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3. GOVERNO ABERTO

3.4. DADOS ABERTOS

Os dados abertos não são, por si só, nem justos, nem injustos, nem inerentemente fazem mais justiça ou injustiça. Isto não é porque dados abertos são tecnologicamente neutros, mas porque os dados abertos existem apenas em relação a um sistema de informações mais amplo que lhes dá sentido: dados abertos como uma coisa em si não existem no mundo real (JOHNSON, 2014, p.270).

Dados abertos, considerados nesse trabalho como uma manifestação da transparência, demandam relativa familiaridade com a tecnologia, seus conceitos e, inclusive, com o desenvolvimento habilidades para a sua utilização. Por seu forte viés técnico, importante abordá-los da forma mais adequada para o seu entendimento. Para tanto, necessário clarear sua abrangência e significado à luz de conceitos expressos no site da Open Knowledge International8, a seguir apresentados:

1. O conhecimento é aberto se qualquer pessoa está livre para acessá-lo, utilizá-lo, modificá-lo e compartilhá-lo, restrito, no máximo, a medidas que preservam a proveniência e abertura e; 2. Os dados e seu conteúdo são abertos quando podem ser livremente usados, modificados e compartilhados por qualquer pessoa e por qualquer finalidade.

8A Open Knowledge International explicita ser “uma rede distribuída por todo o mundo, composta por pessoas

entusiasmadas pela abertura, usando a legislação, a tecnologia e o treinamento para abrir a informação e permitir que os cidadãos trabalhem com ela e criem com conhecimento compartilhado (Disponível em www.okfn.org/about/. Acesso em 24 out 2016).

Dados abertos podem ser considerados vitais para a transparência (JANSSEN, 2012), ponto de vista conforme com o entendimento de Kassen (2013), que defende sua inserção no universo da transparência, em que pese as áreas comuns com participação e accountability. Na mesma linha, Viscusi et al. (2014) argumentam que os dados abertos governamentais constituem uma manifestação da transparência, uma vez que constituem um canal de divulgação da informação.

Em termos de engajamento civil, os dados abertos atuam como agente potencializador, auxiliando a entidade estatal na tomada de decisão em função das informações publicadas, em formato de dado bruto ou trabalhadas com outras bases de dados, que, por sua vez, podem gerar novos produtos ou serviços (KASSEN, 2013; BERTOT et al., 2014). Trata-se de informações produzidas originariamente pelo estado, englobando uma multiplicidade de dados estatais, como, por exemplo, orçamento, gastos públicos e censo geográfico (ATTARD, et al. 2015), geradas por recursos públicos, mas que, por meio da manipulação e reuso, podem ser disponibilizadas por entes privados (JANSSEN, CHARALABIDIS e ZUIDERWIJK, 2012). Da mesma forma, lida com a adaptação do usuário ao tipo de informação disponibilizada, buscando o feedback como contribuição essencial para a melhoria (ALEXOPOULOS, LOUKIS e CHARALABIDIS, 2014).

Para que os dados possam ser considerados abertos, eles devem obedecer fundamentalmente a três leis elaboradas por David Eaves, experto reconhecido mundialmente por sua militância na área do conhecimento e dados abertos e por sua atuação na área de políticas públicas. O Portal Brasileiro de Dados Abertos, do governo federal, reproduz as leis de Eaves nos termos a seguir relacionados:

a) Se o dado não pode ser encontrado e indexado na web, ele não existe;

b) Se não estiver aberto e disponível em formato compreensível por máquina, ele não pode ser reaproveitado; e

c) Se algum dispositivo legal não permitir sua replicação, ele não é útil.

Buscando estabelecer os fundamentos do campo, 30 apoiadores de governo aberto reuniram-se na cidade de Sebastepotol, Califórnia, sob a coordenação de Tim O’Reilly, da Public.Resource.Org.9. Nas discussões sobre o tema, os participantes desenvolveram oito

princípios que os dados abertos devem atender (REGGI, 2011). De acordo com o explicitado no Portal Brasileiro de Dados Abertos, esses princípios estabelecem que os dados abertos

9Public.Resource.Org é uma organização sem fins lucrativos focada em publicar e compartilhar material para

devem ser: completos; primários; atuais; acessíveis; processáveis por máquina; (estruturados para permitir o seu processamento automatizado); com acesso não discriminatório (disponibilizados a todos, sem identificação ou registro); em formatos não proprietários (em formato sobre o qual nenhuma entidade tenha controle exclusivo) e; livres de licenças.

Sieber, Jieber e Johnson (2015) destacam a motivação ética inerente à liberação dos dados abertos como um dos elementos essenciais da democracia, eis que amplia a "participação cidadã, a inclusão social na governança e o empoderamento do cidadão (p. 309)”. Dados abertos operam como uma rede de trocas, em que os diferentes domínios atuam como uma unidade integral que, muitas vezes, compartilha ferramentas e tecnologias e estabelece interações entre fornecedor e suprido (ZUIDERWIJK, JANSSEN, e DAVIS, 2014).

