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Da Mascate portuguesa (1507‑1650): fortificação e urbe

No documento Revista de História da Arte (páginas 76-85)

Aquando da instalação, os portugueses avaliaram as excepcionais condições abri- gadas do porto e a ‘muralha’ montanhosa que cercava a urbe, associada a algumas barreiras construídas nas passagens entre as serras e as atalaias atrás mencionadas, como suficientes para a protecção do local (Al-Belushi 2013, 552). No entanto, a resistência omanita e ameaças externas, obrigaram os portugueses a considerar a necessidade de construção de um sistema defensivo, resultando num processo faseado que se ía adequando ao ambiente político-militar da região.

Do tempo português em Mascate, já depois de obras recentes de remodelação e adaptação dos fortes a novas funções13, aquilo que pode hoje ser observado

entre as estruturas sobreviventes inclui as duas fortalezas – São João e Almirante (actualmente apelidadas de Al-Jalali e Al-Mirani, respectivamente14), além de duas

estruturas avançadas – Al Sirah al-Sharqiyah, uma torre portuguesa, e Al Sirah al-Gharbiyah, o antigo Baluarte de Santo António (fig. 3). Rodeando a cidade, os

Fig. 3 – Fortes de São João (Al-Jalali), ao fundo, e do Almirante (Al-Mirani), em primeiro plano. Fotografia de Jorge Correia.

15 Para Matara, as ligações territoriais e mercantis

com o interior eram mais fáceis, uma vez que o perfil da montanha não era tão encerrado (Costa 1983, 264).

portugueses construíram uma muralha pontuada por baluartes, cujo traçado ainda se lê na morfologia urbana do bairro designado por “Mascate velha”. É também de referir a torre quadrangular que protegia a zona da Horta do Cabaço e várias torres circulares que se distribuem pelos picos das serras envolventes e que se juntaram às inúmeras já preexistentes (Carvalho 2010, 156-159) (fig. 4).

O forte existente em Matara (hoje Mutrah, a cerca de meia légua de distância do centro de Mascate) é considerado como parte do mesmo sistema defensivo, pois tinha como principal função proteger a passagem até ao principal entreposto comer- cial (Floor 2015, 15; Dias 1998, 394). As limitações topográficas que favoreciam o isolamento de Mascate e o necessário controlo face ao hinterland, faziam com que a cidade se apoiasse em Matara para obter algumas provisões (Floor 2015, 3-5). Embora subordinada a Mascate, Matara tinha igualmente uma boa área de porto, abrigada dos ventos e, assim, pôde contribuir para o abastecimento e socorro da cidade vizinha15 (fig. 5).

Fig. 4 – Vestígios de origem portuguesa em Mascate. Planta dos fortes de Matara, Almirante e São João (da esquerda para a direita): 1. Forte do Almirante (Al-Mirani); 2. Forte de São João (Al-Jalali); 3. Baluarte de Santo António (Al Sirah al-Gharbiyah); 4. Torre Al Sirah al-Sharqiyah; 5. Muralha; 6. Forte da Horta do Cabaço (Rawiyah); 7. Forte Marata (Mutrah). Desenho de Ana Lopes.

16 Desde o século XIII que os otomanos seguiam

um percurso de conquistas que chegou até ao mares Vermelho e Mediterrâneo e que, no sécu- lo XVI, cobiçava a zona do Índico (Costa et al. 2014, 120).

17 Seria uma parede erguida na praia, descrita

como uma “tranqueira forte ao longo da praia”, feita de entulho e reforçada por filas de pedras colocadas em espinha (Couto 2011, 142).

18 Este último terá sido um ataque mais violento,

com muitas baixas do lado português e deixando parte da cidade queimada, incluindo uma igreja. Os otomanos não quiseram ocupar Mascate, bus- cando apenas a diminuição da resistência portu- guesa para um eventual assalto a Ormuz (Couto 2011, 142).

19 Cairati foi para a Índia a mando de Filipe I de

Portugal para consolidar as principais fortifica- ções do Estado da Índia (Loureiro 2007, 68).

20 D. García Figueroa (1550-1624) era um fidalgo

espanhol que iniciou, em 1614, uma missão de vi- sita à corte do Xá Abbas I da Pérsia (1587-1629), enquanto embaixador da coroa ibérica. Escreveu um diário sobre a viagem que se prolongou por mais de uma década (Loureiro 2011, ix).

