• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 – Balizamento teórico

3.1. Da seleção da escola

De um conjunto grande de instituições de ensino básico, públicas e privadas, no município de Uberlândia, privilegiamos uma escola para a coleta de material de pesquisa. Trata-se de uma escola pública, cujo atendimento está voltado para alunos da educação infantil e do ensino fundamental. No primeiro ciclo de ensino, a escola contempla a educação infantil, bem como o primeiro e segundo períodos, além de primeiros, segundos e terceiros anos. No segundo ciclo de ensino, essa escola abrange os quartos, quintos e sextos anos. No terceiro ciclo de ensino, a escola oferece vagas para turmas dos sétimos, oitavos e nonos anos, além de ofertar, no período noturno, a modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) – de sexto ao nono ano do ensino fundamental.

A seleção dessa escola se prendeu a duas questões, no mínimo.

A primeira questão se refere ao propósito de encontrarmos uma escola diferenciada em termos de infraestrutura físico-pedagógica. É que, em geral, certos aspectos, como: indisciplina, horários vagos, ausência de professores regentes nas turmas, ausência de material didático, figuram como argumento para se justificar determinadas posturas de não enfrentamento do objeto de trabalho em sala de aula. Estamos considerando que determinados aspectos estruturais (construção predial, estado de conservação de salas, de laboratórios etc.), que certos aspectos funcionais (relação entre família-professor-assessoria pedagógica, diálogo constante entre professores e serviço pedagógico etc.), dentre outros, acabam por produzir decorrências para a relação do professor com o seu objeto de trabalho. No caso desta pesquisa, trata-se da Língua Portuguesa, como objeto de ensino, conforme vimos aludindo.

Nessa escola, foi possível perceber uma estrutura predial bem conservada, com salas de aula e auditório amplos, com uma biblioteca e quadras esportivas bem equipadas, com laboratórios de ensino e de pesquisa por área de ensino, como, por exemplo, o laboratório de Língua Portuguesa e Literatura. Além disso, cada área de ensino conta com uma sala de professores, tendo em vista os diferentes encargos que os docentes precisam, necessariamente, executar na própria escola: desde planejar aulas no contra turno da regência até atender, semanalmente, os familiares responsáveis pelos alunos, além de reunião de área.

Há, na escola, uma integração entre assessoria pedagógica, professores e demais funcionários, no sentido de acompanhar e de monitorar o comportamento dos alunos na chegada à escola, durante as aulas, no momento do recreio, no término das aulas. É comum, quando solicitado, o acompanhamento psicológico junto a alguns alunos e familiares, dado o trabalho do núcleo de apoio psicopedagógico da própria escola; mais precisamente, trata-se da área de Psicologia Escolar/Psicopedagogia e Educação Especial, a qual tem, na escola, a missão de produzir certas intervenções nas relações do aluno, por meio da reflexão de temáticas que podem reverberar efeitos em seu comportamento, e, consequentemente, contribuir com o processo de ensino- aprendizagem do aluno.

Como atividade regulamentar, os alunos têm a possibilidade de desenvolver, já na educação básica, um plano de trabalho voltado para a iniciação científica. Essa iniciação consiste em uma interlocução com um professor, com o propósito de privilegiar alguma temática eleita pelo grupo de alunos e pelo próprio professor orientador. Os alunos também podem se engajar em diferentes projetos de ensino, de pesquisa e de extensão desenvolvidos por cada área de ensino da escola. Na área de Língua Portuguesa, por exemplo, há os seguintes projetos: Jornal Adélia Prado21 em notícias, Lançamento da coletânea de textos dos nonos anos, Projeto Sebo, Recital de poesia; na área de Informática, os projetos são estes: Xadrez na escola, Introdução à linguagem algorítimica – SCRATH –, dentre outros.

A segunda questão concerne à possibilidade que essa escola nos deu em termos de contato com professores qualificados academicamente; com professores que já possuem um percurso diferenciado, no sentido de terem uma formação consistente, em princípio. Como foi possível notar, a partir de informações do próprio site da escola,

os professores da escola são mestres e especialistas em sua maioria. Trata-se de pensar,       

21

 

antes de tudo, em professores que reúnem condições teóricas e didáticas para o exercício de seu fazer pedagógico, embora já ressaltamos que a tônica da problematização deste trabalho não está em si relacionada a essas condições. Apostar na relação com o saber, tendo por base o modo como vimos considerando, abre horizontes para a questão da subjetividade, sobretudo para a instância discursiva da aula, como lugar de (re)criação contínua de saberes. Sendo assim, essas condições nos interessaram, como ponto de partida, para mostrar que os diferentes efeitos da relação do professor com o seu objeto de trabalho e com as diretrizes oficiais, no espaço de sala de aula, não advêm de uma falta teórica pontual. Os professores reúnem, em tese, informações (e/ou conhecimentos) sobre o objeto e sobre as diretrizes, a considerar os efeitos da circunscrição imaginária sobre a Língua Portuguesa.

