4. AS RELAÇÕES JURÍDICAS DECORRENTES
4.1. Da participação da família
Para entendermos um pouco mais essa abrangência, analisaremos cada um dos segmentos envolvidos nesse processo de desenvolvimento, abordando, assim, num primeiro prisma, a responsabilidade da família, pois, dentre todos os envolvidos, é a que está mais perto do menor e, com isso, deve estar sempre atenta para fornecer ao mesmo as melhores condições para o seu desenvolvimento.
Vale aqui trazer a lição de RUI BARBOSA32, para quem “A pátria é a família amplificada. E a família, divinamente constituída, tem por elementos orgânicos a honra, a disciplina, a fidelidade, a benquerença, o sacrifício. É uma harmonia instintiva de vontades, uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivendo de almas entrelaçadas. Multiplicai a célula, e tendes o organismo. Multiplicai a família, e tereis a pátria. Sempre o mesmo plasma, a mesma substância nervosa, a mesma circulação sangüínea. Os homens não inventaram, antes adulteraram a fraternidade, de que o Cristo lhes dera a fórmula sublime, ensinando- os a se amarem uns aos outros: Diliges proximum tuun sicut te ipsum”
Afinal de contas, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a base do desenvolvimento do menor está na família, onde ele deverá encontrar guarida para todas as suas necessidades. A melhor saída, com isso foi o fortalecimento da família, para que o menor pudesse sempre obter retorno imediato dos seus anseios.
DANIEL HUGO d’ANTONIO33, citado por Roberto João Elias, ao discorrer sobre a questão da importância da família, assim prescreve:
Entretanto, é cediço que a raiz do problema está na família. Esta deve ser, por todos os modos, fortalecida. Assim, os seus membros menores não serão privados da assistência que lhes é devida. Daniel Hugo d’Antonio ressalta que uma política integral sobre a menoridade deve, necessariamente, harmonizar-se com a política familiar, porque a família constitui o elemento básico formativo, onde se deve preparar a personalidade do menor (Derecho de menores, p. 9). O jurista argentino refere-se a vários congressos latino- americanos que chegaram a essa conclusão.
32BARBOSA, Rui. Rui Barbosa: textos escolhidos. Rio de Janeiro: Agir, 1962. p. 48.
33ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990). São Paulo: Saraiva, 1994. p. 4.
Por certo que no seio da família é que o menor terá melhores condições de encontrar o abrigo necessário para todas as suas necessidades, recebendo, ainda, toda a proteção que lhe é peculiar, o afeto que lhe servirá de norte, o aprendizado de vida que, com certeza, lhe dará o rumo a seguir. É, sem dúvida, no seio da família, que o menor estará efetivamente protegido, ao menos é o que se espera.
Todavia, temos que ter sempre em mente que a família, por si só, não é elemento suficiente para cumprir essa tarefa, uma vez que suas funções devem ser observadas por cada componente. ALLAN BLOOM34, discorrendo sobre o tema, afirma que a família “exige a mais delicada mistura de natureza e de convenções, do humano e do divino para que preencha suas funções”. Para o autor, a família requer autoridade e sabedoria para a formação de seres humanos civilizados, mas, entende que a mesma está dividida e esvaziada, pois teria perdido o seu lado sagrado, entregando-se ao utilitarismo. Falta-lhe, assim, fé, tendo abandonado o seu papel de transmissora de tradição, pois “Quando a crença desaparece, conforme ocorreu, a família guarda na melhor das hipóteses uma unidade transitória. As pessoas jantam, brincam e viajam juntas, mas não pensam juntas. É raro que haja vida intelectual em qualquer residência, muito uma vida que inspire os interesses essenciais da existência. A televisão educativa assinala a maré alta da vida intelectual da família”.
Portanto, o que temos, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não é tão somente uma família, mas, sim, pessoas envolvidas emocionalmente e plenamente comprometidas com o desenvolvimento pleno do menor. Do contrário, a situação estará sujeita à ruína, o que não se pretende.
DALMO DE ABREU DALLARI35, discorrendo sobre o tema, apresenta suas considerações sobre a inclusão da família nesse rol de responsáveis diretos pela proteção integral tão necessária à Criança e ao Adolescente. Vejamos:
A responsabilidade da família, universalmente reconhecida como um dever moral, decorre da consangüinidade e do fato de ser o primeiro ambiente em que a criança toma contato com a vida social. Além disso, pela proximidade física, que geralmente se mantém, é a família quem, em primeiro lugar, pode conhecer as necessidades, deficiências e possibilidades da criança, estando, assim, apta a dar a primeira proteção. Também em relação ao adolescente, é na
34BLOOM, Allan. O declínio da cultura ocidental. São Paulo: Best Seller, 1989. p. 72.
35CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral; GARCÍA MENDEZ, Emílio (Coords.). op. cit., p. 23-25.
família, como regra geral, que ele tem maior intimidade e a possibilidade de revelar mais rapidamente suas deficiências e as agressões e ameaças que estiver sofrendo.
Por isso, é lógica e razoável a atribuição de responsabilidade à família. Esta é juridicamente responsável perante a criança e o adolescente, mas, ao mesmo tempo, tem responsabilidade também perante a comunidade e a sociedade. Se a família for omissa no cumprimento de seus deveres ou se agir de modo inadequado, poderá causar graves prejuízos à criança ou ao adolescente, bem como a todos os que se beneficiariam com seu bom comportamento e que poderão sofrer os males de um eventual desajuste psicológico ou social.
Com essa visão é que o Estatuto da Criança e do Adolescente olha para o menor sempre pensando em sua inserção no seio familiar, seja na família natural, ou, ainda, acaso essa possibilidade não esteja presente, e como segunda opção, em uma família substituta, onde, ao que se espera, também receberá toda a proteção que lhe é peculiar.