A construção destas estruturas ao tempo português sintonizou-se com a pressão inimiga na zona. Após um período inicial em que as defesas preexistentes se ajui- zaram como suficientes, em 1546 ocorreu o primeiro ataque otomano16 a Mascate.

O impacto foi travado pela magra guarnição da cidade, cerca de vinte e seis portu- gueses, com a ajuda de alguns locais e de um único muro defensivo na zona da praia, que não seria muito mais do que o muro encontrado pelos portugueses aquando da conquista17. O episódio demonstrou a urgência em actualizar as defesas. Por ordem

do vice-rei Afonso de Noronha, o capitão João de Lisboa iniciou os trabalhos em 1551. O muro junto à praia terá sido reforçado com a construção de duas estruturas abaluartadas, onde puderam instalar artilharia (Floor 2015, 2). No entanto, sobre uma hipotética primeira fortificação construída, muito pouco se sabe, havendo diferentes versões acerca da sua possível localização, logo destruída nesse mesmo ano por novo ataque dos turcos.

O impacto das incursões otomanas prosseguiu com novas investidas em 1554 e em 158118. É depois disto que os portugueses decidem melhorar significativamente

as suas estruturas defensivas, edificando os Fortes do Almirante e de São João. Ambos foram mandados construir por ordem do vice-rei D. Duarte de Meneses (1584-1588), mas apenas terão sido terminados pelo seu sucessor (Carvalho 2010, 157-158) (fig. 6).

O Forte do Almirante, que foi buscar o nome ao facto de incluir a casa do almi- rante (ou capitão), possui uma inscrição gravada em duas pedras facetadas do lado exterior de uma porta abobadada, atribuindo expressa e claramente o trabalho a Belchior Calaça, no ano de 1588. Muito provavelmente, este terá seguido os pla- nos do engenheiro Giovanni Battista Cairati19 que, desde 1584, estava encarregue

de consolidar as fortificações de Ormuz, Barém, Mascate e Malaca (Couto 2011, 146-147). D. García Figueroa20, que passou por Mascate em 1617, além da descrição

detalhada do estado da fortaleza, comenta que a construção se fez nos vazios entre os cumes elevados e afiados da montanha costeira (Loureiro et al. 2011, 169). A escolha da localização não podia ser mais vantajosa para o controlo da envolvente

Fig. 5 – Forte de Matara (Mutrah). Fotografia de Jorge Correia.

portuária. Todavia, o relevo é de tal forma íngreme que foram necessárias várias estruturas para vencer as pendentes e conseguir colocar diferentes plataformas, a diferentes cotas, adaptadas ao perfil da serra. Imposta coercivamente sobre a paisagem, a nova fortaleza coroava a linha de festo, interligando uma sucessão de “postos de guarda” e revelins, equipados com bocas de fogo, que se articulavam em diferentes níveis através de escadarias (Couto 2011, 147-149; Loureiro et al. 2011, 159-176). Tratava-se de um conjunto irregular que foi, em grande parte, ditado pela topografia bastante acidentada. Tal como referiu Figueroa, a implantação da forta- leza em elevação muito íngreme por si só dotava-a de impregnabilidade, para além das muitas reentrâncias e protuberâncias, tanto exteriores como interiores, que serviam de obstáculos. Para além destes factores, a artilharia instalada permitia o flanqueamento entre as diversas estâncias (Loureiro et al. 2011, 170).

O Forte do Almirante incluía uma zona abrigada para a entrada a sudeste, subindo-se daí para as diferentes cotas onde se situavam os referidos revelins, entendidos aqui como plataformas de tiro, rasgados por canhoneiras; a norte e no topo de um patamar estava um torreão circular; um outro localizava-se a poente, agregando-se às plataformas centrais; com forma ultra-semicircular e no extremo de um percurso amuralhado sobre o cume da serrania que seguia no sentido nas- cente-poente, encontrava-se a estrutura abaluartada mais elogiada por Figueroa,

Fig. 6 – Planta das estruturas portuguesas existentes no século XVI: 1. Forte do Almirante (Al-Mirani); 2. Forte de São João (Al-Jalali); 3. Muralha ribeirinha; 4. Percurso de água doce. Desenho de Ana Lopes.

