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DADO VILLA-LOBOS, GUITARRISTA DA LEGIÃO URBANA, REALIZADA EM 01 DE AGOSTO DE

TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA EM CASSETE SONORO COM

DADO VILLA-LOBOS, GUITARRISTA DA LEGIÃO URBANA, REALIZADA EM 01 DE AGOSTO DE

Por Maria Cristina Fernandes Dado Villa-Lobos: Bom, meu nome Eduardo Dutra Villa-Lobos, nome artístico Dado Villa- Lobos, minha idade 38 anos e sou músico, compositor, produtor, enfim artesão da música. Dado: Bom, a Legião Urbana, um grupo de Brasília que foi formado inicialmente em 1982 com Marcelo Bonfá, Renato Russo, e mais Paulo Paulista e o Eduardo Paraná. Esses dois em 1983 saíram, foi quando eu entrei formando então o trio que se apresentou no Teatro da ABO em Brasília, em 1983, em março de 83, e na seqüência, antes da gravação do primeiro disco, entrou o Renato Rocha, mas enfim, então essa é uma história rápida da banda, como ela se formou e aonde ela se formou, Brasília e tal.

Maria Cristina Fernandes: Quando você se integrou...

Dado: Foi justamente nessa transição, entre a saída de alguns integrantes, que na verdade a idéia da Legião Urbana, a idéia do Renato e do Bonfá, seria que eles fossem um núcleo, os dois, no qual eles chamariam várias pessoas para interagir musicalmente com elas, as mais diversas possíveis. Era deixar o projeto mais amplo, não só uma banda de rock fechada, naquela estrutura de banda de rock, mas deixar a idéia musical mais ampla e aberta, entende? Só que não dá muito certo isso, né... Dentro do que se conhece como a música pop hoje, não é assim que funciona...Bom, enfim, aí eu entrei justamente...

Dado: Não, eu era só platéia. O Aborto Elétrico começou em 1979, foi até 1981, sei lá...Depois veio a Legião Urbana, o Renato ficou um tempo tocando violão sozinho, enfim, a história toda vocês já conhecem.

MCF: Em que ano vocês escreveram Pais e Filhos?

Dado: Essa canção foi escrita em 1988, na gravação do Quatro Estações, então, o método de composição da Legião Urbana era interessante. Todas as pessoas, enfim, nesse momento era apenas eu, o Renato e o Bonfá, o Negreti já tinha ido embora, a gente sempre fazia as músicas antes das letras. Nós fazíamos elas juntos, numa composição sempre coletiva. O que é bacana de se ter uma banda é isso, puxar as idéias musicais de todos e transformar aquilo numa coisa só, uma identidade só.

MCF: Pais e Filhos foi escrita numa vez só?

Dado: A canção. A gente estruturava primeiro a música, a base ficava pronta, a gente gravava aquilo, depois o Renato, meses depois... ele aparecia com a letra e encaixava. Sendo que, às vezes, a música vinha como a música e uma idéia, um título que sugeria alguma coisa. Não lembro se Pais e Filhos... na verdade, Pais e Filhos porque naquele momento todos estavam se tornando pais e filhos. Meu primeiro filho estava nascendo, o do Bonfá também tinha acabado de nascer, então, foi mais ou menos isso.

MCF: Então, a letra tem a ver com a história de vocês, com a de algum de vocês?

Dado: Não objetivamente, mas eu acho que cada um, em algum momento da vida se sentiu desse jeito, por exemplo, ‘... já morei em tanta casa, que nem me lembro mais, eu moro com os meus pais...’, isso tem tudo a ver comigo, entendeu? Então, ‘... me diz porque o céu é azul...’, são perguntas básicas que uma criança faz, então, não obrigatoriamente essa seqüência ‘... ela se jogou da janela do quinto andar, nada é fácil de entender...’, eu já vi uma mulher se jogar da

janela do quarto andar no prédio em frente ao meu, então são situações que de repente as pessoas...

MCF: Eu ouvi falar que uma menina se suicidou por causa do Renato, não sei se é verdade, você confirma isso? E por isso ele teria escrito...

Dado: Não... eu não me lembro desse episódio.

MCF: Alguém já me contou isso. Eu nunca li sobre isso, acho que é só fofoca mesmo...

Dado: Não sei, é difícil interpretar ao pé da letra uma...porque na verdade, isso tem um sentido também meio universal, não sei.

MCF: Quando o Renato usa as palavras “estátuas, cofres e paredes pintadas”, você sabe que local ele se referia?

