• Nenhum resultado encontrado

3 – A Festa de Frei Damião: organização da festa e participação dos paroquianos Acontecendo há pouco mais de uma década a festa de Frei Damião é significativa para

CAPÍTULO III – O SANTUÁRIO DE FREI DAMIÃO DE BOZZANO: ACESSO E CONTROLE DOS BENS DE SALVAÇÃO

III. 3 – A Festa de Frei Damião: organização da festa e participação dos paroquianos Acontecendo há pouco mais de uma década a festa de Frei Damião é significativa para

o convento de São Félix de Cantalice e para o santuário de Frei Damião de Bozzano e já se encontra incorporada ao calendário religioso do Estado de Pernambuco. O santuário é preparado para o acolhimento dos romeiros, um de seus motivos maiores de existência. A comunidade de paroquianos se prepara para a festa, que mobiliza todo o entorno do santuário atraindo inclusive comerciantes de várias cidades que transitam por várias festas religiosas e santuários movimentando o comércio profano e religioso. A própria comunidade se insere neste comércio que gira em torno do sagrado e que tem nas romarias do período festivo a razão de sua existência269.

Os frades administradores do santuário são os organizadores da festa de Frei Damião. Contam com a ajuda de paroquianos voluntários que ajudam a verificar cada um dos detalhes, desde os patrocínios à presença da mídia, acolhida, limpeza do santuário e alimentação dos romeiros. No santuário tornou-se uma prática distribuir aos romeiros que necessitam o café da manhã, almoço e janta. O convento, que já distribui o “pão de Santo Antonio270” às terças- feiras, consegue junto a panificadoras e outros setores os alimentos a serem servidos na festa.

Os voluntários da festa também se identificam como devotos de Frei Damião. Esta devoção pode ter sido originada em meio ao ambiente familiar ou pelo fato de o terem

269 Apesar do predomínio de comerciantes de outras localidades, os quais percorrem festas religiosas no Estado,

há uma participação de comerciantes locais na festa de Frei Damião.

270 Distribuição de pães a famílias pobres da comunidade na qual se encontra o convento. Prática realizada

sempres às terças-feiras no convento de São Félix de Cantalice que está ligada a um costume da tradição católica e aparece como elemento inseparável da devoção a Santo Antonio, remontando a um fato da vida do próprio santo segundo a crença disseminada e ressaltada na sua hagiografia.

conhecido no convento. Com comportamento devoto ao frade que conheceram e que consideram pessoa santa, os voluntários trabalham junto aos religiosos, contribuindo para a propagação da devoção. O sentido sacrificial dado pelos romeiros encontra nos voluntários também a sua face271. Alguns deles atuam durante todos os dias da festa, participando inclusive das celebrações, seja porque com o sentimento de pertença religiosa, seja pela devoção a Frei Damião.

Os religiosos do santuário conseguiram construir uma rede de contatos com chefes-de- romaria que são cadastrados no santuário com os quais mantêm contato através de correspondência e informam a data e programação da Festa de Frei Damião. Do mesmo modo, informam sobre as celebrações que ocorrem em Novembro para festejar o nascimento de Frei Damião. A programação da Festa de Frei Damião e cartazes de divulgação são enviados anualmente a estes chefes, convidando o povo romeiro a participar do evento. Dessa forma, a preparação do santuário começa bem antes do mês festivo.

Além de ser um trabalho da OFMCap. para a divulgação da festa, esta prática dos administradores do santuário é um elemento de propagação da devoção. A cada ano os administradores do santuário procuram cadastrar as novas romarias e os respectivos chefes- de-romaria que chegam para a festa. Para os religiosos é uma forma de mapear as romarias e os devotos de Frei Damião272.

Para Steil, no entanto, este contato estabelece um “campo de influência do catolicismo oficial, bem como sinaliza um esforço do clero para estender as fronteiras do seu discurso religioso e moral”273. Ele faz notar em seu estudo sobre o santuário da Lapa que esta ação da administração do santuário acaba por atuar como uma forma de controle exercido pelos administradores sobre as peregrinações e considera com isso, que tal contato estimula a existência de relações de poder entre estes e entre os chefes-de-romaria e os romeiros.

Não pudemos identificar este aspecto no santuário dado as nossas próprias condições de pesquisa, mas este é um ponto a se refletir. O santuário de Santo Cristo do Ipojuca tem tentado este mesmo método como uma forma de incentivar a presença dos romeiros no santuário. Nesse caso, o que tem interessado é a presença do romeiro como um reavivamento

271 Nos depoimentos dos voluntários da festa de Frei Damião, este significado era recorrente em suas falas. 272 Tem sido importante para o santuário este cadastro, pois assim os frades podem entrar diretamente em contato

convidando para as festividades e criando um laço que é institucional, mas que por vezes parece ultrapassá-lo, gerando uma aproximação e identificação dos devotos com o santuário.