21 Sobre as representações iconográficas de Mas-

cate, consultar Garcia 2009, 72-76.

pois além de grande ponto de vantagem, estava bem equipado com canhoneiras em distribuição radial para defesa de porto e cidade (Loureiro et al. 2011, 170). A estrutura defensiva incluía ainda um pátio com uma cisterna e onde se situava uma capela. Todavia existente, o pequeno templo conta com uma geometria circular de pequena escala, dotada de cúpula e de portal em calcário, composto por elementos de gesto manuelino.

Comparativamente, o Forte de São João, construído do outro lado da baía, era considerado, pelos testemunhos coevos, como uma estrutura menos sofisticada (Couto 2011, 147-149). Ainda hoje representa uma massa arquitectónica robusta que se impõe sobre o território circundante (fig. 7). Assume-se como uma estrutura mais regular, com os seus panos de muralha a seguir o contorno da colina onde se implanta, formando uma plataforma central, onde estariam as casas da guarni- ção, um arsenal e outras dependências, nomeadamente um reservatório de água. Há baluartes em praticamente todas as inflexões do contorno fortificado. Com as suas formas curvilíneas transmitiam uma sensação de grande muro perimetral que rodearia uma espécie de grande bateria instalada no topo do penedo, conforme era descrito à época. Estas estruturas foram parcialmente escavadas na rocha e orga- nizavam-se em diversos níveis, dispostos nas extremidades angulares do conjunto e preparados para receber artilharia. O seu desenho permitiria disparos radiais de tiro, flanqueando os muros adjacentes e alcançando um pleno domínio do sector oriental da baía portuária. O acesso ao Forte de São João era feito do lado da baía, através de uma escadaria íngreme pontuada por volumes defensivos artilhados, que funcionariam como portas que se sucediam umas às outras. Tanto pelas descrições coetâneas como pelas representações iconográficas, este forte parece ter sido sempre considerado secundário. Os desenhos que o registam fazem-no de forma muito simples (mostrando muito mais detalhe no conjunto do Almirante), havendo ainda os que nem sequer o incluem21.

Ao longo dos 143 anos de presença portuguesa em Mascate, a capacidade mili- tar instalada haveria ainda de assistir a evoluções na medida em que as funções daquele porto se assumiam, cada vez mais, como fundamentais. Ainda nos finais do século XVI se considerava necessário reforçar as defesas de Mascate, como demonstram as sucessivas novas construções seiscentistas que ajudaram a con- solidar o porto como potência regional (fig. 8). Na década de 1590, ordenou-se a construção da torre que se encontra no extremo nordeste do porto, hoje chamada de Al-Sharqyiah, mencionada num relatório enviado ao rei. Já em 1610, são amplia-

Fig. 7 – Perfil da baía de Mascate pelos fortes do Almirante (Al-Mirani) e de São João (Al-Jalali) para norte. Desenho de Ana Lopes.

22 Foi o Conde de Linhares (v.r. 1629-1635) quem

ordenou a sua construção.

das estruturas no Forte do Almirante para junto da água (Carvalho 2010, 156-159), reforçando a defesa do porto com uma plataforma poligonal em dois níveis (equi- pada com artilharia com capacidade de tiro rasante ao plano da água), a que se acedia descendo da fortaleza através de duas longas escadarias que contornavam o rochedo, em direcção à extremidade norte.

Quando em 1622 Ormuz se perdeu para os persas aliados aos ingleses, Mascate assume uma posição dianteira enquanto principal fortaleza portuguesa na região (Dias 1998, 390; Costa et al. 2014, 172-177). Rui Freire de Andrade, um importante capitão português, reagiu à nova conjuntura e conseguiu alargar a rede de posições dominadas pelos portugueses ao longo da costa adjacente para norte, a saber Sibo, Borca, Quelba, Madá, Doba, Limah (Al-Busaidi 2000: 63-98) (fig. 2).

Onze anos depois, numa campanha de melhoramentos nas fortificações de Mascate, ergue-se o Baluarte de Santo António, construído sob instruções do engenheiro Manuel Homem de Pina22 (Carvalho 2010, 156-159; Dias 1998, 391). Tratava-se de uma

estrutura que permitia o tiro radiante através de duas plataformas, principalmente a voltada a norte. Em 1634 houve reparações nos dois fortes de Mascate (que esta- riam terminadas em 1640). Será dessa altura a inclusão do elemento mais impressio- nante do Forte de São João: a face voltada à baía onde se abrem oito conjuntos de aberturas com seus respiradouros, anunciando uma poderosa capacidade de tiro.