Dado: Não, mas isso me dá uma idéia de... não sei, de alguma coisa de memória, né. Não sei, estátuas e cofres, isso me lembra museu, algum lugar estático, parado em algum momento, alguma lembrança...paredes pintadas...não sei a que ele se refere... acho que nem ele sabia. (risos)

MCF: Você teve um contato direto com o Renato, que tipo de ‘eu’ ele portava, ele tinha um instinto infantil? Além disso, as pessoas mais velhas... você percebia que ele tinha um laço familiar forte com os pais... ele via uma figura paterna nas pessoas mais velhas?

Dado: Não, ele conseguia ser muito infantil também, ao mesmo tempo que poderia ser muito sério e adequado com a idade. Agora, o que é certo é que ele tinha realmente problemas familiares, ele teve conflito muito grande com os pais sempre, né. Pela pessoa que ele era, pelo que ele representava e pelo o que ele fazia e como ele agia... agora, ele ao mesmo tempo, junto à turma de Brasília, era aquele cara mais velho, tratado como tal, muito inteligente, informado, perspicaz e tudo e tratado como assim ‘ah, o irmão mais

velho, ele vai indicar o líder, ele vai indicar o caminho’, entendeu. Acho que é isso, o respeito vinha daí, de ele ser a pessoa mais velha e ser uma pessoa de confiança e confiante.

MCF: Quando ele escrevia as letras, vocês concordavam, você e o Bonfá, ou vocês davam idéias...?

Dado: Não, nós fazíamos as músicas primeiro e discutíamos sobre o que podia falar isso, sobre isso ou aquilo...ah, o que está acontecendo aí. A gente sempre conversava muito dentro do estúdio, assim ‘porque aconteceu isso outro dia?! E a gente saiu de Brasília e veio aqui para o Rio de Janeiro, ‘olha só o que está acontecendo na minha vida’ e outro falava também. E, às vezes, surgiam nomes de títulos, mas isso por conta do Renato mesmo, mas nunca, jamais falamos ‘pô, que letra ruim Renato!’. Isso nunca existiu (risos)... a verdade é que ele encaixava as palavras com perfeição na melodia, na música, o que não é fácil de fazer.

MCF: Você sempre escrevia só as suas músicas?

Dado: Em conjunto com eles. Às vezes... eu tenho poucas músicas sozinho que o Renato musicou. Tem O Descobrimento do Brasil, Os Anjos e o Um Dia Perfeito, que a música é inteira minha. Não me lembro de mais alguma, mas enfim...ele sempre fazia a letra.

MCF: Que intenção você acha que o Renato teve ao falar “nome de santo”? O que você acha? ‘Meu filho vai ter nome de santo’, isso é meio forte, não é?

Dado: Eu acho que é um hábito da cultura católica, ocidental, apostólica, romana de colocar nome de um santo. Eu quase me chamei Pedro, eu nasci no dia de São Pedro, mas meu pai desistiu. Mas não sei, vamos analisar que ‘... quero o nome mais bonito’, não tem nem rima, isso que é terrível, né? (risos). Mas acho bonito, né, assim, ‘ah, vou ter um filho,

o meu filho vai ter nome de santo’, na verdade eu vejo isso como assim ‘ah, meu filho vai ser um santo.’. Eu vou ter uma relação com esse meu filho, a mesma devoção que eu tenho ao santo, o mais forte, o mais bonito, não sei.

MCF: Ele era católico?

Dado: Sim, ele andava com a medalhinha de Jesus na carteira... ele não era um católico fervoroso, mas um ser espiritual e que já tinha lido as palavras de Jesus, assim como ele leu Tão-Te-King, assim como ele leu a doutrina de Buda, assim como... está tudo nesse disco As Quatro Estações. Na verdade, esse disco também tem uma relação espiritual nesse sentido, se você pega a letra ‘... Se fiquei esperando o meu amor passar...’, tem lá ‘... Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo, tende piedade de nós...’. Isso é um hino da igreja católica.

MCF: Quando vocês escreveram ‘Pais e Filhos’ vocês tiveram uma intenção particular?

Dado: Sim, falar desse novo momento, essa nova etapa da vida de cada um. Onde, ao mesmo tempo, que você é um filho, você também passou a ser um pai. Então, é isso. Todos tinham acabado ter filhos. Pais e Filhos... e é o nome também da revista de gestantes, Pais

e Filhos. Não é para levar tão a sério o negócio, porque a gente está falando também, ao

mesmo tempo, do mundo pop e Pais e Filhos é aquela revista que está na banca de jornal do Brasil inteiro, e você passa na frente e sempre vê Pais e Filhos, Pais e Filhos...

MCF: A música foi escrita de uma vez, letra e melodia?

