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c.3 Da violação ao art 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

No documento SÉRGIO VICTOR Advocacia (páginas 43-46)

169. A Deliberação/ANTT nº 955/2019 incorre em violação ao direito adquirido, à segurança jurídica e à proteção da confiança, na medida em que permite que as alterações normativas por ela promovidas alcancem fatos pretéritos e refutam toda a compreensão normativa vigente à época acerca do tema.

170. Conforme exposto anteriormente em tópico específico, o ordenamento jurídico sempre permitiu, de forma ampla, a transferência de direitos relativos à autorização, não apenas na seara dos serviços de transporte interestadual, mas em áreas tanto ou mais sensíveis, como é o caso das concessões no setor de energia, por exemplo.

171. Dessa forma, até que começassem a surtir os efeitos promovidos pela Deliberação nº 955/2019, dever-se-ia reconhecer que as empresas possuíam direito de pleitear transferências de autorização junto à ANTT.

172. Todavia, por oportunidade da Deliberação nº 955/2019, a ANTT decidiu não apenas proibir algo que era expressamente permitido pela Resolução nº 4.770/15, e pelas leis, e ainda, mas determinou, ainda, que a nova regra proibitiva surtisse efeitos futuros sobre decisões

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tomadas pelos particulares no passado, quando as transferências de autorizações ainda eram plenamente permitidas,

173. Ocorre que ao assim proceder violou-se o art. 5º, XXXVI, da Constituição, notadamente nos termos em que este é interpretado pelo Supremo Tribunal Federal - STF.

174. Tanto é que, no RE 188.36638, de relatoria do Min. Moreira Alves, o STF assentou a

compreensão de que, a teor do art. 5º, XXXVI, da Constituição, impede que legislação infraconstitucional, ainda quando de ordem pública, retroaja para alcançar direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, ou que o juiz a aplique retroativamente, razão pela qual não se pode reconhecer a legitimidade de aplicação retroativa perpetrado pela Agência neste caso.

175. Tal entendimento foi recentemente reafirmado por ocasião do julgamento da ADPF nº 341-MC-RF, em que o Supremo restringiu, com fundamento no referido dispositivo constitucional, o alcance da Portaria Normativa MEC nº 21/2014:

“O art. 3º da Portaria Normativa MEC 21/2014 alterou a redação do art. 19 da Portaria Normativa MEC 10/2010, passando a exigir média superior a 450 pontos e nota superior a 0 nas redações do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), como condição para a obtenção de financiamento de curso superior junto ao Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (FIES). O art. 12 da Portaria Normativa MEC 21/2014 previu que as novas exigências entrariam em vigor apenas em 30-3-2015, muito embora as inscrições para o Fies tenham se iniciado em 23-2-2015, conforme Portaria Normativa 2/2015. Previu-se, portanto, uma norma de transição entre o antigo e o novo regime

38 Recurso extraordinário. Mensalidade escolar. Atualização com base em contrato. - Em nosso sistema jurídico, a

regra de que a lei nova não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por estar inserida no texto da Carta Magna (art. 5º, XXXVI), tem caráter constitucional, impedindo, portanto, que a legislação infraconstitucional, ainda quando de ordem pública, retroaja para alcançar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada, ou que o Juiz a aplique retroativamente. E a retroação ocorre ainda quando se pretende aplicar de imediato a lei nova para alcançar os efeitos futuros de fatos passados que se consubstanciem em qualquer das referidas limitações, pois ainda nesse caso há retroatividade - a retroatividade mínima -, uma vez que se a causa do efeito é o direito adquirido, a coisa julgada, ou o ato jurídico perfeito, modificando-se seus efeitos por força da lei nova, altera-se essa causa que constitucionalmente é infensa a tal alteração. Essa orientação, que é firme nesta Corte, não foi observada pelo acórdão recorrido que determinou a aplicação das Leis 8.030 e 8.039, ambas de 1990, aos efeitos posteriores a elas decorrentes de contrato celebrado em outubro de 1.989, prejudicando, assim, ato jurídico perfeito. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 188366, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 19/10/1999, DJ 19-11-1999 PP-00067 EMENT VOL-01972-02 PP- 00382).