No que se refere ao nível local, Kassen (2013), com base em um estudo de caso na cidade de Chicago, defende que os dados abertos atuam no fortalecimento da cidadania e engajamento civil por meio da promoção de uma rede de desenvolvedores e da atuação dos setores não governamentais identificados com as necessidades da sociedade local. Esse vínculo com o usuário se completa quando as plataformas de dados abertos atendem, de maneira satisfatória, as necessidades dos processos democráticos, tais como os de monitoramento, deliberação e participação (RUIJER, GRIMMELIKHUIJSEN e MEIJER, 2017).

Independente da abordagem sobre o processo de dados abertos, um elemento se destaca nessa cadeia: o stakeholder externo. Interessante visão do tema, fundada em estudo de casos múltiplos (SUSHA, GRÖNLUND, JANSSEN, 2015), apontou que, apesar da grande variedade segmentos de usuários dos dados abertos, as organizações tinham poucas informações a respeito de cada um dos agrupamentos que atuavam com essas informações. Para gerir o relacionamento com essa multiplicidade de usuários, os autores sugerem que se estabeleça o maior número possível de canais de comunicação apoiados por mecanismos e ferramentas e, principalmente, que se proceda a identificação de seus stakeholders, de forma a entregar aquilo que eles realmente necessitam.

Por outro lado, mesmo que o discurso de inclusão e participação emanado do estado corresponda à sua intenção, ao cidadão comum, diante da usual complexidade no manuseio de dados abertos, resta apenas o papel de sujeito passivo, que recebe a informação de acordo com a visão de mundo e intenção dos representantes desses diversos agrupamentos que traduzem o conteúdo dos dados em formato de máquina.

Zuiderwijk et al. (2014) mencionam que a estratégia de publicação deve ser desenvolvida juntamente com o início do processo de geração da informação e ressaltam a importância da confecção de guias. A publicação, portanto, é o corolário da elaboração e

liberação das bases de dados em formato aberto. Barry e Bannister (2014) destacam dois tipos de obstáculos à liberação dos dados abertos: técnicos e administrativos. No plano técnico apontam a carência de pessoal capacitado e, portanto, de expertise da organização, os sistemas legados e a respectiva dificuldade de extração de informações em formato aberto e a falta de padronização entre os dados das diversas bases. No campo administrativo mencionam a carência de lideranças que dominem o assunto e estabeleçam planos de ação corporativos e a falta de políticas públicas sobre o tema.

Um dos riscos acerca da publicação de dados abertos se refere à divulgação, mesmo que não intencional, de informações que podem ser consideradas privadas ou que envolvam a segurança institucional, causando problemas ao agente responsável e à instituição a que pertence, visto que nem sempre estão claros os limites entre o que pode ser liberado e o que deve ser mantido em sigilo. Da mesma forma, há o risco de liberação de bases de dados que individualmente não envolvam qualquer conteúdo proibido para publicação, mas que, uma vez combinadas e retrabalhadas com outras bases, apresentem informações vedadas ao conhecimento público, causando, da mesma forma, os problemas referidos anteriormente (ZUIDERWIJK e JANSSEN, 2014).

Outra polêmica diz respeito à crença que a publicação dos dados necessariamente traz benefícios, esquecendo que as organizações, principalmente por falta de políticas claras a nortear a atuação das agências estatais nesse campo, estabelecem o foco na produção de informação e não na sua utilidade para o usuário, onde reside o valor intrínseco (JANSSEN, CHARALABIDIS e ZUIDERWIJK, 2012). Da mesma forma, a controversa afirmação do interesse geral no reuso do dado aberto esbarra na necessidade de habilidades que poucos usuários apresentam para exercer essa atividade, demandando um comprometimento para uma tarefa sem incentivos concretos para a atuação do segmento apto a contribuir (HELLBERG e HEDSTRÖM, 2015).

Acerca do potencial de mudanças dos dados abertos dentro do contexto político, social e democrático de uma nação, interessante estudo realizado no Cazaquistão conclui que efetivamente proporcionam novas maneiras e expressões de engajamento cidadão e e- participação, mas não interferem nas estruturas e fundamentos do sistema político vigente, bem como nas instituições democráticas daquele país (KASSEN, 2017).

Embora considerado stakeholder de expressão do universo do governo aberto, o papel do cidadão comum no processo resume-se a absorver a informação retrabalhada por uma minoria, tornando-se, até certo ponto, refém da vontade daqueles que dominam a expertise. Da mesma forma, por demandar mais recursos para sua elaboração, os governos podem, apesar das

restrições e ditames legais, estabelecer o que deve ser publicado dentro de critérios nem sempre claros e muitas vezes comprometidos com a vontade do gestor. Na opinião do autor deste trabalho, apesar de sua inegável importância, os dados em formato aberto, por estabelecerem formas assimétricas de acessos aos conteúdos, podem ser influenciados tanto pelas entidades estatais, como por usuários habilitados, possibilitando a reprodução de informações em conformidade com interesses outros, distintos com o que seria de esperar de uma ferramenta de governo aberto em prol da sociedade.