Dado: Não, primeiro a música básica. A música, na verdade, básica, o que que é? Tun, tun, tun, tan, tan, tan, tan... (cantando a introdução da música Pais e Filhos) sabe, a base de todas (tu tu ta tu). Aí, veio a letra com a melodia depois.

Dado: Muito. A gente demorou mais de um ano para fazer esse disco. Demoramos um ano para fazer.

MCF: A que você atribui o sucesso da música até hoje? Por que ela é tão popular?

Dado: Porque, primeiro, eu acho que é uma melodia linda. É uma melodia pop linda, que entra num...é difícil analisar essas coisas. Outro dia estava lendo uma entrevista, uma pesquisa de um jornalista do New Yorker, de Nova York, ele foi entrevistar um produtor e ele estava falando só sobre música. Então, qual a busca das pessoas ao fazerem uma música para vender? Ele se preocupa muito com isso, né. Vamos vender música, vamos vender disco. Nós não nos preocupávamos a esse ponto, mas existem... você pode... do mesmo jeito que você faz, não sei o que exatamente, semiótica? Você destrincha... você também pega a música, faz isso com a melodia. Então, um belo dia um cara chega e fala ‘ah, por que essa música tal tal deu tão certo? – Ah, porque ela tem o money notes!’. Só para você ter idéia, money notes é aquela nota que entra e bate de um jeito na cabeça do cara que ouviu, que ele vai ter vontade de imediatamente comprar aquele disco e ter aquilo para ele. Para ele poder ouvir a hora que ele quiser, quantas vezes ele quiser...não é o caso aqui, mas eu acho que essa música é uma canção pop rock, não sei, com características universais e que tocam as pessoas de uma forma incontestável. Fala o quê? De uma relação entre pais e filhos, que basicamente fala sobre a sua vida, a minha vida, da forma que eu imagino.

MCF: Você considera essa música atemporal? Por quê?

Dado: Considero. Porque eu acho que em termos de mensagem, de colocação do artista em frente à vida, isso aí é atemporal. Porque eu acho que isso existe, existiu e sempre existirá em termos da humanidade. Agora, o formato da música, aquele rockinho, meio

folkzinho, que tem a guitarrinha, que vira um rock... isso passa batido, entendeu. O som,

‘ah, som é ruim, né? É baixo, é a remixagem, não sei o quê.’. Isso tanto faz! Então, é atemporal nesse sentido, quando toca no rádio e se tocar daqui a vinte anos, o cara vai aumentar o volume do rádio, entendeu? Não sei se tem algum sentido aí.

MCF: Em grandes shows, vocês costumavam usar outro instrumental?

Dado: Não... na verdade para gravar o disco a gente usava todo tipo de instrumento, mas nós gravávamos. Acho que o Renato já gravou cítara, eu já gravei bandolim, já gravei alguns instrumentos de cordas, baixo, né. Quando o Negreti saiu, eu tive um tempo que... por exemplo, nessa música o contrabaixo quem toca sou eu, o violão é o Renato que toca. Então, o estúdio te dá a possibilidade de você ir gravando coisas e coisas em camadas, até mesmo tocar. Ao vivo a gente tentava reproduzir com a ajuda de mais três caras, como a gente não tinha mais baixista, então era um baixista, um cara no violão e um tecladista. MCF: Sobre a música Pais e Filhos, você tem mais a acrescentar?

Dado: ... Ah, sei lá, eu adoro essa música, uma das minhas músicas preferidas. Eu me lembro bem do momento em que ela foi gravada, porque... engraçado, eu ouvi várias coisinhas, entendeu, eu estava ouvindo na época muito Motown com Marvin Gaye, o baixista James Jameson,aquelas coisas... então, tem referência da Motown, tem referência ao grande ídolo Lou Reed tocando guitarra, então aquele finalzinho ‘tun, tun, dun, din...’ (cantando o solo do final da música), entende? Coloca tudo ali e foi muito bacana. O resultado final foi incrível.

MCF: Você viu alguma diferença entre a gravação do Acústico MTV e As Quatro Estações? Teve alguma diferença?

Dado: Bom, aí é isso. São três caras, um ou dois violões... o Renato fazendo a base, eu mais livre ali e ele cantando.

MCF: E As Quatro Estações tinha mais alguma coisa?

Dado: Então, o arranjo do As Quatro Estações, a bateria e o contrabaixo elétrico, um violão, três guitarras e só. E não tinha teclado.

MCF: Acho que é só. Hoje é dia 1º de agosto de 2003. Estou aqui no Hotel Garden de Bauru. E o Dado está comendo um sanduíche Bauru. Dado, muitíssimo obrigada.