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Da escola básica ao ensino superior: escolas e escolhas

Capítulo III A IDENTIDADE NARRADA:

1. Transversalidade dos percursos biográficos: construção de identidades 2 Do seio familiar ao mundo: o início do processo

1.2. A construção da identidade pela formação

1.2.1. Da escola básica ao ensino superior: escolas e escolhas

As memórias narradas sobre a relação com a escola se encontram com as histórias acerca do seio familiar, que implicou, sempre, o apoio da família à escolaridade dos filhos.

Entre outros aspetos que podem ser interessantes para discutirmos a identidade dos professores, surgem as memórias da Professora Flávia que tem a relação com a escola marcada pela luta política e, consequentemente, pela perseguição em face do contexto ditatorial que Portugal vivia.

Eu, de facto, muito jovenzinha ainda tinha começado a participar ativamente na luta contra o fascismo através do movimento estudantil, do movimento associativo que era a associação estudantil do Porto, que era uma associação ilegal, portanto era uma associação proibida, não era permitido ter associações de estudantes nos liceus, o que levou-me, me obrigou, fui obrigada pelo regime à mudança de várias escolas; meu crime era esse! Era ter atividade política, estamos a falar de alguém com 13, 15 anos. (Flávia, p.1)

Assim, identificamos que o contexto socio-político determina o percurso escolar da professora, dividida entre a atuação política e a escolarização. Esta participante narra um histórico conturbado, cuja participação numa associação estudantil provoca a perseguição e a expulsão de colégios. A relação com a escola, portanto, pauta-se entre “um vigiar e um punir”, em razão do posicionamento político da aluna contra o sistema vigente na época, a ditadura.

Não se tratava de ter sido boa aluna, porque eu sempre fui boa aluna. Tinha de facto essa atividade, eu fazia parte da direção da associação de liceus e, portanto, quando terminei o 5º ano do liceu, quando tinha 14 anos, fui impedida de me matricular na mesma escola no ano seguinte. Mudei, então, para outra escola que abriu esse ano no Porto, que era a António Nobre cujo diretor dessa escola, soube-se depois, tinha ligações muito grandes à polícia política e eu estive 6 meses nesse liceu, e depois fui expulsa mesmo desse liceu. (Flávia, p.2)

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Assim como identificamos claramente que o contexto político influencia as escolhas e os caminhos da Professora Flávia, observamos que esta interferência da política também acontece no percurso da Professora Luciana, ainda que esta viva o ensino básico em anos posteriores à ditadura.

A relação com a escola, do 1º ciclo, foi ainda muito marcada por uma época histórica anterior àquela que eu estava a viver. Eu apanho a escola logo após o 25 de abril, mas a minha professora da escola primária tinha sido professora da minha avó e da minha mãe e, portanto, trabalhou sempre no regime do Salazar e nós apanhamos um bocadinho essa postura, essa herança. (Luciana, p.1)

Desta forma, admitimos que o fim de um regime não é marcado por uma data, como o 25 de abril. Sustentada por pessoas, a mentalidade ditatorial não some em um dia, mas ainda persiste no discurso e na postura de alguns sujeitos, como da professora relatada pela fala acima transcrita.

A Professora Luciana conta-nos, ainda, sobre os momentos de transição da sua relação com a escola, como a mudança de casa. No período da escola básica morava com os avós e frequentava uma escola rural. Depois, vai para o litoral morar com os pais e então enfrenta uma transição considerada difícil, tendo em vista as diferenças da escola e principalmente as provocadas pela dicotomia campo-cidade.

Saio dos meus avós e vou para o litoral, vou para a escola primária. Essa transição para mim foi terrível, não gostei da transição porque era uma cidade maior e eu já não podia andar solta pelos campos ou a passear pelos campos como era costume, mas faço já o ensino primário e eu gostei muito do ensino primário nessa outra cidade, mas foi pacífico. Fui sempre uma aluna média. (Luciana, p.2)

O Professor Jorge também tem marcos em sua trajetória pela mudança de cidades, acompanhando a família. De uma cidade a outra, a transição no seu caso permitiu criar uma relação mais positiva com a escola.

Era uma escola onde também já tinham andado alguns primos meus. Era uma escola privada e ao contrário da maior parte dos meus primos, porque havia uma que também não gostava da escola, eu detestava a escola. Eu vomitava de manhã antes de ir, cuspia a papa toda, não gostava mesmo da escola e estive nessa escola até aos 8 anos de idade, dos 3 aos 8 e não gostei. (...). Depois, entretanto, meus pais mudaram de cidade; fomos para outra cidade e depois estive nas escolas públicas todo o resto do meu percurso escolar até o fim do liceu e aí sim gostava de ir para a escola. Fui para esta outra cidade na 4ª classe fui para escola pública e aí mudei completamente a minha relação com a escola. (Jorge, p. 1)

É interessante observar que as memórias positivas e negativas com a escola são relacionadas, muitas vezes, com o interesse desenvolvido pelas disciplinas e pelo trabalho dos professores que, podemos reconhecer, era considerado bom, através da fala de dois professores, pela competência pedagógica e pelo domínio do conteúdo, como constatamos:

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Acho que do ponto de vista pedagógico era bom, porque eu aprendi bem, aprendi bem a ler, essas coisas, mas eu não gostava nada da escola. (Jorge, p.1)

Na altura também em termos de formação de professores aquilo estava um pouco fraquinho. Havia áreas como educação física, educação visual, depois havia estudos sociais, que era uma área que eu gostava muito e é engraçado, porque depois eu venho engatar nessa área outra vez. Os professores não tinham formação na área, então teve anos em que eu não tive educação física, as disciplinas matriz, vá lá, matemática, português, história e inglês, eram com professores da área, mas o resto, as outras disciplinas, vá lá, mais periféricas, eu acho que não. Aí enfraqueceu um bocadinho a relação com a escola... (Luciana, p. 2)

Percebemos que na escolaridade dos professores entrevistados estava prevista a entrada no ensino superior. A ida para a universidade era clara e natural no caminho dos participantes do estudo, seja por influência direta do contexto familiar, pelos exemplos de pessoas próximas e/ou referências ou pela motivação dos pais. Assim, chegamos também, de forma clara, na parte do estudo que se debruça na formação inicial dos participantes.