273 STEIL, Carlos. O Sertão das Romarias: um estudo antropológico sobre o Santuário de Bom Jesus da Lapa –

da devoção e do santuário ou do estímulo à devoção274. No santuário de Frei Damião, este contato tem servido para a consolidação da festa e da devoção.

Além dos voluntários que contribuem no período das festividades, o santuário conta com o trabalho voluntário de paroquianos da comunidade, os quais estão presentes no santuário todos os finais de semana, à exceção daqueles dias em que compromissos particulares não o permitem. Estes voluntários se responsabilizam pelo Museu de Frei Damião, pela Capela-santuário, e pelo acolhimento dos romeiros que visitam o santuário durante todo o ano. Todos estes voluntários entrelaçam suas histórias de vida nas histórias que contam sobre Frei Damião e sobre seu poder taumaturgo, e estarem ali evoca, de certa forma, algum episódio de suas vidas no qual esta personagem possui algum tipo de importância.

Eu hoje o emprego que eu tenho hoje eu agradeço a Deus e a Frei Damião que não foi tão fácil eu conseguir esse emprego. Com ele em vida, né, eu consegui esse trabalho. Graças a Deus já tô com 17 anos, de 2 em 2 anos tem ameaça de botar pra fora mas eu sempre tô ficando. Aí faz 6 anos que eu alcancei uma graça com Frei Damião, um milagre, aí me dediquei ser voluntário aqui. Todos os domingos eu estou aqui. Moro no Curado II. Na festa eu já fico sexta, sábado e domingo acolhendo os romeiros275.

Para além destes agentes envolvidos diretamente na economia de santidade no santuário, os frades em noviciado têm participado ativamente da Festa. Os frades do convento de São Félix recebem ajuda ainda dos frades do Convento de Nossa Senhora da Penha e de outras fraternidades capuchinhas que se dirigem ao convento neste período. Eles atuam principalmente na animação da festa, cantando no palco, ajudando os romeiros a relembrarem fatos das missões e na distribuição dos bens sagrados como bênção e água benta, e na acolhida.

Esta acolhida é muito importante na dinâmica do santuário. O romeiro se sente acolhido e retribui com uma nova romaria na festa seguinte, ajudando assim a realizá-la, não como participante na organização, mas com sua presença, pois como os próprios frades e voluntários afirmam, a festa só existe porque existem os romeiros de Frei Damião276.

274 DONATO, Sóstenes Portela Vieira. Convento de Santo Antonio de Ipojuca em Pernambuco: reflexões

históricas acerca da devoção ao Santo Cristo. Recife, 2008. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Pernambuco.

275 Sr. Cícero, devoto de Frei Damião e voluntário no santuário. Entrevista concedida à autora, no santuário de

Frei Damião. Recife, jun. 2008.

276 Tanto as pessoas que são voluntárias de Frei Damião quanto os religiosos do convento procuram salientar em

O lado profano da festa de Frei Damião é possível ser observado na principal rua de acesso ao santuário. Nas festas religiosas, o sagrado e o profano coexistem. E o sagrado disputa com o profano a presença dos fiéis, posto que muitos deles também se envolvam na profusão de possibilidades do lado profano da festa. Esta disputa é observada nos discursos religiosos e mesmo de agentes leigos.

Não há uma “programação folclórica”277 durante a Festa de Frei Damião, mas os bares e as barracas instaladas para comércio no período festivo atraem muita gente, em especial moradores da comunidade. O profano não se restringe ao comércio de souvenirs, objetos de decoração e utensílios domésticos, roupas, brinquedos. Música, comida e bebida constituem o profano da festa, por onde também circulam vários romeiros de Frei Damião.

Sobre a presença de romeiros nos bares há polêmicas entre os negociantes. Não há uma uniformidade do discurso, mas podemos perceber que estes espaços alternativos também atraem os romeiros. Alguns negociantes que montam comércio durante a festa afirmam que os romeiros são seus consumidores. Outros, no entanto, procuram excluir o romeiro deste público ao dizer que os consumidores de bebida são pessoas da própria comunidade, pois os romeiros vêm contritos, pela necessidade da fé, e não bebem exatamente por isso278. Assim, para alguns comerciantes, em especial os que são paroquianos, a idéia defendida é de que o intuito religioso a mover os romeiros não os permite participar desse lado profano.

