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Da Objetivação do Sujeito e uma Teoria do Poder

3. DO CORPO DO CONTROLE AO GOVERNO DE S

3.1 Da Objetivação do Sujeito e uma Teoria do Poder

Pareceu-me que, enquanto o sujeito humano é colocado em relações d e produção e de significação, é igualmente colocado em relações de poder muito complexas (FOUCAULT. In. DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 190).

Ao contatar a importância do poder41, para afirmar uma possível forma de subjetivação do sujeito, Foucault vai investigar e pensar um modo de manter essas relações, de modo que não estejam pautadas numa universalização do Aufklärung alemão, mas pensá- las dentro de um jogo de racionalidades específicas, que estejam sendo regidas pelo antagonismo das estratégias.

Entra em cena o conceito foucaultiano de resistência42 e uma primeira postulação de um estatuto do sujeito do século XX. A partir das lutas do cotidiano se vai buscando um ponto em comum, nessas relações de poder, diante das várias facetas de oposições, que caracterizam esses jogos; ―oposição ao poder dos homens sobre as mulheres, dos pais sobre os filhos, do psiquiatra sobre o doente mental, da medicina sobre a população, da administração sobre os modos de vida das pessoas‖ (Ibid., p. 190).

Antes de falarmos que são apenas lutas antiautoritárias, que são estritamente oposições que visam cada qual o poder, cabe-nos perceber nelas pontos em comum que possibilitem olharmos até onde essas relações de poder inferem no modo de ser do ser humano.

Acerca do poder e das lutas que se originam no desenvolvimento delas, podemos afirmar que um primeiro ponto está no fato de que essas lutas não estão confinadas a uma localidade de modo específico, bem como não se resumem a uma forma política ou econômica única. Em seguida se verifica que o fim, a que se destinam está, abruptamente, no poder e nos seus efeitos, na íntegra. Como terceiro ponto em comum, se constata que a procura do efeito do poder, dessas lutas, sempre na sua imediaticidade. Ademais, de forma

41 O poder não é concebido como uma essência com uma identidade única, nem é um bem que uns possuam em

detrimento de outros. O poder é sempre plural e relacional e se exerce em práticas heterogêneas e sujeitas à transformações; isto significa que o poder se dá em um conjunto de práticas sociais constituídas historicamente, que atuam por meio de dispositivos estratégicos que alcançam a todos e dos quais ninguém pode escapar, pois não se encontra uma região da vida social que esteja isenta de seus mecanismos (DUARTE, 2006, p. 47).

42 Para Foucault, a resistência ao poder não pode vir de fora do poder; ela é contemporânea e integrável às

estratégias de poder. Desde esta perspectiva, as possibilidades reais da existência começaram quando deixamos de nos perguntar se o poder é bom ou mau, legítimo ou ilegítimo e o interrogamos ao nível de suas condições de existência. O que implica, em primeiro lugar, despojar o poder de suas sobrecargas morais e jurídicas. As formas múltiplas de resistência, por outro lado, podem ser tomadas como ponto de partida para uma análise empírica e histórica das relações de poder. A possibilidade de resistência, para Foucault, não é da ordem da denúncia moral ou da reivindicação de um direito determinado, mas da ordem estratégica e da luta (CASTRO, 2009, p. 387).

mais concreta, Foucault salvaguarda características mais comuns e que parecem mais específicas nessas relações.

Toda relação de poder questiona no seu cerne, o estatuto do indivíduo. Numa ambiguidade, se busca uma ênfase naquilo que possibilita o indivíduo na sua pessoalidade, uma verdadeira autoindividualização e que, ao mesmo tempo, urge a participação no todo da vida comunitária, como uma garantia de atestar sua individualidade.

―Estas lutas não são exatamente nem a favor nem contra o ‗indivíduo‘; mais que isto, são batalhas contra o ‗governo da individualização‖ (FOUCAULT, In. DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 190). Nessas lutas também se verifica que há uma luta contra os efeitos do poder oriundos do saber; questiona-se o modo que, nas relações de poder, com forte influência, o poder transita e funciona pelo saber.

