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4. O RECONHECIMENTO DO DIREITO DE VISITAS AO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO

4.4. Da perspectiva jurídica para o direito de visitas aos animais de estimação nas

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Denota-se que essa é uma demanda bastante complicada, provocando, inclusive, votos divergentes entre os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Porém, apesar de não haver unanimidade no julgamento do Recurso Especial nº 1.713.167/SP, a decisão é inédita e um marco histórico para o tema, visto que, independentemente da qualificação jurídica adotada, é importante proteger o vínculo afetivo entre o ser humano e seu animal.

Desse modo, o respectivo julgamento assegura que, mesmo com a dissolução das famílias multiespécie, o vínculo afetivo entre os donos e seu pet seja mantido, ressaltando que a ordem jurídica não pode na contemporaneidade desconsiderar estas relações.

Nas palavras de Ferrari & Kaloustian (2002), a família é impossibilitada de ser verificada em um único padrão, pois se manifesta em conjuntos particulares e individualizados em arranjos variados. Na mesma perspectiva, Valle; Borges (2018, p.21) afirmam que

as demandas referentes à guarda de animais de estimação são fontes de provas de que as vivências sociais são intrínsecas ao Ordenamento Jurídico e que, por mais que este busque calar-se, torna-se necessária a criação de leis que discorram sobre a possibilidade da aplicação de um sistema semelhante ao de guarda e visitas aos animais de estimação, já que a família multiespécie vem se tornando recorrente, e como toda formação familiar, esta pode dissolver-se (VALLE; BORGES, 2018, p. 21).

Haja vista que há a necessidade de regulamentação da legislação específica sobre o tema, foi apresentado na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável o Projeto de Lei 1058/2011 (BRASIL, 2011), de autoria do deputado Dr. Ubiali (PSB-SP), que se encontra arquivado desde 31/01/2015 e dispõe acerca da guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal (Artigo 1°):

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências.

Art. 2º Decretada a separação judicial ou o divórcio pelo juiz, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos animais de estimação, será ela atribuída a quem revelar ser o seu legítimo proprietário, ou, na falta deste, a quem demonstrar maior capacidade para o exercício da posse responsável. Parágrafo único Entende-se como posse responsável os deveres e obrigações atinentes ao direito de possuir um animal de estimação (BRASIL, 2011).

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Segundo Longo, o deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP) recomenda alterações no respectivo Projeto de Lei, como, que para efeito de guarda de animais, sejam abrangidas também as dissoluções de uniões estáveis homoafetivas (LONGO, 2018). Sobre o Projeto, Longo declara ainda que,

de acordo com a proposta, a guarda fica assegurada a quem comprovar ser o legítimo proprietário do animal, por meio de documento considerado válido por um juiz. Na falta desse registro, a guarda é concedida a quem demonstrar maior capacidade para cuidar do animal. Esse é o tipo de guarda chamada unilateral. No entanto, caso ambas as partes comprovem que podem oferecer um ambiente adequado para o animal, a guarda pode ser compartilhada entre o antigo casal. Nessa hipótese, o juiz deverá estabelecer, em cada caso, as atribuições de cada pessoa no cuidado com o bicho e os períodos de convivência com o animal. Se o animal não possuir uma documentação, deverá ser feito um acordo entre as partes ou então a posse do animal será definida pelo juiz (LONGO, 2018, s.p).

Nesse liame, apesar de o respectivo Projeto de Lei ainda não ter sido sancionado, visto seu arquivamento depois de findo o mandato do deputado Dr. Ubiali (PSB-SP), é iminente a necessidade de uma lei específica acerca do tema no sistema jurídico pátrio.

Por fim, o julgamento do Recurso Especial n° 1.713.167/SP, além de ser um marco determinante para a concepção de família multiespécie, bem como sobre o direito de visitas a animais de estimação, pode trazer à tona debates como a (im)possibilidade de determinação para pagamento de alimentos ao animal, com base no instituto da analogia. O atinente debate já detêm precedentes em outros países, segundo determina Chaves (2016):

a possibilidade de suporte financeiro para animais já possui diversos precedentes na jurisprudência norte-americana. Nos EUA, tal cenário ganhou o nome de petimony, em clara alusão a alimony, terminologia usada para pensão de alimentos em inglês.

Por exemplo, no caso Dickson v. Dickson, as partes acordaram partilhar a custódia do seu cãozinho, além disso o marido foi obrigado a pagar uma pensão mensal de US$ 150 para cobrir os gastos de cuidados com o animal, sua alimentação, além das despesas com saúde. Portanto, ainda que não seja a regra, já não é tão incomum se ver tribunais ao redor do mundo adaptando a legislação relativa às crianças para determinar guarda compartilhada, direito de convivência e obrigação de sustento em disputas relativas a animais de companhia em famílias desfeitas.

Em relação à temática em questão, afirma Dias (2013, p.162) que “também é possível a imposição de direitos de alimentos, visto que não só as pessoas possuem necessidade de sobrevivência”. Por se tratar de matéria

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relativamente nova, não existe no sistema jurídico pátrio legislação específica ou mesmo precedentes jurisprudenciais a respeito. Portanto, o julgamento abordado no presente trabalho acarreta na possibilidade de novos debates visando à evolução dos direitos das famílias multiespécie. Para encerrar, saliente-se os ensinamentos de Dias (2016, p. 238):

ora, a nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição (1.º III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa.

O afeto é a identidade da relação familiar. É a ligação emocional que altera o status do direito obrigacional e o desloca para o direito das famílias “cujo elemento estruturante é o sentimento de amor, o elo afetivo que funde almas” (DIAS, 2016, p. 14).

Com isso, verificou-se que a concepção de família vai se adaptando com objetivo de atender aos requisitos fundamentais das pessoas e das famílias, sendo que sobretudo, deve-se assegurar no caso concreto a manutenção da relação entre seus membros, visando proteger o vínculo afetivo, a união, o respeito, o afeto e o amor.

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