Em meio a objetos de uso religioso a Festa proporciona a existência de um comércio informal e variado nas ruas de acesso ao santuário, transformando-a num verdadeiro mercado no qual religioso e profano se mistura, e por onde passam romeiros em busca de lembranças da romaria, e moradores da área, estes últimos mais propensos a observar o movimento gerado pelas peregrinações e a buscar divertimento nas barracas. Este entrelaçamento entre o profano e o sagrado nas festas religiosas é comum nos santuários279. Desta forma, nas trocas condição é sempre ressaltada, principalmente durante as missas, momento em que os devotos se reúnem perante o altar montado fora da igreja e mais oportuno para que os religiosos se expressem para todos os romeiros, devotos de Frei Damião.

277 Por programação folclórica entendemos os shows que se realizam nas festas religiosas de vários santuários,

principalmente quando o santo do lugar é também padroeiro da cidade.

278 Nas conversas com alguns comerciantes que instalaram suas barracas na rua principal, em frente ao convento,

percebemos que para eles este é um tema polêmico. Embora alguns afirmem que os romeiros são seus principais consumidores, no caso de venda de bebidas, outros procuravam eximir os romeiros desta prática ao colocá-los como devotos que vinham apenas com interesse no santuário.

279 Nos estudos realizados sobre santuários religiosos este entrelaçamento entre o sagrado e o profano aparece

como um dos aspectos das festas dedicadas ao ‘santo’. Dentre estes estudos podemos apontar alguns exemplos: DONATO, Sóstenes Portela Vieira. Convento de Santo Antonio de Ipojuca em Pernambuco: reflexões históricas acerca da devoção ao Santo Cristo. Recife, 2004. Dissertação (Mestrado em História) Universidade

simbólicas que ocorrem em torno do santuário estão inseridos também os comerciantes, da própria comunidade e de fora que se instalam nas ruas de acesso durante o tempo festivo.

Com relação à presença destes comerciantes não identificamos no santuário um discurso de oposição a estes, visando afastar os romeiros das barracas de souvenirs instaladas para a festa. As recomendações são dirigidas aos devotos no que se refere a divertimentos possíveis, como a praia ou a bebida, uma forma de disciplinar o devoto. Para eles a romaria pressupõe a visita ao santo, não a outros ambientes.

Animação e apresentações culturais também tomam parte neste evento religioso. Contando com a participação dos romeiros, que fazem algum tipo de homenagem a Frei Damião apresentando cânticos, dando testemunhos. Os frades cantam hinos das missões, conversam, procuram fazer com que os devotos relembrem as missões. Para além da programação religiosa do santuário, a organização também oferece aos romeiros que visitam o santuário no período da festa a apresentação de grupos culturais.

Em 2008 houve a apresentação do Maracatu Frei Damião. Jovens da comunidade integram o grupo idealizado pelos frades, e recebem aulas no próprio convento sob a regência de um professor. Criado recentemente, este maracatu tem uma função social tanto na visão de frades quanto na de moradores locais. Estes aprovaram a ação dos frades, pois esta ação, assim como outras, pode ser responsável pela diminuição da criminalidade com relação ao convento: “os frades estão atentos para uma aproximação com a comunidade. Perceberam que é como uma escola. Tem que estar aberto. Foi isso o que fizeram e Frei Rinaldo está tentando tirar os jovens da rua com os projetos”280 .

Federal de Pernambuco; FERNANDES, Rubem César. Os Cavaleiros do Bom Jesus – uma introdução às religiões populares. São Paulo: Brasiliense, 1982. Além da bibliografia pertinente, a pesquisa que temos realizado no grupo de pesquisa História e Religiões, vinculado ao Departamento de História da UFPE, sob a orientação da Profª Sylvana Brandão, tem oferecido elementos para tal afirmativa.

Foto 1: Maracatu Frei Damião.

Fonte: Acervo particular da autora, 2008.

Na programação cultural oferecida no santuário, além do ‘Maracatu Frei Damião’, já passou pelo palco durante os anos de festa: a Banda da Polícia Militar de Pernambuco, banda de pífanos, repentistas, cantores homenageando Frei Damião, e padres-cantores, como o Padre Antonio Maria. Durante o momento cultural da festa, embora se privilegie músicas das missões, os grupos culturais sempre interpretam com seus instrumentos outras músicas, como por exemplo, músicas de Luiz Gonzaga281. É o momento de lazer, propiciado no santuário, presente na programação a ser oferecida aos devotos e a visitantes. O profano e o sagrado não se anulam. Eles aparecem entremeados nas festividades.