Fig. 8 – Planta das estruturas portuguesas existentes no século XVII: 1. Forte do Almirante (Al-Mirani); 2. Forte de São João (Al-Jalali); 3. Muralha ribeirinha; 4. Baluarte de Santo António (Al Sirah al-Gharbiyah); 5. Torre Al Sirah al-Sharqiyah; 6. Muralha; 7. Torre Cabrita; 8. Percurso de água doce; 9. Forte da Horta do Cabaço (Rawiyah); 10. Zona da Igreja e Convento de Nossa Senhora da Graça. Desenho de Ana Lopes.

23 O desenho do século XVII (Bocarro e Resen-

de c.1635, fol. 46v-47r) mostra seis baluartes ao longo de uma muralha curva. Na realidade, são dois troços rectos de muralha dispostos em ‘L’, localizando-se a designada Torre Cabrita no ân- gulo – único baluarte pentagonal. As outras torres são redondas do lado exterior e poligonais pelo interior.

24 Localmente, designa-se como Forte de

Al-Rawiyah. Também Albuquerque mencionaria essa área de palmeiras, junto a poços de água fresca e a três jardins (Floor 2015, 2).

Rui Freire de Andrade deu, também, ordens para que se fortificasse a vila pesqueira mais próxima, Matara. A determinação da construção do forte de apoio a Mascate data dos anos 20 do século XVII (Floor 2015, 15; Dias 1998, 394). Mais uma vez, o forte implantou-se numa elevação rochosa e bastante escarpada, formado por dois torreões cilíndricos ligados por dois panos de muralha que se apoiam na serra e integravam dispositivos que permitiam tiro através de seteiras. Já as estruturas das extremidades incluíam aberturas para artilharia. Trata-se do actual Forte de Mutrah. Para além de fortes em pontos estratégicos do relevo litorâneo, o tecido urbano à cota baixa, compreendido entre a praia e as elevações montanhosas circundantes, mereceu também empreitada fortificadora. Em 1623, ergue-se a muralha que rodeia a cidade, com cinco baluartes semicirculares do lado exterior e um pentagonal, na inflexão do traçado, separando a cidade do sertão (fig. 9)23 (Dias 1998, 391). As suas

extremidades fundiam-se nas escarpas das montanhas, criando um perímetro total- mente encerrado na sua frente de terra. Em complemento, procedeu-se à constru- ção de torres nos pontos altos da zona envolvente, que ajudavam a vigiar possíveis aproximações provenientes do interior do território. Algumas já existiriam antes da chegada dos portugueses, mas, como confirma o testemunho de Pietro della Valle, em 1625 os portugueses estariam a melhorar algumas dessas atalaias e a construir novas (Floor 2015, 2). As torres de vigia estendiam-se até à vizinha Matara, onde

Fig. 9 – Pedro Barreto de Resende, “Mascate”. In António Bocarro, Livro das Plantas de todas

as Fortalezas, cidades e povoaçoens do Estado da India Oriental, c. 1635, n.0 5. Biblioteca

25 Desde o século XV, a actividade bélica integra-

va progressivamente a artilharia de fogo. A arqui- tectura era uma das disciplinas mais envolvidas na experimentação, dando origem àquilo que se designa como “período de transição”. Não haven- do espaço, neste artigo, para dissertar sobre as alterações que a arquitectura foi assistindo, não podemos deixar de referir que, à época da cons- trução das fortalezas de Mascate, os portugueses já tinham erguido fortificações ao moderno, com baluartes em cunha e estruturas que correspon- diam às mais recentes propostas da tratadística europeia (Barata e Teixeira 2004, 1: 359-370).

também aí existiria um muro que separava a vila piscatória do resto do território, com as suas portas de acesso controlado (Costa 1983, 264).

Com o intuito de proteger o contínuo abastecimento de alimentos e água potável a Mascate, Rui Freire de Andrade manda fazer uma torre de protecção à Horta do Cabaço, em 162724 (Carvalho 2010, 159) – um quadrilátero com entrada ao nível do

primeiro piso, do qual só resta o nível inferior no presente. Em 1634, procedia-se também à escavação de um fosso, à construção de uma nova casa de alfândega e de uma doca no final do curso de água que vinha desde a zona das hortas (Floor 2015, 15).No início do século XVII, Mascate contaria com cerca de 300 casas de construção precária, feitas de junco e folhas de palmeira, muito juntas e sem espaço entre si. Os portugueses habitavam em casas de pedra e cal, com terraços que teriam muito melhor aspecto para quem visitava a cidade, apenas no pequeno bairro próximo à igreja (Loureiro et al. 2011, 159-176).Efectivamente, quando Figueroa visitou a cidade ainda em 1617, assistiu à missa na igreja paroquial e instalou-se no recém-erguido Convento de Santo Agostinho, que ficava a menos de 50 passos do maciço rochoso onde se implantava o Forte do Almirante (Loureiro et al. 2011, 169; Carvalho 2010, 156-159).

