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A escuridão predominante e o enquadramento indicam que o interesse de Inaê Coutinho não é propriamente documen- tar as casas de Marzagão e Água Limpa, Goiás. Dificultando o acesso do espectador aos objetos, mostrando-os na penumbra ou cortando-os, a fotógrafa desvia nossa atenção para o que geralmente é esquecido ou visto como detalhe num registro de ambiente: áreas de sombra e paredes aparentemente vazias.

Composições que modificam a maneira convencional de olhar podem causar estranhamentos. Nos contra-luzes, o enquadramento destaca o que está quase ilegível na sombra, ocupando-nos com o que só é possível ver quando a claridade é pouca. Em ambientes mais iluminados, os objetos, às vezes fragmentados, evidenciam a incompletude das informações.

Da Luz na Escuridão desafia a idéia de que há um momento decisivo para a captura da foto. As imagens não apre- sentam ações instantâneas, mas índices de gestos acumulados. Podemos ver que o assoalho, as camas e as paredes levaram muito tempo para adquirir suas texturas. Além disso, a artista expõe seus negativos durante vários segundos em busca de uma matriz que lhe permita, no laboratório, continuar refletindo sobre o que deve aparecer ou não.

Quando os ambientes são mostrados com clareza, as fotos são como vestígios de presenças, retratos de mora- dores quase ausentes. A cozinha vazia, com chamas no fogão, as toalhas engomadas e os lençóis esticados de uma casa cuidada com asseio, além das sete escovas de dente. São nessas entrelinhas que o espectador se projeta. É ele, afinal, quem vai habitar a fotografia e imaginar quem ali vive.

exposição individual realizada no Centro Universitário Maria Antônia, São Paulo, junho de 2005

por ocasião da defesa do mestrado em Poéticas Visuais na ECA-USP | originais em negativo SUPERIA 400, captados com CANON A2E, lentes CANON 50mm f1:1.4 e CANON 28mm f1:2.8 | ampliação manual: Laboratório Fotográfico A3 | laminação e adesivação sobre ps: Laboratório Fotográfico Fusão | montagem e luz: equipe Centro Universitário Maria Antônia sob supervisão da artista

04.C0335_20-23 X 40cm 04.C0342_32-23 X 40cm 04.C0340_02-23 X 40cm 04.C0341_04-23 X 40cm 04.C0335_19-40 X 23cm 04.C0335_23-40 X 23cm 04.C0341_20-40 X 23cm 04.C0340_10-40 X 23cm 04.C0335_17-40 X 23cm 04.C0335_21-40 X 23cm 04.C0341_16-40 X 23cm 04.C0341_15-40 X 23cm 04.C0341_23-40 X 23cm 04.C0339_34-40 X 23cm 04.C0335_22-40 X 23cm 04.C0339_35-40 X 23cm 04.C0339_33-40 X 23cm 04.C0340_06-40 X 23cm 04.C0335_27-40 X 23cm