jurídico aplicável ao Fies, possibilitando-se que, durante o prazo da vacatio legis, os estudantes se inscrevessem no sistema com base nas normas antigas. Plausibilidade jurídica da alegação de violação à segurança jurídica configurada pela possibilidade de ter ocorrido aplicação retroativa da norma nova, no que respeita aos estudantes que: (i) já dispunham de contratos celebrados com o Fies e pretendiam renová-los; (ii) requereram e não obtiveram sua inscrição no Fies, durante o prazo da vacatio legis, com base nas regras antigas. Perigo na demora configurado, tendo em vista o transcurso do prazo para renovação dos contratos, bem como em razão do avanço do semestre letivo. Cautelar referendada para determinar a não aplicação da exigência de desempenho mínimo no Enem em caso de: (i) renovações de contratos de financiamento; (ii) novas inscrições requeridas até 29-3-2015.”39

176. Note-se, portanto, que a teor do art. 5º, XXXVI, esta Suprema Corte entendeu que a nova Portaria não poderia ser aplicada anteriormente às inscrições realizadas anteriores à sua vigência, daí porque, da mesma forma, não se pode tolerar que a redação do art. 51, da Resolução nº 4.770/15, dada pela Deliberação/ANTT nº 955/2019, alcance pedidos de transferência anteriores a sua entrada em vigor.

177. E nem se diga que o fato de os pedidos de transferência de autorização estarem tramitando, sem decisão definitiva da ANTT, legitimariam a eficácia retroativa da Deliberação/ANTT nº 955/2019.

178. À toda evidência, é inadmissível que tais pedidos sejam proibidos com base em marco temporal jamais considerado pelos administrados.

179. Isso porque, na remota hipótese de se entender que esses casos não estariam protegidos pela referida cláusula constitucional, permanece flagrante violação ao princípio da proteção da confiança, que além de também possuir assento na Constituição, é refletido por vários dispositivos legais que vedam a aplicação imediata de novas interpretações a fatos

pretéritos. Nesse sentido, é de grande valia a lição de Humberto Ávila:

“O chamado princípio da proteção da confiança serve de instrumento de defesa de interesses individuais nos casos em que o particular, não sendo protegido pelo direito adquirido ou pelo ato jurídico perfeito, em qualquer âmbito, inclusive no tributário, exerce a sua liberdade, em maior ou menor medida, confiando na validade (ou na aparência de validade) de um conhecido ato normativo geral ou individual e, posteriormente, tem a sua confiança frustrada

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pela descontinuidade da sua vigência ou dos seus efeitos, quer por simples mudança, quer por revogação ou anulação, quer, ainda, por declaração da sua invalidade.”40

180. Os termos da Deliberação/ANTT nº 955/2019 ignoram por completo esse dever na medida em que antecipam que negarão as transferências de autorização realizadas após um determinado marco temporal passado e que, por consectário, já ocorreu, impossibilitando que os interessados considerassem quaisquer alternativas para decisões que, por óbvio, já tinham sido tomadas!

181. Ora, a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXVI, assegura que “a lei não prejudicará o

direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito”. A confiabilidade, enquanto uma das

dimensões da segurança jurídica, tem o objetivo de evitar alterações agressivas nas situações jurídicas subjetivas, razão pela qual não se pode admitir que o ato normativo ora impugnado estabeleça alterações aplicáveis imediatamente às situações constituídas anteriormente.

182. Outros dispositivos constitucionais também refletem a sua relevância, tal como o art. 103, §1º, que prevê a edição de súmula vinculante, cujo objetivo é expressamente o de afastar controvérsias que gerem “grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos

sobre questão idêntica”.

183. Inequívoco, portanto, que ao estabelecer nova regra proibitiva com irradiação de efeitos futuros sobre decisões tomadas pelos particulares no passado, quando as transferências de autorizações ainda eram plenamente permitidas, a Deliberação/ANTT nº 955/2019 afronta o princípio da segurança jurídica insculpido na Constituição Federal, uma vez que consubstancia ato normativo restritivo de direitos e interesses juridicamente protegidos, e que dispõe no sentido diametralmente oposto ao que anteriormente decidido através de atos administrativos constitutivos de direitos.

No documento SÉRGIO VICTOR Advocacia (páginas 43-46)

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