Das estruturas religiosas e civis da cidade baixa não restam vestígios arqueológi- cos e são, nos dias de hoje, de muito difícil localização. Um documento escrito por Rui Freire de Andrade, em 1622, onde o mesmo se identifica como capitão-mor da armada de alto bordo, menciona a entrega da direcção do hospital ao vigário da Ordem de Santo Agostinho (Jansen et al. 2015, 5: 272) confirmando a existência desse equipamento, tal como o “Regulamento para a fortaleza, feitoria, alfandega e hospital de Mascate”, escrito em 1636, onde se registam os salários e funções do cirurgião e do boticário desse mesmo hospital. O documento indicia uma localiza- ção próxima entre convento e as casas que servem de hospital, além da existência de umas casas da feitoria, casas das armas e casa onde morava o mestre-de-obras (Jansen et al. 2015, 7: 199-282).

Das descrições anteriores se retira que quer no investimento português à altura, quer no património actualmente visível, a atenção recai, essencialmente, sobre a arquitectura militar. De facto, para o conjunto das estruturas defensivas e suas diferentes fases de obras, o tema da manipulação de armas de fogo foi determi- nante25. O momento era então de total assunção da artilharia que vinha registando

processos evolutivos na arte da guerra e acelerando modos de construir. Em termos tipológicos, Mascate não revela as formas perfeitas ao moderno, descritas e repre- sentadas na tratadística que circulava pela Europa, onde se propunham reformas profundas nos sistemas fortificados na óptica da utilização das novas armas para baluartes angulares. No entanto, o seu desenho destacou baluartes circulares dos muros defensivos e impôs múltiplas aberturas para o uso de artilharia em cada uma das suas estruturas. Por tudo isto, torna-se interessante fazer uma avaliação do seu grau de inexpugnabilidade à luz da capacidade pirobalística do seu tempo. Com o levantamento efectuado de todas as aberturas para bocas de tiro, analisando os

26 Considerámos armas com um alcance máximo

de 600 metros para tiros de canhão e de 200 para as armas de porte individual que poderiam ser de fogo ou ainda neurobalísticas. Para referências relativas ao alcance das armas de fogo, consul- tar: Barata e Teixeira 2004, 1: 180-183, 354-359; 2: 198-214.

seus ângulos de disparo e cruzando tal com a variedade de armas usadas à época, podemos calcular o alcance de fogo destas estruturas.

Várias possibilidades, mediante os diferentes tipos de armas da época, podem ser consideradas para hipotéticos contextos beligerantes. A situação mais optimizada, ou seja, um cenário em que todos os vãos existentes para calibres diferentes esta- riam ocupados por artilharia grossa e por dispositivos de porte individual, com os respectivos homens necessários para as manejar, provavelmente nunca aconteceu em pleno por míngua de armas ou recursos humanos. Este quadro articularia a capacidade defensiva de todas estas estruturas na sua máxima expressão, com um alcance de tiro determinado pelas armas de maior capacidade a circular no Índico no início do século XVII26 (fig. 10). O impacto era grande e, do cruzamento de tiro

entre os dois fortes, toda a baía e uma grande zona envolvente ficaria subjugada. Ainda que com formas alternativas, e até mesmo atávicas, para a época, Mascate revelou-se capaz de integrar a artilharia e de estruturar a sua defesa de modo muito eficiente. As inflexões são pontuadas por baluartes ou torreões salientes, flanqueando-se mutuamente, além de varrerem pelo tiro as áreas envolventes, aproveitando-se dos recessos e saliências do terreno para criar obstáculos naturais a qualquer tentativa de aproximação inimiga.

Fig. 10 – Planta esquemática: estudo do alcance de tiro para armas de maior capacidade no século XVII.

Do legado patrimonial de Mascate:

No documento Revista de História da Arte (páginas 76-85)