DA LUZ

A LUZ, O ESPÍRITO E O OLHO | De que matéria é feito o visível? Conecta aquele que vê com a coisa vista, desaparece no instante em que o olho se fecha... essa questão é apresentada na recente produção fotográfica de Inaê Coutinho, que se detém nos interiores de casas humildes de Água Limpa (GO), Pirinópolis (GO) e Paraty (RJ). Se não há razão para se duvidar do aspecto científico, do fenômeno da visão como operação óptica e psicofisiológica, quanto à arte, a explicação demanda a articulação de outros tantos conceitos e preceitos. Inaê deseja (supõe-se que deseje) nestas imagens, resgatar a matéria de que é feita a própria imagem, que ao desaparecer, converte-se em memória, recorda- ção. Ao propor, intuitivamente, uma analogia entre a matéria do visível e a matéria da memória, a artista tangencia liga- ções sobre a visão já propostas por antigas autoridades. Ali ibn Isa e Hunain ibn Ishaq, das antigas Assíria e Babilônia, já faziam tal ligação: os ventos que os trazem para cá, arrastam consigo o pó de outrora, que circula no ar das casas fotografadas. Seguindo seu pensamento, a visão partiria de uma disponibilidade interna do observador que, agindo em contato com o ar, que por sua vez toca o objeto observado, se concretiza num retorno ao próprio observador. O que entendemos como raios, então chamados de espíritos animais, são os agentes deste processo. Seu percurso tem origem dentro do cérebro, nas arcas da “fantasia”, da “memória” e da “imaginação”. Transportados pelo sangue, são filtrados pelo fígado e passam pelo coração, onde são purificados. Então, atravessam a retina, o cristalino e o furo da pupila, misturando-se, por fim, ao ar circundante. No ar, os raios emanados do olho reúnem-se à coisa vista e, no sentido contrário, voltam ao olho, imprimindo-a sobre o cristalino e depois armazenando-a nas já referidas arcas. O visível se dá quando os espíritos vitais de nossos corpos, animados no cérebro, peregrinam para fora do corpo e agem junto ao ar e ao que é visto, restituindo ao olho a imagem captada. O olhar possui a força para agregar as coisas >

justamente este momento de reunião, em que todos os elementos responsáveis pelo fenômeno do visível são materia- lizados. A luz, corpórea, entra por frestas ou se oferece em nesgas, definindo os contornos e atravessando o espaço como fantasmas de luz. Do olho, coincidente com a lente da câmera, parte aquele que vê como um espírito peregrino em busca daquilo que sempre soube existir (pois o torna existente), para em seguida restituir à memória a imagem captada, porém experimentada, pela comunhão com o meio exterior onde, no ar inundado de luz, as coisas habitam. A solidão presente nestas fotos não ilude os demais espectadores porque é imaginada na recepção do visível, subjetiva, pela imaginação, fantasia e memória da artista. A imagem, neste caso, não se oferece aos sentidos do espectador como algo insignificante, imagem acidental, sem essência ou falsa. Todos aqueles objetos, aquelas coisas, a cortina transpassada pela luz do sol, a ponto de se incendiar; a velha cama desarrumada guardando ainda os vestígios do dormidor; a velha bicicleta; os utensílios baratos espalhados pela mesa, vasos, flores de plástico, frascos e latas, ou a pequena estrela do mar sobrestando o arco de luz que percorre a pálida parede a supor a presença do olho, são imagens sensíveis materiais, e, portanto, essenciais.

As fotografias de Inaê não são crônicas da vida alheia, ou imagens que queiram ser registros de alguma iconografia regional com conotação antropológica. Revelam as intenções (que são os outros nomes dados aos raios visíveis pelos antigos) que também são interiores, pois respondem aos espíritos ou sentidos peregrinos, egressos de algum lugar, sempre em regresso para algum lugar.

08.C0677_18-50 X 75cm 08.C0679_27-50 X 75cm 08.C0678_22-50 X 75cm 08.C0677_16-50 X 75cm 07.C0620F_01-80 X 120cm 08.C0677_10-50 X 75cm 08.C0677_08-50 X 75cm 08.C0678_02-33 X 50cm 04.C0341_28-50 X 75cm 08.C0677_07-50 X 75cm 08.C0677_28-50 X 75cm 08.C0678_08-33 X 50cm 07.C0620F_15-50 X 75cm 07.C0620F_03-50 X 75cm 08.C0678_04-50 X 75cm 08.C0679_13-33 X 50cm

DA LUZ_exposição individual realizada no Espaço Porto Seguro de Fotografia – Galeria Guaianazes, São Paulo, setembro de 2008

patrocínio: Porto Seguro Seguradora e Instituto Cultural Tomie Ohtake | originais em negativo SUPERIA 400, captados com CANON A2E, lentes CANON 50mm f1:1.4 e CANON 28mm f1:2.8 | ampliação manual: GiboLab | adesivação: Espaço Digital | molduras: Moldulak | luz e montagem: equipe Instituto Tomie Ohtake sob supervisão da artista

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