Para enfatizar, é preciso destacar que a problematização deste trabalho está pautada, justamente, no modo como o professor responde, no espaço de sala de aula, pelo ensino de Língua Portuguesa, considerando a circunscrição imaginária que se produziu sobre esse ensino. E, nessa circunscrição, estamos pensando no papel que as diretrizes oficiais exercem e, sobretudo, no destaque que elas ganham na área de Língua Portuguesa da escola. Nessa medida, os diferentes efeitos da relação do professor com o seu objeto e com as diretrizes permeiam os efeitos das identificações que o constituem. Ser constituído, subjetivamente, pelo objeto e pelas diretrizes, de maneira a produzir o revezamento entre teoria e prática (FOUCAULT; DELEUZE, 1972), advém de um outro saber que o inconsciente nomeia no fazer pedagógico do professor. Intervém na relação discursiva do professor com o objeto e com as diretrizes, que a relação discursiva com o(s) aluno(s) faz constituir e/ou manifestar, um jogo de identificação.

Na escola, interessou-nos acompanhar in loco as aulas de Língua Portuguesa

de um professor daquela área de ensino, pois buscamos dimensionar o modo como se constituiu o seu fazer pedagógico, no espaço de sala de aula, ao trabalhar os gêneros de texto e a gramática normativa, por exemplo, dadas as orientações constantes das diretrizes. Assumir a perspectiva de que o espaço de sala de aula foi nosso foco de pesquisa exige expor algumas justificativas:

1) Nesse espaço, o modo como o professor (se) enuncia foi decisivo para que a relação com o saber se presentificasse. É, a partir do modo como ele (se) enuncia, que fomos percebendo o estatuto diferenciado que o texto e que a gramática normativa assumem em suas aulas, na condição de objetos de ensino. Esse estatuto concerne ao modo como o professor associa os saberes.

2) Nesse espaço, as relações discursivas entre professor e aluno(s) fizeram trabalhar a Língua Portuguesa, como objeto de ensino e de aprendizagem, implicando um jogo transferencial de acolhimento e de recusa dos saberes que o inconsciente nomeava nessas relações, em termos de efeitos. É, nesse espaço, que a contingência das relações se constituiu e passou a se configurar como relações necessárias, fazendo escutar uma disjunção radical de experiências entre professor e aluno(s). Longe de produzir uma complementaridade, a relação do professor com o(s) aluno(s) produziu um encontro amoroso, faltoso, tendo por base a perspectiva teórica a que nos filiamos.

3) Nesse espaço, dado o des-encontro enunciativo entre professor e aluno(s), o professor foi levado a exercer uma posição discursivo-enuciativa, já que os saberes não estão desde já nesse espaço. Trata-se de um ponto em que o professor precisou elaborar os saberes, como demanda dele ou não, por meio de uma travessia de (re)criação contínua. Essa travessia assumiu contornos enunciativos diferentes, acarretando o exercício da posição discursivo-enunciativa de modo também diferente. Com o texto, o professor passou a construir relações de sentido, e, valendo-nos da perspectiva de Franchi (2006), destacamos que o professor construiu cenários para associar os saberes. O professor promoveu um

investimento subjetivo tal que, com o texto, ele produziu ficções, articulando diferentes relações de sentido. Com a gramática, o professor produziu um efeito de resistência a essa travessia, de maneira a não integrar, em sua abordagem, a gramática ao texto. O professor aprisionou a gramática a lugares projetados por ele, de maneira a produzir o efeito de não enfrentamento do ensino de gramática no espaço de sala de aula.

Para finalizar esta seção, salientamos que se constituiu em torno dessa escola um imaginário de que ela reuniria as condições de infraestrutura e pedagógicas supostamente ideiais para o fazer pedagógico do professor. Como se essas condições por si fossem determinantes para o revezamento entre teoria e prática no espaço de sala de aula. Estamos apostando na perspectiva de que a relação do professor com o saber é um aspecto de extrema relevância para que esse revezamento se estabeleça ou não. Quem responde pelo ensino de Língua Portuguesa, no espaço de sala de aula, é justamente o professor. Longe de renegar as referidas condições, ou mesmo de desqualificar a escola, o nosso objetivo foi mostrar que esse imaginário sobre as

 

condições pode falhar, quando do materialismo do encontro entre professor, objeto de trabalho, dado o papel das diretrizes na integração desse objeto, e aluno(s).

Documentos relacionados