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Em nossa pesquisa não foi possível ainda datar com precisão o nascimento de Florêncio José Ferreira Coutinho e, segundo consta no catálogo de Herculano Gomes Mathias (1969, p. 84),1 ele é apresentado

com o nome de Florêncio José Francisco, contando com 53 anos em 1804, logo, nascido em 1751.

Segundo os Autos da devassa (ADIM II, p. 459-460), temos outra indicação de seu nascimento, “de idade que disse ser quarenta anos, testemunha” quando foi ouvido na denúncia contra os conjurados Salvador do Amaral Gurgel e Joaquim José da Silva Xavier, em 1790 – nascendo, portanto, em 1750. Ricciardi, em seu artigo “Florêncio José

1 “Florencio Joze Fran.co id.e 53 an./ Trombeta do Reg.to de Linha/ Fran.ca Fer.a da S.a id.e 45 an.”

Ferreira Coutinho e a Sexta-feira maior de manhã” (2004, p. 39), apresenta a data e local de nascimento de Florêncio como “Arraial do Inficionado, ca.1749 – Vila Rica, 1819”.

Temos, portanto, um conflito de informações a respeito de seu nascimento, o que nos impossibilita de datá-la com precisão.

Sobre seu falecimento, temos também informações conflitantes apresentadas nos livros de registro das irmandades das quais Florêncio fora membro. Paulo Castagna (2004, p. 6) afirma que a morte do músico foi em 1819, mais precisamente no dia 10 de junho:

Nascido por volta de 1750, seu falecimento foi registrado em datas diferentes pelas duas instituições, respectivamente em 10 de junho de 1820 e em 13 de junho de 1819 […]. Como em 22 de abril de 1820 foi aberto o “Inventário dos bens e

órfãos que ficaram por falecimento do finado”, percebe-se

que a Irmandade de São José registrou de forma incorreta o ano de seu falecimento. Assim, Florêncio provavelmente faleceu entre 10 e 13 de junho, mas certamente no ano de 1819. Um registro no Livro Primeiro de Entradas dos Irmãos da Confraria de Santa Cecília, no entanto, confirma o seu falecimento em 10 de junho de 1819.

Portanto, baseado na discussão apresentada anteriormente, o nascimento do compositor colonial brasileiro se dá por volta de 1750, no Arraial do Inficionado, e sua morte no dia 10 de junho de 1819, em Vila Rica.

Ferreira Coutinho foi casado com Maria Rosa Leite da Silva, filha de Antônio Leite da Silva, segundo o livro de registro da irmandade Francisco de Paula.

Ferreira Coutinho, Florencio José – Casado com Maria

Rosa Leite da Silva, filha de Antônio Leite da Silva, homem pardo de importância no meio da capital. Teve três irmãos, Antônio, Francisco e Gregório que ingressaram em 1800, 1785 e 1819 respectivamente. É possível que Francisco tenha sido pai dos outros. (LANGE, 1979, p. 393)

No entanto, temos no catálogo de Mathias (1969, p. 84) algumas informações que conflitam com esse registro, constando que Florêncio fora casado com Francisca Ferreira da Silva.2

Esse conflito de informações é resolvido por Leoni (2007), ao levantar que Florêncio foi casado com Francisca Ferreira de Sá e teve seu “papel de alforria passado por Florêncio José Ferreira Coutinho como cabeça de sua mulher Francisca Ferreira de Sá, herdeira de seu pai Manuel Ferreira de Sá ao escravo Amaro de nação Angola” (LEONI, 2007, p. 76). Seu matrimônio com Francisca termina em 1804, ano em que ela falece; Florêncio depois se casa com Maria de Leite da Silva.

O músico militar teve duas filhas, Francisca Romana Ferreira e Felisbina Josefa Ferreira – que, segundo Maria Conceição Rezende (1989, p. 516), em 1819 tinham respectivamente 18 anos e 16 anos. Ambas eram fruto de uma “união ilegítima” e, na época de seu falecimento, menores de idade. Observemos abaixo essa questão pela perspectiva do historiador que a levantou:

Havia sido casado com Francisca Ferreira de Sá, filha do almotacé as Execuções Manuel Ferreira de Sá. Sua mulher havia herdado do pai “uma morada de casas de sobrado, cobertas de telha” na rua do Bonfim, paróquia do Pilar. No ano de 1804 residiam nessa casa Florêncio então com 53 anos e Francisca com 45 anos de idade mais um agregado João Damaceno de 5 anos servidos por um casal de escravos. Com o falecimento de Francisca naquele mesmo ano a casa passou para o viúvo. Florêncio casou novamente com a parda Maria Rosa Leite da Silva, filha de Rosa Maria Fernandes e do capitão do Terço dos Pardos Antônio Leite da Silva. Florêncio teve duas filhas naturais, isto é fruto de união ilegítima, Francisca Romana Ferreira e Felisbina Josefa Ferreira; não foi possível definir se a Micaela dos Anjos Gonçalves Lima, mulher que as criava, era a mãe das meninas, mas antes de sua morte Florêncio doou às três a casa na rua do Bonfim. (LEONI, 2007, p. 78)

2 “Florencio Joze Fran.co id.e 53 an./ Trombeta do Reg.to de Linha/ Fran.ca Fer.a da S.a id.e 45 an.” Além disso, o nome de Florêncio José Ferreira Coutinho está apresentado como Florêncio José Francisco: “Florêncio José Francisco – idade 53 anos – trombeta do regimento de linha. Documento citado por Curt Lange dá-lhe o nome de Florêncio José Ferreira Coutinho” (MATHIAS, 1969, p. XIV).

