformidade com o que é considerado mais importante, necessariamente, um conjunto de prescrições em formato de valores defendidos, o que exige uma clara e firme concordância quanto àquilo que deve ser ensinado.

Essa selecção de valores, apresenta-se tanto mais necessária (e difícil) quanto mais pluralista, diversificada e, portanto, mais complexa for a sociedade. A dificuldade persiste: será possível chegar-se a um consenso quanto aos valores a ensinar? E até que ponto poderão eles ser ensinados? Naturalmente, os que defendem a educação do carácter partem do pressuposto de que os valores constituem uma entidade exterior à própria pessoa são socialmente definidos e que, portanto, podem ser identificados e podem, por isso, ser transmitidos. Em concordância com o pressuposto de que o carácter é adquirido e que, por isso, é da responsabilidade dos agentes educativos criar

No documento ATMOSFERA MORAL DA ESCOLA (páginas 174-200)

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