[...] este eixo saber-poder permitirá a Foucault, até meados dos anos 70, pensar as implicações entre esses três domínios (as formulações de saber, os mecanismo de poder e as formas de subjetivação) segundo uma operacionalidade em que as relações de poder apareciam como ‗matrizes‘ das formações de saber e das formas de subjetivação (FONSECA, 2006, p. 157).

Por fim, se nos apresenta que todas as lutas que se formam e todas as relações que se firmam, no intuito de alcançar o poder, se ostentam numa verdadeira face de processos de individuação, isto é, construção de formas de poder que ostentam mecanismos de poder, na postulação de gerir individualidades de fora para dentro. Formas de poder que na cotidianidade do indivíduo, ―marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele‖ (FOUCAULT, In. DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 190).

Identificam-se mecanismos de poder que buscam dizer o sujeito numa esfera de controle e de disciplina, tornando o sujeito, um corpo a ser docilizado, se fazendo acreditar numa autosubjetivação do indivíduo.

Outro tipo de sujeito apontado por Foucault é aquele que, percebendo tais mecanismos de poder, busca pela força da resistência, um desvencilhamento que o possibilite alcançar aquilo que o faça capaz de se dar um estatuto de subjetividade, que não esteja atrelado aos modos de sujeição presentes, nos mecanismo de poder.

No primeiro sentido trata-se da hetero constituição do sujeito que consiste, a) na objetivação como sujeito falante, produtor e vivo, b) na partição normal/anormal, padronização que, conforme a época, reveste as figuras de louco/racional, doente/são, delinquente/ordeiro, e constituem o que chamaríamos os modos de sujeição do indivíduo, quando este é passivo nos processos de enculturação que o transformam de ser sociável em ser social, no contexto das complexas relações de produção, de sentido, e de poder que mantém com os outros, sendo o sujeito, aqui,

moldado, construído, do exterior de si, sofrendo uma pressão que visa orientar ou programar as suas ações (ARÊDES, 1996, p. 43-44).

Na primeira forma, o sujeito é heterônomo, é o sujeito que vive sempre entre interstícios e mecanismos de poder; é o sujeito de As Palavras e as Coisas, é o corpo dócil do

Vigiar e Punir (1997). É, também, o sujeito que na Genealogia subsiste na concepção do

poder tradicional, jurídico-político, de um poder que de forma vertical, se centraliza nas mãos do soberano ou do Estado, que por sua vez se constitui de autoridade pela repressão, pela dominação e subjugo, o que atesta a constituição de sujeitos assujeitados.

[...] o sujeito já é sempre pensado por Foucault como produto de uma multiplicidade de relações horizontais de saber-poder que o caracterizam como sujeito assujeitado e disciplinado e é a partir dessa esfera de sujeição que emergem as categorias de resistência em vista da autonomia no processo de subjetivação (DUARTE, 2006, p. 47-48).

O segundo tipo de sujeito, sustentado pela resistência é o sujeito que busca uma autoconstituição, a partir da elucidação de que das relações de poder, nada pode escapar. Esta consciência do sujeito faz com que ele resista aos mecanismos de poder impostos e disciplinados, enquanto busca gerir, a partir de suas forças, atitudes ativas na construção do modo de sujeito que se quer ser. Este é o sujeito que procurará, a partir de um governo de si mesmo, uma forma autônoma de determinação da subjetividade e da identidade, formada na via do cuidado de si.

No quadro desta concepção, o sujeito é visto como podendo querer ser outro, auto constituir-se, governar-se a si próprio, passar da sujeição à subjetivação, trabalhar no sentido da criação de uma outra identidade diferente da resultante dos jogos de saber-poder que ocorrem na História e que transcendem o indivíduo (ARÊDES, 1996, p. 44).