Micaela foi criada das filhas de Florêncio e teve participação no processo de João José de Araújo, referente à herança do seu acervo musical.

Em relação à etnia de Ferreira Coutinho, levantamos informações nos catálogos de Francisco Curt Lange (1979, p. 393, grifo nosso) dos livros de registro das irmandades e pressupomos que o dito músico era de “qualidade”3 parda.

Ferreira Coutinho, Florencio José – Casado com Maria

Rosa Leite da Silva, filha de Antônio Leite da Silva, homem

pardo de importância no meio da capital. Teve três irmãos,

Antônio, Francisco e Gregório que ingressaram em 1800, 1785 e 1819 respectivamente. É possível que Francisco tenha sido pai dos outros.

Para entendermos melhor o que seria um homem de qualidade parda na região de Minas no período da segunda metade do século XVIII, destacamos a interpretação dada pelo historiador Daniel Precioso (2010, p. 28):

Recentemente, pesquisas amparadas nas formulações de Peter Eisenberg têm ressaltado que as designações mulato e pardo não aludiam sempre à cor da pele, servindo também para identificar o indivíduo livre de ascendência africana. De acordo com essa concepção, os rebentos de ventre forro seriam livres e atenderiam pela designação pardo, fossem mestiços ou não. Nossa análise, contudo, apesar de distinguir os tipos sociais expressos nessas terminologias, se voltará a um mesmo tipo humano: o mestiço de negro com branco. Haja vista que, no caso dos pardos, pelo menos a partir da segunda metade do século XVIII, a mestiçagem não era o único aspecto levado em conta para o emprego da terminologia, referendaremos igualmente fatores adicionais, como a riqueza, a condição social e o comportamento, essenciais para determinar a posição de uma pessoa, mesmo no interior dos parâmetros restritos das “raças”.

3 1 “Calidad, typically expressed in racial terms (e.g., índio, mestizo, español), in many instances was an inclusive impression reflecting one’s reputation as a whole. Color, occupation, and wealth might influence one’s calidad, as did purity of blood, honor, integrity, and even place of origin.” (McCAA, 1984 apud PRECIOSO, 2010, p. 15).

Outro argumento que nos direciona para a mesma afirmação é referente a sua participação na mesa como sacristão, de 1811 a 1812,4 no verso nº 278 do Livro de assentos de irmãos da Ordem

Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula (LANGE, 1979, p. 447) –

irmandade cujo grupo étnico determinado pelo autor era de “gente de cor (mulatos)” (LANGE, 1979, p. 381). Posteriormente, Ferreira Coutinho auxiliou na criação da Irmandade de Santa Cecília em Vila Rica, em 1812, na última geração dos músicos de Minas.5

No entanto, podemos encontrar – em uma irmandade de pretos, crioulos e pardos – homens brancos, como na Irmandade de S. José, à qual pertenciam sete homens brancos,6 e Florêncio, membro dessa

irmandade, não se incluía entre eles.

Em linhas gerais, as vias de integração dos pardos na sociedade mineira eram as seguintes: ser oficial ou mesário de irmandades de seu grupo étnico, exercer ofícios mecânicos como empreendedor de obras ou artes liberais (e mais raramente ocupar cargos públicos e ordenar-se religioso) e, sobretudo, possuir patente militar. Como foi salientado, muitos “homens pardos”, reunidos em milícias e terços auxiliares patrulhavam as entradas e faziam novas descobertas de pedras preciosas, arriscando suas vidas para contribuir com os “reais serviços de V. Mag.de”.

(PRECIOSO, 2010, p. 81)

Diante dessas evidências apresentadas, podemos supor que Ferreira Coutinho foi pardo, hipótese também compartilhada por Leoni

4 “Aos dous dias do mês de Abril de mil oito centos, e onze Profeçou o Irmão Florêncio Joze Ferra Coutinho morador na Freguezia do Ouro preto […] Sachristão em 1811 a 1812 […] De Nas q’ viveu, e desconto hum q’ sérvio de Mezario De” (LANGE, 1979, p. 447).

5 “No ano de 1812, em Ouro Preto, Florêncio José Ferreira Coutinho, mestre de música e timbaleiro do Regimento de Cavalaria de Linha, junto com alguns trombetas e soldados músicos pediam ao seu comandante autorização para assinar um pedido para a criação da Irmandade de Santa Cecília” (LANGE, 1983, p. 253).

6 “Antônio Marques, João Gonçalves Dias, João Nunes Maurício, José Fagundes Serafim, José Pereira Campos, Manuel de Abreu Lobato e Manuel José da Silva. Portanto, a confraria estava aberta ao ingresso de homens brancos, como de resto ocorria em outras regiões da América portuguesa, ainda que estes não tivessem desempenhado papel na administração do sodalício e, quando o fizeram, tiveram participação ínfima, restrita ao cargo de mesário” (PRECIOSO, 2010, p. 157).

(2007),7 uma vez que sua condição financeira e funções em cargos

exercidos na região de Minas reiteram essa condição – já que era membro da irmandade de S. José e atuou como mesário na irmandade de São Francisco de Paula, ambas compostas por grupos étnicos de qualidade parda, bem como músico militar (trombeteiro e timbaleiro) da tropa paga.